— Meu Senhor Capitão Comandante — começou Byar, de repente —, o Senhor Capitão Bornhald ordenou que eu ficasse longe da batalha. Eu estava ali para observar os acontecimentos e relatá-los ao senhor. E também para contar ao filho dele, Lorde Dain, como ele morreu.
— Sim, sim — disse Niall, com impaciência. Estudou o rosto encovado de Byar por um instante, para depois acrescentar: — Ninguém duvida de sua coragem e honestidade. É exatamente o tipo de coisa que Geofram Bornhald faria, lançar-se em uma batalha mesmo temendo que todos os seus homens morressem. — E não o tipo de coisa que sua imaginação lhe permitiria pensar.
Não havia mais o que descobrir com aquele homem.
— Você agiu bem, Filho Byar. Tem minha permissão para levar a notícia da morte de Geofram Bornhald a seu filho. Dain Bornhald está com Eamon Valda perto de Tar Valon, segundo o último informe. Pode se juntar a eles.
— Obrigado, meu Senhor Capitão Comandante. Obrigado. — Byar se levantou e fez uma mesura enfática. Porém, hesitou ao endireitar o corpo. — Meu Senhor Capitão Comandante, nós fomos traídos. — O ódio o fez falar entre dentes.
— Por esse Amigo das Trevas que mencionou antes, Filho Byar? — Ele não conseguia esconder a rispidez da própria voz. Os planos feitos ao longo de um ano jaziam arruinados entre os corpos de mil Filhos, e Byar só queria falar sobre aquele homem. — O tal jovem ferreiro que você viu apenas duas vezes, o tal Perrin de Dois Rios?
— Sim, meu Senhor Capitão Comandante. Não sei como, mas sei que ele é o culpado. Eu sei.
— Verei o que pode ser feito a respeito, Filho Byar. — Byar abriu a boca mais uma vez, mas Niall levantou a mão, interrompendo-o. — Está dispensado.
O homem de rosto abatido não teve escolha a não ser fazer outra mesura e sair.
Quando a porta se fechou atrás dele, Niall largou-se na cadeira de espaldar alto. O que haveria provocado o ódio de Byar pelo tal Perrin? Havia muitos Amigos das Trevas para alguém gastar tanta energia odiando um em particular. Amigos das Trevas demais, espalhados pelo mundo, escondidos por trás de palavras amáveis e sorrisos abertos, servindo ao Tenebroso. Ainda assim, um nome a mais na lista não faria mal algum.
Ele mudou de posição na cadeira dura, tentando dar algum conforto aos velhos ossos. Considerou vagamente, não pela primeira vez, que uma almofada talvez não fosse luxo demais. E não pela primeira vez, afastou o pensamento. O mundo despencava para o caos, e não havia tempo para se render à idade.
Deixou todos os sinais que prenunciavam o desastre correrem por sua mente. Tarabon e Arad Doman estavam em guerra, enquanto Cairhien passava por uma guerra civil, e um princípio de confronto ganhava contorno entre Tear e Illian, que já eram velhas inimigas. Talvez aquelas guerras não significassem nada sozinhas, pois os homens lutavam sempre, mas em geral ocorria uma de cada vez. E, além do falso Dragão em algum lugar da Planície de Almoth, outro assolava Saldaea, e um terceiro atingia Tear. Três de uma só vez. Todos devem ser falsos Dragões. Têm que ser!
Além disso, havia pequenas coisas, algumas talvez apenas rumores infundados, mas que, somadas ao resto… Aiel vistos bem a oeste, em Murandy e Kandor. Apenas dois ou três em cada lugar, mas, fossem um ou mil, era a primeira vez em todos os anos desde a Ruptura que os Aiel saíam do Deserto. Eles haviam posto os pés para fora daquele deserto ermo apenas durante a Guerra dos Aiel. Dizia-se que os Atha’an Miere, o Povo do Mar, andavam abrindo mão de negócios para ir em busca de sinais e presságios — quais exatamente, não diziam — e viajavam em navios com metade da tripulação ou mesmo sem ninguém. Illian convocara a Grande Caçada à Trombeta pela primeira vez em quase quatrocentos anos e enviara os Caçadores em busca da lendária Trombeta de Valere, que, segundo as profecias invocaria os heróis mortos de seus túmulos para lutar em Tarmon Gai’don, a Última Batalha contra a Sombra. Segundo rumores, os Ogier, sempre tão reclusos que a maioria do povo comum pensava que eram apenas uma lenda, haviam convocado reuniões entre cada um de seus pousos remotos.
E o mais impressionante de tudo, para Niall, era que as Aes Sedai pareciam ter revelado suas intenções. Diziam que elas haviam enviado algumas irmãs à Saldaea, para enfrentar o falso Dragão Mazrim Taim. Por mais raro que aquilo fosse entre os homens, Taim era capaz de canalizar o Poder Único. O que era, por si só, algo a temer e desprezar. Mas poucos pensavam que um homem como aquele poderia ser derrotado sem a ajuda das Aes Sedai. Era melhor deixá-las ajudarem do que enfrentar os horrores inevitáveis quando ele enlouquecesse, como sempre acontecia. Porém, parecia que Tar Valon enviara outras Aes Sedai para apoiar o outro falso Dragão em Falme. Nada mais fazia sentido.
O padrão o arrepiou até os ossos. O caos se multiplicava, acontecimentos dos quais jamais se ouvira passavam a ocorrer repetidas vezes. O mundo inteiro parecia estar em um redemoinho, se remexendo, prestes a entrar em ebulição. Estava muito claro para ele. A Última Batalha se aproximava.
Todos os seus planos estavam destruídos, planos que garantiriam que seu nome fosse repetido entre os Filhos da Luz por uma centena de gerações. No entanto, inquietude era sinônimo de oportunidades, e ele tinha novos planos, com novos objetivos. Se fosse capaz de manter as forças e a determinação para levá-los até o fim. Luz, deixe-me continuar vivo por tempo suficiente.
Uma batida respeitosa na porta o tirou dos pensamentos sombrios.
— Entre! — ordenou, com rispidez.
Um servo de casaco e calças de tecido branco e dourado fez uma mesura e entrou. Com os olhos baixos, anunciou que Jaichim Carridin, Ungido pela Luz, Inquisidor da Mão da Luz, viera a mando do Senhor Capitão Comandante. Carridin surgiu logo atrás do homem, sem esperar que Niall respondesse. O homem dispensou o servo com um gesto.
Antes que a porta se fechasse por completo, Carridin se abaixou, apoiando-se em um dos joelhos, e fez um floreio com o manto branco. Por trás do sol na frente do manto, jazia o cajado escarlate da Mão da Luz, símbolo do grupo que muitos chamavam de Questionadores, embora não diante de um deles.
— Como o senhor ordenou minha presença, meu Senhor Capitão Comandante — disse, com a voz grave —, retornei de Tarabon.
Niall o analisou por um instante. Carridin era alto, já estava na meia-idade e tinha cabelos levemente grisalhos, mas era forte e vigoroso. Os olhos escuros e profundos pareciam, como sempre, perspicazes. E não piscavam sob o exame silencioso do Senhor Capitão Comandante. Poucos homens tinham uma consciência tão tranquila ou tanta serenidade. Carridin permanecia ajoelhado, aguardando com calma, como se fosse parte do cotidiano receber uma ordem ríspida para deixar o comando e retornar a Amador sem demora, sem explicações. No entanto, também dizia-se que Jaichim Carridin podia ser mais impassível que uma pedra.
— Levante-se, Filho Carridin. — Enquanto o homem se erguia, Niall acrescentou: — Recebi notícias inquietantes de Falme.
Carridin ajeitou as dobras do manto enquanto respondia. Sua voz beirava o limite do respeito apropriado, quase como se conversasse de igual para igual, não com o homem a quem havia jurado obediência até a morte.
— Meu Senhor Capitão Comandante se refere às notícias trazidas pelo Filho Jaret Byar, segundo no comando do Senhor Capitão Bornhald.
O canto do olho esquerdo de Niall tremulou, um prenúncio conhecido de fúria. Supostamente apenas três homens estavam cientes de que Byar estava em Amador, e ninguém além de Niall sabia de onde ele viera.
— Não seja tão astuto, Carridin — respondeu. — Seu desejo em saber tudo pode um dia levá-lo às mãos de seus próprios Questionadores.
Ao ouvir aquele nome, Carridin não esboçou reação além de um leve comprimir dos lábios.
— Meu Senhor Capitão Comandante, a Mão persegue a verdade em todos os lugares, para servir à Luz.