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— Porque eu sabia que você o iria desprezar. Eu tinha que ser visto tentando encontrar um companheiro para você, quando você atingesse a idade propícia, senão teria levantado suspeitas, mas não me atrevi a lhe trazer qualquer homem que pudesse aceitar. Estava prometida, Arianne.

Prometida? Arianne olhou para ele, incrédula.

— O que você está dizendo? É esta outra mentira? Você nunca disse...

— O pacto foi selado em segredo. Eu queria lhe dizer quando tivesse idade o suficiente... quando você tivesse idade, pensei, mas...

— Eu tenho vinte e três anos, faz sete que sou uma mulher adulta.

— Eu sei. Se tenho te matido tempo demais na ignorância, foi só para protegê-la. Arianne, a sua natureza... para você, um segredo é apenas um conto divertido para sussurrar para Garin e Tyene, em sua cama, de noite. Garin fofoca como só os órfãos conseguem, e Tyene conta tudo a Obara e a Senhora Nym. E se elas soubessem... Obara é muito chegada a vinho, e Nym é demasiada próxima das gêmeas Fowler. E quem pode confiar nas gêmeas Fowler? Eu não poderia correr o risco.

Ela estava perdida, confusa . Prometida. Eu estava prometida.

— Quem? A quem fui prometida em casamento, por todos esses anos?

— Tanto faz, não importa. Ele está morto.

Isso a deixou mais perplexa do que nunca.

— Os mais velhos são tão frágeis. Foi uma fratura no quadril, um resfriado, a gota?

— Foi um pote de ouro derretido. Nós príncipes fazemos nossos planos com cuidado, e os deuses os esmagam. — Príncipe Doran fez um gesto cansado com uma mão irritada e vermelha. — Dorne será seu. Você tem minha palavra, se a minha palavra ainda tem algum significado para você. Seu irmão Quentyn tem uma estrada mais difícil para percorrer.

— Que estrada? — Arianne continuava suspeitando dele. — O que você está ocultando? Os Sete me perdoem, mas estou cansada de segredos.

Diga-me o resto, pai... ou então nomeie Quentyn seu herdeiro e me envie para Hotah e o seu machado, e deixe-me morrer ao lado de meus primos.

— Você realmente acredita que eu iria prejudicar as crianças do meu irmão? — O pai dela fez uma careta. — Obara, Nym e Tyene nada falta, exceto liberdade, e Ellaria e suas filhas estão felizes refugiadas em Jardim da Água. Dorea tira laranjas das árvores com sua maça, e Elia e Obella se tornaram o terror das piscinas. — Suspirou. — Não faz tanto tempo que você brincava nessas piscinas. Você costumava a montar nos ombros de uma menina mais velha... uma menina alta com pouco cabelo amarelo...

— Jeyne Fowler, ou sua irmã Jennelyn. — Fazia anos que Arianne não pensava nisso. — Oh, e Frynne, seu pai era um ferreiro. Seu cabelo era castanho. Garin era o meu favorito, no entanto. Quando eu montava Garin ninguém podia nos derrotar, nem mesmo Nym e a menina de cabelo verde, a Tyroshi.

— Aquela garota de cabelo verde era filha do Arconte. Eu devia ter mandado você para Tyrosh em seu lugar. Você teria servido o Arconte como copeira e se encontraria com seu noivo em segredo, mas sua mãe ameaçava fazer mal a si mesma se eu roubasse outro de seus filhos, e eu... Eu não poderia fazer isso com ela.

Seu conto cresce cada vez mais estranho.

— É para lá que Quentyn foi? Para Tyrosh, para cortejar a filha do Arconte?

Seu pai pegou uma peça de cyvasse.

— Eu preciso saber como você descobriu que Quentyn estava no exterior. Seu irmão foi com Cletus Yronwood, Mesitre Kedry, e três dos melhores jovens cavaleiros de Lorde Yronwood em uma viagem longa e perigosa, com uma acolhida incerta em seu fim. Ele foi para nos trazer de volta o desejo do nosso coração.

Ela estreitou os olhos.

— O que é o desejo do nosso coração?

— Vingança. — Sua voz era suave, como se estivesse medo de que alguém pudesse estar ouvindo. — Justiça. — Príncipe Doran pressionou o dragão de ônix em sua palma inchada, com os dedos gotosos, e sussurrou: — Fogo e sangue.

ALAYNYE

Virou o anel de ferro e abriu a porta com um empurrão, só um pouco.

— Pisco-doce? — chamou. — Posso entrar?

— Tenha cuidado, senhora — avisou a velha Gretchel, apertando as mãos. — Sua senhoria atirou o penico ao meistre.

— Então não tem penico para me atirar. Não há trabalho que devia estar fazendo? E você também, Maddy... as janelas estão todas fechadas e as portadas trancadas? A mobília já foi toda coberta?

— Toda, senhora — disse Maddy.

— É melhor ir se certificar. — Alayne penetrou no quarto escurecido.

— Sou só eu, pisco-doce.

Alguém fungou na escuridão.

— Está sozinha?

— Estou, senhor.

— Então se proxime. Só você.

Alayne fechou firmemente a porta atrás de si. Era de carvalho sólido, com dez centímetros de espessura; Maddy e Gretchel podiam tentar escutar o que quisessem, que nada ouviriam. E ainda bem. Gretchel sabia controlar a língua, mas Maddy mexericava desavergonhadamente.

— Foi o Meistre Colemon que te mandou cá? — perguntou o rapaz.

— Não — mentiu. — Ouvi dizer que o meu pisco-doce estava aflito.

— Depois do seu encontro com o penico, o meistre correra para Sor Lothor, e Brune viera ter com ela.

— Se a senhora conseguir convencê-lo a sair da cama, ótimo — dissera o cavaleiro — não terei de o arrancar de lá.

E isso não pode ser, disse a si mesma. Quando Robert era tratado com rudeza costumava ter ataques de tremores.

— Tem fome, senhor? — perguntou ao pequeno lorde. — Quer que mande Maddy até lá embaixo para te trazer bagas com creme, ou um pouco de pão quente com manteiga? — Tarde demais, lembrou-se de que não havia pão quente; as cozinhas estavam fechadas, os fornos frios. Se isso tirar Robert da cama, poderá valer a pena o incómodo de acender um fogo, disse a si mesma.

— Não quero comida — disse o pequeno lorde, numa voz esganiçada e petulante. — Hoje vou ficar na cama. Poderia ler para mim, se quiser.

— Aqui está escuro demais para ler. — As pesadas cortinas que cobriam as janelas tornavam o quarto negro como a noite. — O meu pisco-doce esqueceu-se de que dia é hoje?

— Não — disse — mas não vou. Quero ficar na cama. Podia me ler histórias do Cavaleiro Alado.

O Cavaleiro Alado era Sor Artys Arryn. A lenda rezava que ele expulsara os Primeiros Homens do Vale e voara até ao topo da Lança do Gigante sobre o dorso de um enorme falcão para matar o Rei Grifo. Havia uma centena de histórias sobre as suas aventuras. O pequeno Robert conhecia-as a todas tão bem que as poderia recitar de memória, mas mesmo assim gostava que lessem para ele.

— Querido, nós temos de ir — disse ela ao rapaz — mas eu prometo, quando chegarmos aos Portões da Lua leio duas histórias do Cavaleiro Alado.

— Três — disse ele de imediato. Independentemente do que lhe era oferecido, Robert queria sempre mais.

— Três — concordou ela. — Posso deixar entrar um pouco de sol?

— Não. A luz magoa-me os olhos. Vem para a cama, Alayne.

Ela foi na mesma até às janelas, contornando o penico partido. Conseguia cheirá-lo melhor do que o via.

— Não as abrirei muito. Só o suficiente para ver a cara do meu pisco-doce.

Ele fungou.

— Se tem mesmo de ser.

As cortinas eram feitas de veludo felpudo azul. Puxou uma delas um dedo para trás e atou-a. Partículas de poeira puseram-se a dançar num raio da luz pálida da manhã. As pequenas vidraças em forma de diamante da janela estavam obscurecidas por geada. Alayne esfregou uma com a base da mão, o suficiente para vislumbrar um brilhante céu azul e um clarão branco vindo do flanco da montanha. O Ninho da Águia estava envolto num manto de gelo, e a Lança do Gigante, mais acima, enterrada num metro de neve.