— Pai. — Anunciou quando as cortinas se abriram. — Lançassolar rejubila com o vosso regresso.
— Sim, eu ouvi o júbilo. — O príncipe sorriu languidamente e envolveu o rosto da filha com uma mão avermelhada e inchada. — Você parece bem. Capitão, tenha a bondade de me ajudar a descer daqui.
Hotah enfiou o machado na correia de couro que trazia às costas e pegou o príncipe em seus braços com delicadeza para não sacudir suas articulações inchadas. Mesmo assim, Doran Martell reprimiu um gemido de dor.
— Ordenei aos cozinheiros que preparassem um banquete para esta noite. — Disse Arianne — Com todos os seus pratos preferidos.
— Temo que não possa fazer justiça a ele. — O príncipe olhou lentamente o pátio a seu redor. — Não estou vendo Tyene.
— Ela suplica por uma conversa em particular. Mandei-a esperar sua chegada na sala do trono.
O príncipe suspirou.
— Muito bem. Capitão? Quanto mais depressa despachar isso, mais depressa posso descansar.
Hotah carregou-o pelas longas escadas de pedra da Torre do Sol até a grande sala redonda sob a cúpula, onde a última luz da tarde entrava em diagonal através de espessas janelas de vidro multicolorido e tingia o mármore pálido com losangos de meia centena de cores. Aí os esperava a terceira Serpente da Areia. Ela estava sentada de pernas cruzadas numa almofada sob o estrado onde se situavam os tronos, mas levantou-se quando entraram, trajando um vestido justo de samito azul-claro com mangas de renda de Myr que a fazia parecer tão inocente quanto a própria Donzela. Em uma mão segurava um pedaço de bordado em que estivera trabalhando, na outra um par de agulhas douradas. Seu cabelo também era dourado, e os olhos eram profundas lagoas azuis… e, no entanto, de alguma forma eles lembravam ao capitão os olhos de seu pai, embora os de Oberyn tivessem sido negros como a noite. Todas as filhas do Príncipe Oberyn têm os seus olhos de víbora, percebeu Hotah de repente. A cor não importa.
— Tio. — Disse Tyene Sand. — Tenho estado à sua espera.
— Capitão, me ajude a sentar no trono.
Havia dois tronos no estrado, quase gêmeos um do outro, exceto que um tinha a lança Martell folheada a ouro no espaldar, enquanto o outro ostentava o sol ardente de Roine, o mesmo que flutuava nos mastros dos navios de Nymeria quando eles chegaram a Dorne pela primeira vez. O
capitão colocou o príncipe sob a lança e afastou-se.
— Dói muito? — A voz da Senhora Tyene era gentil, e ela parecia tão doce como morangos de verão. Sua mãe era uma septã, e Tyene possuía um ar de inocência quase de outro mundo sobre ela. — Há alguma coisa que eu possa fazer por você para aliviar sua dor?
— Diga-me o que tem a dizer e deixe-me descansar. Estou cansado, Tyene.
— Fiz isto para você, tio. — Tyene desdobrou a peça que esteve bordando. Ela mostrava o pai, o Príncipe Oberyn, montado em um corcel cor de areia e envergando uma armadura vermelha, sorrindo. — Quando terminar ele será seu, para ajudá-lo a se lembrar dele.
— Não é provável que me esqueça do seu pai.
— É bom saber. Muitos têm tido dúvidas.
— O Lorde Tywin me prometeu a cabeça da Montanha.
— Ele é tão gentil… mas a espada de um carrasco não é um fim adequado para o bravo Sor Gregor. Temos rezado muito por sua morte, é apenas justo que ele reze por ela também. Eu conheço o veneno que o meu pai usava, e não há nenhum outro mais lento ou mais doloroso. Em breve poderemos ouvir a Montanha gritar, até mesmo aqui em Lançassolar.
O Príncipe Doran suspirou.
— Obara choraminga comigo pela guerra. Nym se contentaria com o assassinato. E você?
— A guerra. — Disse Tyene. — Embora não a guerra da minha irmã. Os dorneses lutam melhor em casa, então eu digo para afiarmos nossas lanças e esperar. Quando os Lannister e os Tyrell caírem sobre nós, os sangraremos nos passos e os enterraremos sob as areias sopradas pelo vento, como fizemos uma centena de vezes antes.
— Se eles caírem sobre nós.
— Oh, mas eles precisarão, se não quiserem ver o reino despedaçado de novo, como era antes de nos casarmos com os dragões. Foi meu pai que me disse isso. Ele disse que tinha que agradecer ao Duende por nos enviar a Princesa Myrcella. Ela é tão linda, não acha? Gostaria de ter caracóis como os dela. Foi feita para ser rainha, assim como sua mãe. — Covinhas apareceram nas bochechas de Tyene. — Eu ficaria honrada em organizar as bodas e também de orientar a fabricação das coroas. Trystane e Myrcella são tão inocentes que pensei que talvez ouro branco… com esmeraldas, para combinar com os olhos de Myrcella. Oh, diamantes e pérolas também serviriam, desde que os pequenos sejam casados e coroados. Então precisaremos apenas saudar Myrcella como a Primeira do Seu Nome, Rainha dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, e legítima herdeira dos Sete Reinos de Westeros, e esperar que os leões venham.
— A herdeira legítima? — O príncipe fungou.
— Ela é mais velha do que seu irmão. — Explicou Tyene, como se ele fosse algum idiota. — Por lei, o Trono de Ferro deverá passar para ela.
— Pela lei de Dorne.
— Quando o bom Rei Dareon casou com a Princesa Myriah e nos juntou ao seu reino, foi acordado que em Dorne sempre dominaria a lei de Dorne. E acontece que Myrcella está em Dorne.
— Pois ela está. — Seu tom era relutante. — Deixe-me pensar sobre isso.
Tyenne zangou-se.
— Você pensa demais, tio.
— Penso?
— Meu pai dizia que sim.
— Oberyn não pensava o suficiente.
— Alguns homens pensam, porque têm medo de fazer.
— Há uma diferença entre medo e cautela.
— Oh, eu preciso rezar para nunca vê-lo assustado, tio. Talvez se esqueça de respirar. — Ela ergueu uma mão…
O capitão bateu o cabo do machado contra o mármore com um estrondo surdo.
— Minha senhora, você já ultrapassou o limite. Afaste-se do estrado, por favor.
— Não pretendi ofender, capitão. Eu amo o meu tio, assim como sei que ele amava o meu pai. — Tyene ajoelhou-se perante o príncipe. — Disse tudo o que vim dizer, tio. Perdoe-me se te ofendi; meu coração está despedaçado. Ainda tenho o seu amor?
— Sempre.
— Dê-me então a sua bênção e eu partirei.
Doran hesitou durante meio segundo antes de colocar a mão na cabeça da sobrinha.
— Seja corajosa, filha.
— Oh, como não seria? Sou filha dele.
Assim que ela se retirou, o Meistre Caleotte correu para o estrado.
— Meu príncipe, ela não… aqui, deixe-me ver sua mão. — Ele examinou primeiro a palma, depois virou-a gentilmente ao contrário para farejar a parte de trás dos dedos do príncipe. — Não, ótimo. Muito bom. Não há arranhões, então…
O príncipe retirou a mão.
— Meistre, eu poderia incomodá-lo por um pouco de leite de papoula? Um dedal será suficiente.
— A papoula. Sim, com certeza.
— Agora, eu acho. — Insistiu Doran Martell com gentileza, e Caleotte correu para as escadas.
Lá fora, o sol tinha se posto. A luz dentro da cúpula era o azul do crepúsculo, e todos os losangos no chão estavam expirando-se. O príncipe continuava sentado em seu trono sob a lança Martell, o rosto pálido de dor.
Após um longo silêncio, ele virou-se para Areo Horah.
— Capitão — Ele disse — Quantos de meus guardas são leais?
— Leais. — O capitão não sabia o que mais dizer.
— Todos eles? Ou alguns?
— Eles são homens de bem. Bons homens de Dorne. Cumprirão as minhas ordens. — Ele bateu com o machado no chão. — Trarei a cabeça de qualquer homem que te traia.
— Não quero cabeças. Quero obediência.