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José Saramago – O Evangelho segundo Jesus Cristo

cor de leite não o sendo, tomam o seu próprio natural, o da herança genética directa, um castanho muito escuro que adquire, aos poucos, à medida que se vai afastando da pupila, uma tonalidade como de sombra verde, se assim podemos definir uma qualidade cromática, porém estas características não são únicas, só têm verdadeira importância quando o filho é nosso ou, porque dela estamos tratando, de Maria. Daqui por algumas semanas este menino fará as suas primeiras tentativas para pôr-se de pé e caminhar, irá de mãos ao chão vezes sem conta e ficará a olhar em frente, a cabeça dificilmente levantada, enquanto ouve a voz da mãe que lhe diz, Vem cá, vem cá, meu menino, e não muito tempo depois sentirá a primeira necessidade de falar, quando alguns sons novos começarem a formar-se na sua garganta, e ao princípio não saberá que fazer com eles, confundi-los-á com os outros que já conhecia e vinha praticando, os do grito e os do choro, porém não tardará a perceber que deve articulá-los de um modo muito diferente, mais compenetrado, imitando e ajudando-se com os movimentos dos lábios do pai e da mãe, até que consiga pronunciar a primeira palavra, qual ela tenha sido não sabemos, talvez papa, talvez papá, talvez mamã, o que sim sabemos é que a partir de agora nunca mais o menino Jesus terá de fazer aquele gesto do indicador da mão direita na palma da mão esquerda se a mãe e as vizinhas tornarem a perguntar-lhe, Onde é que a galinha põe o ovo, é uma indignidade a que se sujeita o ser humano, tratá-lo como um cãozito ensinado a reagir a um estímulo sonoro, voz, assobio ou estalo de chicote. Agora Jesus está capacitado para responder que a galinha pode ir pôr o ovo aonde quiser, desde que não o faça na palma da sua mão. Maria olha o filho, suspira, tem pena de que o anjo não vá voltar, Não voltarás a ver-me tão cedo, disse, se ele aqui estivesse agora não se deixaria intimidar como das outras vezes, apertá-lo-ia com perguntas até rendê-

lo, uma mulher com um filho fora e outro à bica não tem nada de cordeiro inocente, aprendeu, à sua própria custa, o que são dores, perigos e aflições, e, com tais pesos colocados no prato do seu lado, pode fazer inclinar a seu favor qualquer fiel de balança. Ao anjo não bastaria ter-lhe dito, O Senhor permita que não vejas o teu filho como a mim me vês agora, que não tenho onde descansar a cabeça, em primeiro lugar teria de explicar quem era o Senhor em nome de quem parecia falar, em segundo lugar se era realmente verdade não ter onde descansar a cabeça, coisa difícil de perceber tratando-se de um anjo, ou se apenas o dizia por estar no seu papel de mendigo, em quarto lugar que futuro anunciavam para o seu filho as sombrias e ameaçadoras palavras que pronunciara, e finalmente que mistério era aquele da terra luminosa, enterrada ao lado da porta, e onde nascera, depois do regresso de Belém, uma estranha planta, só caule e folhas, que já tinham desistido de cortar, depois de inutilmente terem tentado arrancá-la pela raiz, porque de cada vez tornava a nascer, e com mais força.

Dois dos anciãos da sinagoga, Zaquias e Dotaim, vieram observar o caso, e, embora pouco entendidos em ciências botânicas, puseram-se de acordo para opinar que aquilo devia ser de semente que viera com a terra e que, chegando o seu tempo, rebentara, Como é lei do Senhor da vida, sentenciara Zaquias. Maria habituara-se a ver a teimosa planta, achava até que lhe dava alegria à entrada da porta, enquanto José, inconformado e com novas e palpáveis razões para alimento das suspeitas antigas, transferira a sua bancada de carpinteiro para outro local do pátio e fingia não dar pela detestada presença. Depois de usar o machado e o serrote, experimentara a água a ferver e chegara mesmo a pôr ao redor do caule um colar de carvões ardentes, só não se atrevera, por uma espécie de respeito supersticioso, a meter a enxada à terra e cavar até onde devia encontrar-se a origem do mal, a tigela com a terra luminosa. E nisto estavam quando nasceu o segundo filho, a quem deram o nome de Tiago.