— Tenho a honra de ser Sor Creighton Longbough, sobre o qual cantam os cantores — disse o barrigudo. — Tereis ouvido falar dos meus feitos na Água Negra, talvez. O meu companheiro é Sor Illifer, o Sem Dinheiro.
Se havia canções sobre Creighton Longbough, não eram das que Brienne tivesse ouvido. Os nomes dos homens não tinham mais significado para ela do que as suas armas. O escudo verde de Sor Creighton mostrava apenas um chefe castanho, e uma profunda ranhura feita por algum machado de guerra. O de Sor Illifer mostrava o diâmetro de ouro e arminho, embora tudo nele sugerisse que nunca conhecera mais do que ouro e arminho pintado. Não teria menos de sessenta anos, e possuía um rosto atormentado e estreito, sob o capuz de um manto remendado de tecido grosseiro. Andava vestido de cota de malha, mas pontos de ferrugem sarapintavam o ferro como sardas. Brienne era uma cabeça mais alta do que qualquer dos dois, e estava melhor montada e melhor armada também. Se eu temer homens como estes, é melhor que troque a espada por um par de agulhas de malha.
— Agradeço, bons sores — disse. — De bom grado partilharei a vossa truta. — Desmontando, Brienne tirou a sela da égua e deu-lhe de beber antes de prendê-la, deixou-a pastar. Empilhou as armas, escudo e alforjes por baixo de um ulmeiro. Quando terminou, a truta já estava pronta e estaladiça.
Sor Creighton trouxe-lhe um peixe, e Brienne sentou-se de pernas cruzadas no chão para o comer.
— Vamos a Valdocaso, senhora — disse-lhe Longbough, enquanto desfazia a sua truta com os dedos. — Seria bom seguir conosco. As estradas são perigosas.
Brienne poderia ter-lhe contado mais sobre os perigos das estradas do que ele gostaria de saber.
— Agradeço, sor, mas não tenho necessidade da vossa proteção.
— Insisto. Um verdadeiro cavaleiro deve proteger o sexo gentil.
Brienne tocou o cabo da espada.
— Isto ira me defender, sor.
— Uma espada tem apenas o valor do homem que a brande.
— Eu brando-a suficientemente bem.
— Como quiser. Não seria cortês discutir com uma senhora. A levaremos em segurança até Valdocaso. Um grupo de três pode cavalgar de forma mais segura do que uma pessoa sozinha.
Éramos três quando partimos de Correrio, e, no entanto Jaime perdeu a mão da espada e Cleos Frey a vida.
— As vossas montarias não seriam capazes de acompanhar o ritmo da minha. — O castrado castanho de Sor Creighton era uma velha criatura com o dorso demasiado curvo e olhos ramelosos, e o cavalo de Sor Illifer parecia pouco robusto e meio morto de fome.
— O meu corcel serviu-me bastante bem na Água Negra. — Insistiu Sor Creighton. — Ora, aí realizei grande carnificina e conquistei uma dúzia de resgates. A senhora estava familiarizada com Sor Herbert Bolling? Nunca o irá encontrar agora. Matei-o de um golpe. Quando as espadas se encontram, nunca encontrareis Sor Creighton Longbough na retaguarda. O companheiro soltou um risinho seco.
— Creigh, para com isso. Gente como ela não tem uso a dar a gente como nós.
— Gente como eu? — Brienne não tinha certeza do que ele queria dizer.
Sor Illifer entortou um dedo ossudo na direção do seu escudo.
Embora a tinta estivesse estalada e a cair, o símbolo via-se com clareza: um morcego negro num campo dividido em banda, de prata e ouro.
— Usa um escudo de mentiroso, ao qual não tens direito. O avô do meu avô ajudou a matar os últimos dos Lothston. Ninguém desde então se atreveu a mostrar esse morcego, negro como as ações daqueles que o usavam.
O escudo era aquele que Sor Jaime levara do armeiro de Harrenhal.
Brienne encontrara-o nos estábulos com a égua e com muitas outras coisas; sela e freios, lorigão de cota de malha e um grande elmo com viseira, bolsas de ouro e prata e um pergaminho mais valioso do que qualquer uma delas.
— Perdi o meu escudo — explicou.
— Um verdadeiro cavaleiro é o único escudo de que uma donzela necessita — declarou Sor Creighton em tom resoluto. Sor Illifer não lhe ligou.
— Um homem descalço procura uma bota, um homem enregelado um manto. Mas quem se envolveria em vergonha? Lorde Lucas usou o morcego, bem como o Proxeneta e Manfryd do Capuz Negro, seu filho. Por que usar tal brasão, pergunto eu a mim próprio, a menos que seu pecado seja ainda maior… e mais fresco.
Desembainhou o punhal, um feio bocado de ferro barato. — Uma mulher monstruosamente grande e monstruosamente forte que esconde as suas verdadeiras cores. Creigh contempla a Donzela de Tarth, que abriu a real garganta de Renly.
— Isso é uma mentira—. Renly Baratheon fora mais do que um rei para ela. Amara-o desde a primeira que vez viera a Tarth durante a sua vagarosa viagem senhorial, com que marcara a passagem à idade adulta. O pai dera-lhe as boas vindas com um banquete e ordenara a Brienne para estar presente; de outro modo teria se escondido no seu quarto como uma fera ferida. Nessa época não era mais velha do que Sansa, e temia mais os risos abafados do que as espadas. Eles saberão da rosa, dissera ao Lorde Selwyn, rirão de mim.
Mas a Estrela da Tarde não quisera ceder. E Renly Baratheon mostrara-lhe toda a cortesia, como se ela fosse uma donzela como devia ser, e bonita. Até dançara com ela, e nos seus braços sentira-se graciosa, e os seus pés tinham flutuado pelo chão a fora.
Mais tarde outros pediram-lhe uma dança, por causa do exemplo dado por ele. Desse dia em diante, só desejara estar perto do Lorde Renly, servi-lo e protegê-lo. Mas no fim, falhara. Renly morreu nos meus braços, mas não o matei, pensou, mas aqueles cavaleiros andantes nunca compreenderiam.
— Teria dado a vida pelo Rei Renly e morrido feliz. — Disse. — Não lhe fiz nenhum mal. Juro pela minha espada.
— Quem jura pela espada são os cavaleiros — disse Sor Creighton.
— Jure pelos Sete — sugeriu Illifer, o Sem Dinheiro.
— Que seja pelos Sete. Não fiz nenhum mal ao Rei Renly. Juro pela Mãe. Que nunca conheça a sua misericórdia se minto. Juro pelo Pai, e peço que ele me possa julgar com justiça. Juro pela Donzela e pela Velha, pelo Ferreiro e pelo Guerreiro. E juro pelo Estranho, e que ele me leve agora se sou falsa.
— Ela jura bem, para uma donzela—. Admitiu Sor Creighton.
— Verdade. — Sor Illifer, o Sem Dinheiro encolheu os ombros.
— Bem, se mentiu os deuses tratarão dela. — Voltou a guardar o punhal. — O primeiro turno de vigia é seu.
Enquanto os cavaleiros andantes dormiam, Brienne passeou sem descanso pelo pequeno acampamento, escutando o crepitar da fogueira.
Devia seguir caminho enquanto posso. Não conhecia aqueles homens, mas não conseguia convencer-se a abandoná-los sem defesa. Mesmo na escuridão da noite, havia viajantes na estrada e ruídos nos bosques que podiam, ou não, ser corujas e raposas à caça. E assim Brienne passeou, e manteve a lâmina solta dentro da bainha.
No fim de contas, o turno foi fácil. Depois é que se tornou difícil, quando Sor Illifer acordou e disse que a substituiria. Brienne abriu uma manta no chão e enrolou-se para fechar os olhos. Não dormirei, disse a si própria, apesar de se encontrar exausta até aos ossos. Nunca dormira facilmente na presença de homens. Mesmo nos acampamentos do Lorde Renly, o risco de violação estava sempre presente. Era uma lição que aprendera sob as muralhas de Jardim de Cima, e voltara a aprender quando ela e Jaime caíram nas mãos dos Bravos Companheiros.
O frio da terra infiltrou-se através dos cobertores de Brienne e entrou em seus ossos. Não demorou muito a sentir cada músculo preso e dorido, do queixo aos dedos dos pés. Perguntou a si própria se Sansa Stark teria também frio, onde quer que estivesse. A Senhora Catelyn dissera que Sansa era uma alma gentil que adorava bolos de limão, vestidos de seda e canções de cavalaria, mas a moça vira a cabeça do pai a saltar e fora forçada a casar depois com um dos seus assassinos. Se metade das histórias fossem verdadeiras, o anão era o mais cruel de todos os Lannister. Se ela envenenou o Rei Joffrey, o Duende certamente a forçou. Ela estava só e sem amigos naquela corte. Em Porto Real, Brienne encontrara uma certa Brella, que fora uma das aias de Sansa. A mulher dissera-lhe que havia pouco calor entre Sansa e o anão. Talvez andasse fugida tanto dele como do assassinato de Joffrey.