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Era um estranho pensamento. Lembrava-se de que, ao subir, Mya a avisara para manter os olhos no caminho que se estendia em frente.

— Olhe para cima, não para baixo — dissera... mas isso não era possível na descida. Podia fechar os olhos. A mula conhece o caminho, não tem necessidade de mim. Mas isso parecia algo que Sansa, essa menina assustada, teria feito. Alayne era uma mulher mais velha, e tinha a coragem dos bastardos.

A princípio, seguiram em fila única, mas mais abaixo o caminho alargava-se o suficiente para dois cavaleiros seguirem lado a lado, e Myranda Royce aproximou-se de Alayne.

— Recebemos uma carta do seu pai — disse, com tal casualidade que era como se estivessem sentadas com a septã, bordando. — Vem a caminho de casa, diz ele, e espera ver a sua querida filha em breve. Escreve que Lyonel Corbray parece muito contente com a noiva, e ainda mais com o dote dela. Eu espero que o Lorde Lyonel se lembre de qual dos dois tem de levar para a cama. A Senhora Waynwood apareceu no banquete nupcial com o Cavaleiro de Novestrelas, diz Lorde Petyr, para espanto de toda a gente.

— Anya Waynwood? Deveras? — Dos seis Senhores Declarantes restavam três, aparentemente. No dia em que partira da montanha, Petyr Baelish mostrara-se confiante em conquistar Symond Templeton para o seu lado, mas a Senhora Waynwood não. — Há mais alguma coisa? — perguntou. O Ninho da Águia era um lugar tão solitário, que estava ansiosa por qualquer migalha de novidades vinda do mundo lá fora, por trivial ou insignificante que fosse.

— Do seu pai não, mas chegaram-nos outras aves. A guerra pros-segue, em todo o lado menos aqui. Correrrio rendeu-se, mas Pedra do Dragão e Ponta Tempestade ainda resistem por Lorde Stannis.

— Senhora Lysa foi tão sensata por nos manter longe da guerra.

Myranda deitou-lhe um sorrisinho astuto.

— Sim, ela era a própria alma da sensatez, essa boa senhora. — Mexeu-se na sela. — Porque terão as mulas de ser tão ossudas e temperamentais? Mya não as alimenta o suficiente. Uma boa mula gorda seria mais confortável de montar. Há um novo Alto Septão, sabia? Oh, e a Patrulha da Noite tem um rapaz como comandante, um filho bastardo qualquer de Eddard Stark.

— Jon Snow? — disse antes de pensar, espantada.

— Snow? Sim, deve ser Snow, suponho.

Havia séculos que não pensava em Jon. Era só seu meio-irmão, mas mesmo assim... com Robb, Bran e Rickon mortos, Jon Snow era o único irmão que lhe restava. Agora também eu sou bastarda, como ele. OK seria tão bom voltar a vê-lo. Mas claro que isso nunca poderia acontecer. Alayne Stone não tinha irmãos, ilegítimos ou não.

— O nosso primo Bronze Yohn organizou um corpo-a-corpo em Pedrarruna — prosseguiu Myranda Royce, sem se dar conta de nada — um pequeno, só para escudeiros. Destinava-se a que Harry, o Herdeiro, ganhasse o título, e foi o que ele fez.

— Harry, o Herdeiro?

— O protegido da Senhora Waynwood. Harrold Hardyng. Suponho que agora tenhamos de lhe chamar Sor Harry. Bronze Yohn armou-o cavaleiro.

— Oh. — Alayne sentiu-se confusa. Porque haveria o protegido da Senhora Waynwood de ser seu herdeiro? Ela tinha filhos do seu sangue. Um deles era o Cavaleiro do Portão Sangrento, Sor Donnel. Mas não quis parecer estúpida, de modo que tudo o que disse foi: — Rezo para que prove ser um cavaleiro de mérito.

A Senhora Myranda soltou uma fungadela.

— Eu rezo para que apanhe varíola. Tem uma filha bastarda de uma plebéia qualquer, sabia? O senhor meu pai tinha a esperança de me casar com Harry, mas a Senhora Waynwood nem quis ouvir falar do assunto. Não sei se foi a mim que achou inadequada, ou só o meu dote. — Suspirou. —

Realmente preciso de um novo marido. Tive um, em tempos, mas o matei.

— Matou? — disse Alayne, chocada.

— Oh, sim. Ele morreu em cima de mim. Dentro de mim, em boa verdade. Sabe o que acontece numa cama de casado, espero?

Alayne pensou em Tyrion, e no Cão de Caça e no modo como ele a beijara, e confirmou com a cabeça.

— Isso deve ter sido terrível, senhora. Ele morrer. , quero eu dizer, enquanto... enquanto estava...

— ...me fodendo? — A Senhora Myranda encolheu os ombros. — É decerto desconcertante. Já para não falar da descortesia. Ele nem sequer teve a decência básica de plantar uma criança em mim. Os velhos têm a semente fraca. De modo que aqui estou eu, viúva, mas quase por usar. Harry podia ter-se saído muito pior. E atrevo-me mesmo a dizer que sairá. O mais certo é a Senhora Waynwood casá-lo com uma das suas netas, ou com uma das de Bronze Yohn.

— Com certeza, senhora — Alayne lembrou-se do aviso de Petyr.

Randa. Vá lá, consegui dizer. Randa.

— Randa.

— Muito melhor. Temo que tenha de lhe pedir perdão. Irá me julgar uma terrível cabra, bem sei, mas me deitei com aquele belo rapaz, o Marillion. Não sabia que ele era um monstro. Cantava lindamente, e sabia fazer as coisas mais deliciosas com os dedos. Nunca o teria levado para a cama se soubesse que ele ia empurrar a Senhora Lysa pela Porta da Lua. Por regra não me deito com monstros. — Estudou a cara e o peito de Alayne. — É mais bonita do que eu, mas os meus seios são maiores. Os meistres dizem que seios grandes não produzem mais leite do que os pequenos, mas eu não acredito. Já alguma vez conheceu uma ama-de-leite de mamas pequenas? As suas são amplas para uma menina da sua idade, mas como são seios bastardos não me preocuparei com eles. — Myranda aproximou a sua mula da dela. — Sabe que a nossa Mya não é donzela, espero?

Sabia. A gorda Maddy segredara-lhe essa informação, um dia que Mya trouxera para cima as suas provisões.

— Maddy disse-me.

— Claro que disse. Tem a boca tão grande como as ancas, e as ancas são enormes. Foi Mychel Redfort. Ele era escudeiro de Lyn Corbray. Um escudeiro a sério, ao contrário daquele rapaz desajeitado que Sor Lyn tem agora. Diz-se que só aceitou esse por dinheiro. Mychel era o melhor jovem espadachim do Vale, e também galante... pelo menos foi o que a pobre Mya pensou, até que o homem se casou com uma das filhas de Bronze Yohn.

Tenho a certeza de que Lorde Horton não lhe deu voto na matéria, mas foi na mesma uma coisa cruel para se fazer com Mya.

— Sor Lothor gosta dela. — Alayne olhou de relance a menina das mulas, vinte passos mais abaixo. — Mais do que gosta...

—... Lothor Brune? — Myranda ergueu uma sobrancelha. — E ela sabe? — Não esperou resposta. — Ele não tem hipótese, pobre homem. O

meu pai tentou arranjar par para Mya, mas ela não quis nenhum deles. É mesmo meio mula, aquela.

Involuntariamente, Alayne deu por si a simpatizar com a menina mais velha. Não tivera uma amiga com quem mexericar desde a pobre Jeyne Poole.

— Acha que Sor Lothor gosta dela como é, vestida de couro e cota de malha? — perguntou à menina mais velha, que tanta experiência do mundo parecia ter. — Ou será que sonha com ela envolta em sedas e veludos?

— Ele é um homem. Sonha com ela nua.

Está tentando me fazer corar outra vez.

A Senhora Myranda deve ter-lhe ouvido os pensamentos.

— Você realmente fica com um belo tom de rosa. Quando eu coro fico igualzinha a uma maçã. Mas há anos que não coro. — Inclinou-se para mais perto. — O seu pai planeja voltar a casar?

— O meu pai? — Alayne nunca pensara naquilo. Sem saber porquê, a ideia deixou-a desconfortável. Deu por si a lembrar-se da expressão no rosto de Lysa Arryn quando caíra pela Porta da Lua.

— Todos sabemos como ele era dedicado à Senhora Lysa — disse Myranda — mas não pode ficar eternamente de luto. Precisa de uma esposa bonita e jovem para lhe lavar o desgosto. Imagino que podia escolher entre metade das nobres donzelas do Vale. Quem poderia ser melhor marido do que o nosso ousado Senhor Protetor? Embora ele pudesse ter um nome melhor que Mindinho. Sabe se o dedo é assim tão mínimo?