Na manhã seguinte, desceu até junto dos pescadores, na principal atracação de Baixo Torning e, encontrando ali o Chefe dos Ilhéus, disse-lhe:
— Tenho de abandonar este lugar. Estou em perigo e ponho-vos também em perigo. Devo partir. Por isso peço a tua permissão para sair a dar fim à ameaça dos dragões, em Pendor, para que a minha tarefa para vós fique terminada e eu possa partir livremente. Ou, se falhar, falharia também quando eles viessem aqui, o que é preferível saber agora do que mais tarde.
O Ilhéu-Mor olhava-o de boca aberta.
— Senhor Gavião — disse por fim —, são nove os dragões que há na ilha!
— Segundo se diz, oito ainda são novos.
— Mas o mais velho…
— Disse-te e repito, tenho de sair daqui. Peço-te permissão para vos livrar primeiro da ameaça dos dragões, se o conseguir.
— Como queiras, Senhor — retorquiu sombriamente o Ilhéu-Mor. E todos os que ali estavam e o ouviram pensaram que aquilo era loucura ou coragem desesperada do seu jovem feiticeiro, e foi com semblantes carregados que o viram partir, não esperando voltar a receber notícias dele. Alguns deram a entender que ele apenas pretendia navegar de volta ao Mar Interior, passando por Hosk, e deixá-los abandonados à sua sorte. Outros, entre eles Petchvarri, tinham como certo que enlouquecera e ia em busca da morte.
Ao longo de quatro gerações de homens, todos os navios tinham traçado as suas rotas de modo a manterem-se longe da costa da Ilha de Pendor. Nenhum mago viera alguma vez a travar ali combate com o dragão, pois que a ilha não ficava em qualquer habitual rota marítima, e os seus senhores tinham sido piratas, escravizadores, fomentadores de guerras e odiados por todos os que habitavam as regiões sudoeste de Terramar. Por tudo isto, ninguém pensara em vingar o Senhor de Pendor, depois de o dragão ter vindo subitamente de oeste, lançando-se sobre ele e os seus homens quando estavam reunidos na torre, banqueteando-se, e os queimara com o fogo da sua boca, e afugentara todos os habitantes da vila, em grande gritaria, para o mar. Sem desagravo, Pendor fora abandonada ao dragão, com todos os seus ossos, torres e jóias, estas roubadas a príncipes, de há muito mortos, das costas de Paln e Hosk.
Tudo isto o sabia bem Gued, e mais ainda, pois desde que chegara a Baixo Torning que mantinha em mente e ponderava tudo o que alguma vez aprendera sobre dragões. Enquanto conduzia o seu pequeno barco para oeste — de momento sem remar nem usar da perícia em marinharia que Petchvarri lhe transmitira, mas navegando à vela por feitiço, com o vento mágico na vela e um encantamento lançada sobre a proa e a quilha para manter o barco na boa direção — mantinha-se atento para ver a ilha morta a erguer-se na beira do mar. Rapidez era o que pretendia e por isso usara o vento mágico, pois temia mais o que deixava atrás de si do que o que estava para diante. Porém, à medida que o dia ia passando, a sua impaciência trocou o temor por uma espécie de ferocidade jovial. Pelo menos, este era um perigo que procurava de moto próprio. E quanto mais se avizinhava dele, tanto mais seguro estava de que, pelo menos por aquela vez, naquela hora, talvez a última antes da sua morte, era livre. A sombra não se atrevia a segui-lo para dentro das fauces de um dragão. As ondas corriam emplumadas de branco pelo mar cinzento e cinzentas nuvens deslizavam acima dele, levadas pelo vento norte. Prosseguiu para oeste levado pelo rápido vento mágico a soprar na sua vela e chegou à vista dos rochedos de Pendor, das ruas quietas da vila e das torres esventradas, tombando em ruínas.
A entrada do porto, uma baía pouco funda em forma de crescente, deixou que se desfizesse o sortilégio do vento e fez parar o pequeno barco que ficou a balançar nas vagas. E então convocou o dragão:
— Usurpador de Pendor, vem defender o teu tesouro!
A sua voz não pôde sobrepor-se ao som das ondas rebentando nas praias cor de cinza, mas os dragões têm ouvidos apurados. Logo um deles se ergueu no ar, saindo de uma das ruínas sem telhado da vila, semelhante a um enorme morcego negro, de asas finas e dorso eriçado de picos, e, rondando a tomar o vento norte, veio voando direito a Gued. O coração do feiticeiro dilatou-se ao ver a criatura que era um mito para o seu povo e riu e bradou:
— Vai dizer ao Mais Velho que aqui venha, ó verme do vento!
Porque aquele era um dos dragões jovens, ali chocados anos atrás por um dragão-fêmea vindo da Estrema Oeste, que fizera a sua postura de grandes ovos coriáceos, como se diz que os dragões-fêmeas fazem, nalguma das salas arrombadas e soalheiras da torre e de novo voara para longe, deixando a cargo do Velho Dragão de Pendor olhar pelas crias, quando rastejassem como lagartos peçonhentos para fora das cascas.
O jovem dragão não deu resposta. Não era de uma espécie grande, talvez com o comprimento de uma galera de quarenta remos, e era delgado como um verme, apesar da envergadura das suas negras asas membranosas. Ainda não estava totalmente desenvolvido, nem de posse da sua voz ou da astúcia habitual em dragões. Veio direito a Gued, de pé no seu pequeno barco balouçante, abrindo as longas mandíbulas cheias de dentes ao despencar dos ares como uma flecha. Assim, tudo o que Gued teve de fazer foi sujeitar-lhe as asas e os membros com um esconjuro firme e assim o lançar violentamente para o lado, como uma pedra a cair no mar. E o mar cinzento fechou-se sobre ele.
Da base da torre mais alta, ergueram-se dois dragões idênticos ao primeiro. Tal como o primeiro, lançaram-se ambos a direito sobre Gued, e mesmo assim ele assenhorou-se de ambos, deitou-os abaixo e afogou-os. E ainda nem sequer erguera o seu bordão de feiticeiro.
Pouco tempo depois, vieram outros três a atacá-lo do lado da ilha. Um era muito maior e o fogo saía, encurvando-se, da sua goela. Dois voaram direitos a ele, com as asas a vibrar, mas o maior aproximou-se por trás, voando em círculos, muito rápido, para queimar Gued e o seu barco com o fogo da sua respiração. Não havia esconjuro de sujeitar que abarcasse todos os três porque dois vinham de norte e um de sul. No instante em que se deu conta disto, Gued teceu um esconjuro de mudança e, entre uma respiração e outra, ergueu-se do barco a voar, em forma de dragão.
Abrindo as vastas asas e estendendo as garras para a frente, atacou frontalmente os dois dragões, fulminando-os com fogo, e logo se virou para o terceiro, que era maior que ele e igualmente armado com fogo. Ao sabor do vento por sobre as ondas cinzentas, ziguezaguearam, morderam, atacaram, mergulharam, até que o fumo turvou o ar em seu redor, avermelhado pelo clarão das suas bocas flamejantes. Subitamente, Gued voou para cima com o outro a persegui-lo logo abaixo. A meio do vôo, o dragão-Gued ergueu as asas, parou e caiu, como cai o falcão sobre a presa, com as garras esticadas para baixo, ferindo e forçando o outro a descer, atacando-o no pescoço e no flanco. As asas negras agitaram-se em vão, o negro sangue do dragão gotejou grosso no mar. E o dragão de Pendor arrancou-se à prisão e, voando baixo e com dificuldade, voltou para a ilha, para se ir ocultar, rastejando, em qualquer poço ou caverna da cidade em ruínas.