Quando se virou, Robert Arryn estava encostado à almofada, olhando-a. O Senhor do Ninho da Águia e Defensor do Vale. Uma manta de lã cobria-o abaixo da cintura. Acima dela estava nu, um rapaz pálido com o cabelo tão longo como o de qualquer menina. Robert tinha membros alongados, um peito liso e côncavo e uma pequena barriga, e olhos que estavam sempre vermelhos e ramelosos. Ele não pode evitar ser como é.
Nasceu pequeno e enfermiço.
— Parece muito forte hoje de manhã, senhor. — Ele adorava que lhe dissessem como era forte. — Quer que mande Maddy e Gretchel trazer água quente para o banho? Maddy pode esfregar suas costas e lavar seus cabelos, para te deixar limpo e senhorial para a viagem. Não é bom?
— Não. Odeio a Maddy. Tem uma verruga no olho, e esfrega com tanta força que magoa. A minha mamã nunca me magoava ao esfregar.
— Eu digo à Maddy para não esfregar o meu pisco-doce com tanta força. Se sentirá melhor quando estiver limpo e fresco.
— Não quero banho, já te disse, dói-me horrivelmente a cabeça.
— Quer que te traga um pano quente para a testa? Ou uma taça de vinho de sonhos? Mas só uma pequena. Mya Stone está à espera lá em baixo, em Céu, e ficará magoada se adormecer. Sabe como ela gosta de você.
— Mas eu não gosto dela. É só a menina das mulas. — Robert fungou. — O Meistre Colemon colocou uma coisa nojenta qualquer no leite ontem à noite, eu senti o gosto. Disse que queria leite doce, mas ele não quis trazer. Nem sequer quando ordenei. O senhor sou eu, ele devia fazer o que eu dissesse. Ninguém faz o que eu digo.
— Eu falo com ele — prometeu Alayne — mas só se sair da cama.
Está um dia lindo lá fora, pisco-doce. O sol brilha, está um dia perfeito para descer a montanha. As mulas estão à espera em Céu com Mya...
A boca dele estremeceu.
— Odeio essas mulas malcheirosas. Uma vez houve uma que me tentou morder! Vai dizer a essa Mya que eu vou ficar aqui. — Soava como se estivesse prestes a chorar. — Ninguém pode me fazer mal desde que eu fique aqui. O Ninho da Águia é inexpugnável.
— Quem quereria fazer mal ao meu pisco-doce? Os seus senhores e cavaleiros te adoram, e o povo aclama o seu nome. — Ele tem medo, pensou, e com bons motivos. Desde que a senhora sua mãe caíra, o rapaz nem sequer queria sair para uma varanda, e o caminho que levava do Ninho 731
da Águia aos Portões da Lua era suficientemente perigoso para assustar qualquer um. Alayne tivera o coração na garganta quando subira com a Senhora Lysa e o Lorde Petyr, e todos concordavam que a descida ainda era mais aflitiva, uma vez que se passava o tempo todo olhando para baixo. Mya podia falar de grandes senhores e ousados cavaleiros que tinham em-palidecido e molhado a roupa interior na montanha. E nenhum deles tinha a doença dos tremores.
Mas mesmo assim, não podia ficar ali. No fundo do vale o outono ainda se demorava, morno e dourado, mas o inverno fechara-se em volta dos picos das montanhas. Já tinham suportado três tempestades de neve, e uma de gelo que transformara o castelo em cristal durante quinze dias. O Ninho da Águia podia ser inexpugnável, mas em breve seria também inacessível, e a descida tornava-se dia a dia mais perigosa. A maior parte dos criados e soldados do castelo já tinha feito a descida. Só uma dúzia ainda permanecia ali em cima, para servir Lorde Robert.
— Pisco-doce — disse ela com suavidade — a descida vai ser tão alegre, verá. Sor Lothor estará conosco, e Mya também. As mulas dela já subiram e desceram mil vezes esta velha montanha.
— Odeio mulas — insistiu ele. — As mulas são más. Já te disse, uma tentou me morder quando eu era pequeno.
Alayne sabia que Robert nunca aprendera a montar como devia ser.
Mulas, cavalos, burros, não importava; para ele eram todos feras temíveis, tão aterrorizadoras como dragões ou grifos. Fora trazido para o Vale aos seis anos, com a cabeça aninhada entre os seios de leite da mãe, e nunca deixara o Ninho da Águia desde então.
Mesmo assim, tinham de ir, antes do gelo se fechar de vez em volta do castelo. Não havia maneira de saber quanto tempo mais o tempo se aguentaria.
— Mya evitará que as mulas mordam — disse Alayne — e eu seguirei logo atrás de você. Sou só uma menina, não tão corajosa e forte como você. Se eu sou capaz de fazer, sei que você também será, pisco-doce.
— Eu podia fazê-lo — disse o Lorde Robert — mas decidi não o fazer. — Limpou o nariz ranhoso com as costas da mão. — Diga à Mya que vou ficar na cama. Talvez desça amanhã, se me sentir melhor. Hoje está demasiado frio lá fora, e dói-me a cabeça, você também pode beber um pouco de leite doce, e eu vou dizer a Gretchel para que nos traga uns favos de mel para comermos. Vamos dormir, trocar beijos e jogar jogos, e você podes me ler histórias sobre o Cavaleiro Alado.
— Lerei. Três histórias, como prometi... quando chegarmos aos Portões da Lua. — Alayne estava perdendo a paciência. Temos de ir, recordou a si mesma, senão ainda estaremos na zona nevada quando o Sol se puser. — Lorde Nestor preparou um banquete para te dar as boas vindas, com sopa de cogumelos, carne de veado e bolos. Não quer desapontá-lo, não é?
— Haverá bolos de limão? — Lorde Robert adorava bolos de limão, talvez porque Alayne também gostasse.
— Bolos de limão, limãozinho, limãozão — assegurou-lhe — e poderá comer tantos quantos quiser.
— Cem? — quis ele saber. — Posso comer cem?
— Se você quiser. — Sentou-se na cama e alisou-lhe o longo cabelo fino. Ele tem um cabelo bonito. A própria Senhora Lysa o escovava todas as noites, e cortava-o quando precisava de ser cortado. Depois da sua queda, Robert sofrera terríveis ataques de tremores sempre que alguém se aproximava dele com uma lâmina, de modo que Petyr ordenara que deixassem que o cabelo crescesse. Alayne enrolou uma madeixa no dedo e disse: — Bom, irá sair da cama e deixar que se vista?
— Quero cem bolos de limão e cinco histórias!
Gostava de te dar cem palmadas e cinco galhetas. Não se atreveria a portar-se assim se Petyr estivesse aqui. O pequeno senhor sentia um bom e saudável medo do padrasto. Alayne forçou-se a sorrir.
— Como o meu senhor quiser. Mas nada até estar lavado, vestido e a caminho. Vinha, antes que a manhã chegue ao fim. — Pegou-lhe firmemente na mão, e arrancou-o da cama.
Mas antes de ter tempo de chamar os criados, o pisco-doce pôs-lhe os braços escanzelados em volta e beijou-a. Foi um beijo de rapazinho, e desajeitado. Tudo o que Robert Arryn fazia era desajeitado. Se fechar os olhos posso fingir que é o cavaleiro das flores. Sor Loras dera um dia uma rosa a Sansa Stark, mas nunca a beijara... e nenhum Tyrell alguma vez beijaria Alayne Stone. Por mais bonita que fosse, nascera do lado errado dos lençóis.
Quando os lábios do rapaz tocaram os seus, deu por si a lembrar-se de outro beijo. Ainda recordava a sensação de ter a cruel boca dele com-primida contra a sua. Viera ter com Sansa na escuridão, enquanto um fogo verde enchia o céu. Levou uma canção e um beijo e não me deixou nada além dum manto ensanguentado.
Não importava. Esse dia terminara, e Sansa também.
Alayne afastou o seu pequeno lorde.