Obara. Ele conhecia sua passada; passos longos, apressados, irados.
Nos estábulos junto aos portões o seu cavalo estaria espumando e ensanguentado pelas suas esporas. Ela sempre montava garanhões, e foi ouvida vangloriando-se de que era capaz de domar qualquer cavalo em Dorne… e qualquer homem também. O capitão podia ouvir outros passos também, o rápido arrastar de pés do Meistre Caleotte que se apressava para acompanhar o ritmo da mulher.
Obara Sand sempre caminhava muito rápido. Ela persegue algo que nunca poderá alcançar, disse uma vez o príncipe a sua filha ao alcance dos ouvidos do capitão.
Quando ela surgiu sob o arco triplo, Areo Hotah estendeu o seu machado de cabo longo para o lado bloqueando seu caminho. A cabeça da arma estava presa a um cabo de um metro e oitenta, e ela não podia rodeá-lo.
— Minha Senhora, pare. — Sua voz era um murmúrio pesado com o sotaque de Norvos. — O príncipe não quer ser incomodado.
O rosto de Obara já era rígido antes que ele falasse, depois, ele tornou-se de pedra.
— Está em meu caminho, Hotah. — Obara era a mais velha das Serpentes da Areia, uma mulher de ossos grandes de aproximadamente trinta anos, com os olhos juntos e o cabelo castanho de ratazana da prostituta de Vilavelha que lhe deu à luz. Sob o manto de sedareia mosqueado de castanho-escuro e dourado suas roupas de montar eram de couro marrom e velho, desgastado e flexível. Eram as coisas mais suaves sobre ela. Em um quadril trazia um chicote enrolado, nas costas um escudo redondo de aço e cobre.
Ela deixou a lança lá fora. Areo Hotah deu graças por isso. Apesar da sua força e rapidez, sabia que a mulher não era páreo para ele… mas ela não sabia, e o capitão não sentia nenhum desejo de ver o sangue dela sobre o mármore rosa pálido.
O Meistre Caleotte mudou o peso de um pé para o outro.
— Senhora Obara, eu tentei te dizer…
— Ele sabe que o meu pai está morto? — Perguntou Obara ao capitão, sem prestar mais atenção ao meistre do que prestaria a uma mosca, se alguma mosca fosse tola o suficiente para zumbir sobre sua cabeça.
— Sabe. — Disse o capitão. — Recebeu uma ave…
A morte tinha chegado a Dorne em asas de corvo, escrita em letras pequenas e selada com uma gota de dura cera vermelha. Caleotte devia ter pressentido o que estava naquela carta, pois deu a Hotah para que a entregasse.
O príncipe agradeceu, mas por muito tempo não quis quebrar o selo.
Ficou sentado à tarde inteira com o pergaminho em seu colo, observando as brincadeiras das crianças. Observou-as até que o sol se pôs e o ar do fim da tarde esfriou o suficiente para levá-lo para dentro; então observou a luz das estrelas refletida na água. A lua já nascia quando mandou Hotah buscar uma vela para que pudesse ler sua carta debaixo das laranjeiras, na escuridão da noite.
Obara tocou seu chicote.
— Milhares de homens estão atravessando as areias a pé para subir o Caminho do Espinhaço e ajudar Ellaria a trazer o meu pai para casa. Os septos estão cheios até o ponto de estourarem e os sacerdotes vermelhos acenderam as fogueiras em seus templos. Nas casas de almofadas as mulheres copulam com qualquer homem que vá atrás delas, recusando pagamento. Em Lançassolar, no Braço Partido, ao longo do Sangueverde, nas montanhas, nas areias profundas, em todos os lugares, as mulheres arrancam os cabelos e os homens gritam de raiva. Ouve-se a mesma pergunta em todas as línguas: o que fará Doran? O que fará o seu irmão para vingar o nosso príncipe assassinado?
Ela aproximou-se do capitão. — E você diz que ele não quer ser incomodado!
— Ele não quer ser incomodado — Voltou a dizer Areo Hotah.
O capitão dos guardas conhecia o príncipe que guardava. Um dia, há muito tempo, um fedelho chegou de Norvos, um rapaz grande e de ombros largos com uma cabeleira escura. Esse cabelo era branco agora, e seu corpo ostentava as cicatrizes de muitas batalhas… mas conservava a força e mantinha o seu machado afiado como os sacerdotes barbudos haviam lhe ensinado. Ela não passará, disse a si mesmo, e em voz alta disse:
— O príncipe está assistindo as crianças brincarem. Ele nunca deve ser incomodado quando está assistindo as crianças brincarem.
— Hotah. — Disse Obara Sand. — Você vai sair do meu caminho, ou pegarei esse machado e…
— Capitão. — Veio a ordem de trás dele. — Deixe-a passar. Eu falarei com ela. — A voz do príncipe estava rouca.
Areo Hotah pôs o machado na vertical e deu um passo para o lado.
Obara lançou-lhe um último e prolongado olhar e passou por ele a passos largos com o meistre correndo perto de seus calcanhares. Caleotte não tinha mais de um metro e meio de altura e era calvo como um ovo. O seu rosto era tão liso e gordo que era difícil calcular sua idade, mas ele estava aqui desde antes do capitão e serviu até mesmo a mãe do príncipe. Apesar da idade e amplitude da cintura, ele ainda era bastante ágil e esperto como poucos, mas também era dócil. Ele não é um oponente à altura de nenhuma das Serpentes da Areia, pensou o capitão.
À sombra das laranjeiras, o príncipe ocupava sua cadeira com as pernas gotosas apoiadas à sua frente e pesadas olheiras sob os olhos… embora Hotah não soubesse dizer se aquilo que o mantinha sem dormir era o pesar ou a gota. Abaixo, nas fontes e lagoas, as crianças prosseguiam os seus jogos. As mais novas não tinham mais de cinco anos, as mais velhas nove e dez. Metade eram garotas e metade rapazes. Hotah as ouvia chapinhar e gritar umas com as outras em vozes altas e estridentes.
— Não foi assim há tanto tempo que você era uma das crianças naquelas lagoas, Obara. — Disse o príncipe quando ela ajoelhou-se diante da sua cadeira de rodas.
Ela fungou.
— Foi há vinte anos, ou tão perto disso que não faz diferença. E não estava aqui nesse tempo. Sou a cria da prostituta, ou será que se esqueceu?
— Quando ele não respondeu, ela levantou-se e colocou as mãos nos quadris. — Meu pai foi assassinado.
— Foi morto em combate singular durante um julgamento por batalha. — Disse o Príncipe Doran. — Pela lei, isso não é assassinato.
— Ele era seu irmão.
— Ele era.
— O que pretende fazer a respeito de sua morte?
O príncipe virou laboriosamente a cadeira para encará-la. Embora não tivesse mais de cinquenta e dois anos, Doran Martell parecia muito mais velho. Seu corpo era mole e disforme sob suas roupas de linho, e era difícil olhar para suas pernas. A gota inchou e avermelhou suas articulações de forma grotesca; o joelho esquerdo era uma maçã, o direito um melão, e os dedos dos pés transformaram-se em uvas vermelhas escuras, tão maduras que parecia que bastaria um toque para estourarem. Até o peso de uma colcha conseguia fazê-lo estremecer, embora suportasse a dor sem queixas.
O silêncio é amigo de um príncipe, o capitão ouviu-o dizer à filha uma vez.
As palavras são como flechas, Arianne. Depois de disparadas não podem ser chamadas de volta.
— Escrevi ao Lorde Tywin…
— Escreveu? Se você fosse metade do homem que o meu pai era…
— Eu não sou o seu pai.
— Eu sei disso. — A voz de Obara estava carregada de desprezo.
— Você quer que eu parta para a guerra.
— Não espero tal coisa. Você nem precisa sair de sua cadeira.
Deixe-me vingar meu pai. Você possui uma tropa no Passo do Príncipe. O
Lorde Yronwood tem outra no Caminho do Espinhaço. Entregue-me uma delas e outra a Nym. Deixe que ela percorra a Estrada do Rei enquanto eu tiro os senhores da Marca dos seus castelos e dou a volta para marchar sobre Vilavelha.