— O rapaz está fora da cama? — perguntou Sor Lothor.
— Estão lhe dando banho. Estará pronto dentro de uma hora.
— Esperemos que esteja. Mya não esperará até depois do meio-dia.
— A sala do guincho não era aquecida, e a respiração dele condensava em névoa a cada palavra.
— Ela esperará — disse Alayne. — Tem de esperar.
— Não tenha tanta certeza, senhora. É meia mula, aquela. Acho que nos deixaria aqui com fome antes de pôr aqueles animais em risco. —Brune sorriu quando disse aquilo. Ele sorri sempre que fala de Mya Stone.
Mya era muito mais nova do que Sor Lothor, mas quando o pai estava negociando o casamento entre Lorde Corbray e a sua filha de mercador, dissera-lhe que as meninas jovens eram sempre mais felizes com homens mais velhos.
— A inocência e a experiência dão um casamento perfeito — dissera.
Alayne perguntou a si mesma o que Mya pensaria de Sor Lothor.
Com o seu nariz esmagado, queixo quadrado, e cabelo macio e completamente grisalho, Brune não podia ser chamado bonito, mas também não era feio. É uma cara comum, mas honesto. Embora tivesse sido erguido ao grau de cavaleiro, o nascimento de Sor Lothor fora muito baixo. Uma noite contara-lhe que era aparentado com os Brune de Cova Castanha, uma velha família de cavaleiros da Ponta da Garra Rachada.
— Fui ter com eles quando o meu pai morreu — confessara — mas eles cagaram em mim, e disseram que eu não era do seu sangue. — Não quis falar do que acontecera depois disso, salvo para dizer que aprendera tudo o que sabia sobre armas da maneira mais difícil. Sóbrio, era um homem calmo, mas forte. E Petyr diz que é leal. Não confia em ninguém mais do que nele. Brune seria um bom partido para uma menina bastarda como Mya Stone, pensou. Poderia ser diferente se o pai a tivesse reconhecido, mas ele não o fez. E Maddy diz que, além disso, ela não é donzela.
Mord pegou no chicote e o fez estalar, e o primeiro par de bois pôs-se a caminhar penosamente em círculo, virando o guincho. A corrente desenrolou-se, chocalhando ao raspar na pedra e fazendo oscilar o balde de carvalho que iniciava a longa descida até Céu. Pobres bois, pensou Alayne.
Mord cortaria lhes as gargantas antes de partir e os deixaria para os falcões.
O que restasse quando o Ninho da Águia fosse reaberto seria assado para o banquete de primavera, se não se tivesse estragado. Uma boa reserva de carne congelada e dura predizia um verão de abundância, segundo afirmava a velha Gretchel.
— Senhora — disse Sor Lothor — é melhor que saiba. Mya não subiu sozinha. A Senhora Myranda a acompanha.
— Oh. — Porque subiria ela a montanha, apenas para voltar a descê-la? Myranda Royce era a filha do Lorde Nestor. Da única vez que Sansa visitara os Portões da Lua, a caminho do Ninho da Águia, com a tia Lysa e Lorde Petyr, ela estivera por fora, mas Alayne ouvira os soldados do Ninho da Águia e as criadas falarem muito dela desde então. A mãe morrera há muito, de modo que era a Senhora Myranda quem cuidava do castelo do pai; segundo os rumores, a corte era muito mais animada quando ela se encontrava presente do que quando estava longe.
— Mais tarde ou mais cedo terá de conhecer Myranda Royce — prevenira-a Petyr. — Quando isso acontecer, tenha cautela. Ela gosta de fazer o papel de pateta alegre, mas por baixo é mais sagaz do que o pai.
Cuidado com a língua perto dela.
Terei, pensou, mas não sabia que teria de começar tão cedo.
— Robert ficará satisfeito. — Ele gostava de Myranda Royce. — Tem que me perdoar, sor. Preciso ir acabar de fazer as malas. — Sozinha, subiu os degraus que levavam ao seu quarto pela última vez. As janelas haviam sido trancadas e as portadas fechadas, a mobília fora coberta. Parte das suas coisas tinha já sido levada, o resto armazenado. Todas as sedas e samitos da Senhora Lysa seriam deixados para trás. Os seus linhos mais puros e veludos mais felpudos, os ricos bordados e a bela renda de Myr; tudo ficaria. Lá em baixo, Alayne tinha de se vestir modestamente, como era próprio de uma menina de modesto nascimento. Não importa, disse a si mesma. Nem aqui me atrevi a usar as melhores roupas.
Gretchel desfizera a cama e preparara o resto das suas roupas.
Alayne já trazia meias de lã por baixo das saias, sobre uma dupla camada de roupa interior. Agora envergou uma túnica de lã de cordeiro e um manto de peles com capuz, apertando-o com o tejo esmaltado que fora presente de Petyr. Também havia um cachecol, e um par de luvas de couro forradas de peles, que combinavam com as suas botas de montar. Depois de vestir tudo aquilo, sentiu-se tão gorda e peluda como uma cria de urso. Me sentirei grata pela roupa na montanha, teve de recordar a si mesma. Olhou uma última vez para o quarto antes de sair. Aqui estive em segurança, pensou, mas lá em baixo...
Quando Alayne regressou à sala do guincho, foi encontrar Mya Stone impacientemente à espera com Lothor Brune e Mord. Deve ter subido no balde para ver qual era a demora. Magra e vigorosa, Mya parecia tão dura como os velhos couros de montar que usava por baixo do lorigão prateado.
Tinha o cabelo tão negro como a asa de um corvo, tão curto e desgrenhado que Alayne suspeitou que o cortava com um punhal. Os olhos de Mya eram o seu melhor traço, grandes e azuis. Ela podia ser bonita, se se aperaltasse como uma menina. Alayne deu por si curiosa em saber se Sor Lothor gostaria mais dela vestida de ferro e couro, ou se sonhava em vê-la enfeitada de renda e seda. Mya gostava de dizer que o pai fora um bode e a mãe uma coruja, mas Alayne soubera a verdadeira história por Maddy. Sim, pensou, olhando agora para ela, aqueles são os olhos dele, e também tem o seu cabelo, o espesso cabelo preto que partilhava com Renly.
— Onde está ele? — quis saber a menina bastarda.
— Sua senhoria está sendo banhado e vestido.
— Tem de se apressar. Está ficando mais frio, não sente? Temos de estar abaixo de Neve antes do Sol se pôr.
— Como está o vento? — perguntou-lhe Alayne.
— Podia estar pior... e estará, depois de anoitecer. — Mya afastou uma madeixa dos olhos. — Se ele levar muito mais tempo no banho, ficaremos encurralados aqui em cima o inverno inteiro, sem nada para comer além de nós.
Alayne não soube o que responder àquilo. Felizmente, foi poupada à resposta pela chegada de Robert Arryn. O pequeno senhor trazia veludo azul-celeste, um colar de ouro e safiras, e um manto branco de pele de urso.
Cada um dos escudeiros segurava numa ponta, a fim de evitar que o manto arrastasse pelo chão. O Meistre Colemon acompanhava-os, com um puído manto cinzento forrado de pele de esquilo. Gretchel e Maddy não vinham muito atrás.
Quando sentiu o vento frio na cara, Robert titubeou, mas Terrance e Gyles estavam atrás dele, de modo que não pôde fugir.
— Senhor — disse Mya — me acompanha até lá abaixo?
Demasiada brusquidão, pensou Alayne. Ela devia tê-lo saudado com um sorriso, e dito como parece forte e corajoso.
— Quero Alayne — disse o Lorde Robert. — Só irei com ela.
— O balde pode levar nós três.
— Só quero Alayne. Você é toda fedorenta, como uma mula.
— Às suas ordens — A cara de Mya não mostrou qualquer emoção.