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Durante a noite, quando o vento se tornou muito forte, soprando em rajadas, baixaram vela e mastro e, no dia seguinte, durante todo o dia, remaram. O longo navio mantinha-se firme nas ondas e prosseguia valorosamente, mas o timoneiro, ao comprido remo que servia de leme, à popa, perscrutava a chuva que fustigava o mar e nada mais via para além da chuva. Navegaram para sudoeste, guiando-se pela bússola, e sabiam para onde iam mas não através de que águas. Gued ouviu os homens falar dos baixios a norte de Roke e das Rochas Borilosas para leste. Outros contestavam que deviam estar já muito fora da rota, nas águas sem ilhas a sul de Kamery. E sempre o vento a tornar-se mais forte, desfazendo em farrapos de espuma esvoaçante os cumes das grandes vagas, e eles sempre remando para sudoeste, com o vento por trás. Os turnos aos remos foram encurtados porque a tarefa se tornara demasiado árdua. Os mais novos eram colocados a dois por remo e Gued fez os seus turnos com os outros, tal como fizera desde que haviam deixado Gont. Quando não estavam a remar, escoavam a água do barco, pois o mar rebentava violentamente contra o navio. E assim se afadigaram entre as ondas que corriam como montanhas fumegantes sob o vento, enquanto a chuva fria e forte lhes açoitava as costas e o tambor ressoava por entre o ruído da tempestade, como o bater de um coração.

A certa altura, veio um homem tomar o lugar de Gued ao remo, dizendo-lhe que fosse ter com o mestre do navio, à proa.

A chuva escorria da bainha do capote do mestre, mas ele permanecia firme e rotundo como um barril de vinho no seu estrado e, olhando para baixo, para Gued, perguntou:

— És capaz de amainar este vento, rapaz?

— Não, senhor.

— Tens algum poder sobre o ferro?

E com isto pretendia ele saber se Gued era capaz de obrigar a agulha magnética a apontar, não o Norte, mas aquilo que a necessidade exigia, a rota para Roke. Mas esse talento é um segredo dos Mestres do Mar e, uma vez mais, Gued teve de responder que não.

— Bem, então — bramiu o mestre através do vento e da chuva — tens de arranjar algum navio que te leve da cidade de Hort de regresso a Roke. Roke deve estar agora para ocidente de nós e só usando feitiçaria poderíamos lá chegar com um mar assim. Temos de continuar a navegar para sul.

Aquilo não agradou a Gued, pois ouvira os marinheiros falar da cidade de Hort como sendo um lugar sem lei, cheio de um tráfego maléfico, onde os homens eram muitas vezes feitos prisioneiros e vendidos como escravos na Estrema Sul. Regressando à sua tarefa ao remo, lá se foi esforçando juntamente com o seu companheiro, um vigoroso rapaz andradiano, vendo a lanterna suspensa na popa balouçar e tremeluzir ao vento que a agitava, uma réstia atormentada de luz no negrume chicoteado pela chuva. Foi olhando para ocidente tanto quanto pôde sob o pesado ritmo de empurrar e puxar o remo. E quando o navio se ergueu numa onda mais alta, viu por um momento, sobre a água escura e fumegante, uma luz entre nuvens, como que um último raio do Sol poente. Mas aquela era uma luz clara, não avermelhada.

O companheiro ao remo não a vira, mas Gued bradou o aviso. O timoneiro ficou atento, procurando avistar a luz em cada vaga mais alterosa, e viu-a tal como Gued a viu de novo, porém bradou-lhe que era apenas o pôr do Sol. Então Gued gritou a um dos rapazes que escoavam água que o substituísse ao remo por um minuto e voltou a percorrer o caminho até à proa, ao longo da atravancada coxia entre os bancos e, agarrando-se à proa trabalhada para não ser lançado borda fora, gritou para o mestre:

— Senhor! Aquela luz para ocidente é a Ilha de Roke!

— Não vi luz nenhuma — bradou o mestre, mas nesse preciso instante Gued estendeu o braço, apontando, e todos viram o brilho claro da luz a ocidente, para além da agitação da espuma e do tumulto do mar.

Não por atenção para com o seu passageiro, mas para salvar o navio dos perigos da tempestade, o mestre gritou imediatamente ao timoneiro que se dirigisse para oeste, na direção da luz. Mas, a Gued, disse:

— Rapaz, tu falas como um Mestre do Mar, mas só te digo que se nos conduzes mal num tempo como este, deito-te à água e deixo-te ir a nado até Roke!

Agora, em vez de irem impelidos pela tempestade, eram forçados a remar perpendicularmente à direção do vento, e isso era difícil. As ondas, chocando de través contra o navio, constantemente o empurravam para sul do seu novo curso, enchiam-no de água tornando o trabalho de a escoar incessante, faziam-no gingar, e os remadores eram obrigados a redobrar de atenção, não fosse o gingar do navio erguer os remos fora de água quando os puxavam, fazendo-os cair entre os bancos. A escuridão era quase completa sob as nuvens de tempestade, mas de quando em vez lá conseguiam avistar a luz a ocidente, o bastante para poderem orientar a rota, animando-os a prosseguir no esforço. Por fim, o vento amainou um pouco e a luz aumentou em frente deles. Continuando a remar, foi como se atravessassem uma cortina, entre uma remada e outra, saindo da tempestade para um ar límpido, onde a luz que restava do crepúsculo iluminava céu e mar. Por sobre as ondas coroadas de espuma viram, não muito longe, um monte verde, alto e arredondado, e no seu sopé uma cidade erigida numa pequena baía onde havia barcos, todos pacificamente ancorados.

O timoneiro, apoiando-se no seu longo leme, virou a cabeça e bradou:

— Mestre! Isto é terra verdadeira ou alguma feitiçaria?

Mas o mestre de bordo limitou-se a rugir:

— Mantém a rota, seu cabeça de abóbora! Remem, seus filhos de escravos! Ali é a baía de Thwil e o Cabeço de Roke, como qualquer idiota pode ver! Remem!

Assim, ao ritmo do tambor, exaustos, entraram remando na baía. Ali, a calma era tal que conseguiam ouvir as vozes das pessoas lá em cima na cidade, um sino a tocar e, muito ao longe, o silvo e o rugido da tempestade. Para norte, leste e sul, a quilômetro e meio em toda a volta da ilha, pairavam nuvens negras. Mas sobre Roke as estrelas surgiam uma a uma num céu límpido e calmo.

3. A ESCOLA DE FEITICEIROS

Gued dormiu ainda essa noite a bordo do Sombra e de manhã cedo despediu-se daqueles seus primeiros camaradas de mar, que alegremente lhe gritavam boa sorte enquanto ele se afastava pelas docas fora. A vila de Thwil não é muito grande, com as suas altas casas a apinharem-se ao longo de umas poucas ruas íngremes e estreitas. Para Gued, porém, parecia uma cidade e, sem saber onde se dirigir, perguntou ao primeiro habitante que encontrou onde poderia encontrar o Guardião da Escola que havia em Roke. O homem olhou-o de viés por um momento e disse:

— O sábio não precisa de perguntar, o tolo pergunta em vão — após o que seguiu o seu caminho.

Gued continuou a subir até que desembocou numa praça, limitada em três lados pelas casas com os seus telhados de ardósia em declive acentuado e, no quarto, pela fachada de um grande edifício, cujas poucas e pequenas janelas ficavam acima do topo das chaminés das casas. O edifício mais parecia uma fortaleza ou castelo, construído com grandes blocos de uma pedra cinzenta. Na praça que dominava estavam armadas as tendas de um mercado e havia muitas idas e vindas de gente. Gued voltou a fazer a sua pergunta a uma velhota com um cesto de mexilhões e logo ela lhe respondeu: