— Claro. Senão como iremos demonstrar sua inocência? — Cersei apertou sua mão para tranquilizá-la. — E claro, você tem o direito de decidir como quer que a julguem; pelo menos você é a rainha. Os cavaleiros da Guarda Real juraram lhe defender.
Margaery compreendeu imediatamente.
— Um julgamento por combate? Mas Loras está ferido, então...
— Ele tem seis Irmãos.
Margaery parou para observá-la. De repente, retirou a mão.
— Está brincando? Boros é um covarde. Meryn é velho e lento. Seu irmão está mutilado. Os outros dois se encontram em Dorne, e Osmund é um maldito Kettleback. E Loras tem dois irmãos, não seis. Se houver um julgamento por combate, quero que Garlan seja meu campeão.
— Sor Garlan não é um membro da Guarda Real. — Disse Cersei.
— Quando se está em jogo a honra de uma rainha, as leis e a tradição exigem que o seu campeão seja um dos sete juramentados do rei. Temo que o Alto Septão se empenhe para que assim ocorra.
Eu me encarregarei disso.
Margaery demorou para responder. Tinha os olhos castanhos carregados de desconfiança.
— Blount ou Trant. — disse enfim. — Teria que ser um deles. É o que gostaria, não é verdade? Osney Kettleback poderia fazer qualquer um dos dois em pedaços.
Pelos sete infernos. Cersei adquiriu um expressão dolorida.
— Está equivocada, filha. O único que quero...
—...é o seu filho, e somente para você. Ele nunca terá uma esposa que não venha a odiar. E graças aos deuses, não sou sua filha. Vá embora.
— Está se comportando como uma idiota. Só vim aqui para lhe ajudar.
— Ajudar a me colocar em um caixão. E pedi a você que vá embora.
Ou quer que eu chame minhas carcereiras, para que lhe tirem daqui arrastada? Raposa manipuladora!
Cersei levantou-se, ajeitando as saias e recolhendo a dignidade.
— Tenho certeza de que está passando por um momento muito doloroso; perdoarei essas palavras. — Ali, assim como na corte, nunca se sabia quem poderia estar escutando. — E em seu lugar, também estaria assustada. Grande Meistre Pycelle admitiu que lhe proporcionava o chá da lua, e o seu Cantor Azul... Enfim, minha senhora, em seu lugar eu rezaria para a Velha e para a Mãe, pedindo-lhes sabedoria e misericórdia. Temo que logo você vá necessitar dessas duas coisas.
Quatro septãs de rosto enrugado a acompanharam na descida pelas escadarias da torre. Cada uma parecia mais frágil que a anterior. Ao chegarem ao nível do solo, continuaram descendo, adentrando o coração da colina de Visenya. A escadaria terminava à grande profundidade, onde uma fileira de tochas brilhava, iluminando um largo corredor.
O Alto Septão a esperava em sua pequena sala de audiências de sete paredes. O aposento era modesto e simples, com as paredes desnudas, mobiliado apenas com uma mesa de madeira baixa, três cadeiras e um colchão. Os rostos dos Sete estavam entalhados nas paredes. As feições lhe pareciam feias e rudimentares, mas tinham certo poder, sobretudo nos olhos: esferas de ônix, malaquita e feldspato amarelo, que faziam com que as caras parecessem ter vida própria.
— Conversou com a rainha. — Disse o Alto Septão.
A rainha sou eu, esteve tentada em lhe dizer, mas se conteve.
— Sim.
— Todos pecamos, inclusive os reis e as rainhas. Eu também pequei, e fui perdoado. Mas sem confissão não pode haver perdão, e a rainha não quer confessar.
— Talvez seja inocente.
— Não. As septãs a examinaram e juraram que sua virgindade está perdida. E que tem bebido o chá da lua para matar em seu ventre o fruto das suas fornicações. Um cavaleiro também jurou sobre sua espada que manteve relações carnais com ela e com duas de suas três primas. E diz que há outros que fizeram o mesmo com ela e menciona muitos homens, tão nobres quanto humildes.
— Meus mantos dourados levaram todos esses às masmorras. —Lhe assegurou Cersei. — Até agora, somente um foi interrogado, o cantor que se faz chamar Cantor Azul. Disse coisas muito perturbadoras. Apesar disso, rezo para que a inocência de minha nora se demonstre em julgamento.
— Titubeou. — Tommen gosta muito de sua pequena rainha, Santidade, e acredito que a ele e a seus senhores seria muito custoso julgá-la com justiça.
Talvez a Fé deva se encarregar do julgamento...
O Mendigo Supremo juntou os dedos fracos.
— O mesmo havia pensado eu, Vossa Graça. Maegor, o Cruel nos tirou as espadas, e Jaehaerys, o Conciliador nos privou da balança do julgamento, mas quem pode julgar uma rainha senão os Sete desde os céus e quem os servem aqui? Pode haver alguém mais adequado para julgar a maldade das mulheres?
— Isso seria o melhor. Mas claro que Margaery pode exigir que sua culpa ou sua inocência se determine por combate. Em tal caso, seu campeão teria que ser um dos sete de Tommen.
— Os cavaleiros da Guarda Real tem sido os campeões do rei e da rainha desde os tempos de Aegon, o Conquistador. Nesse aspecto, a Coroa e a Fé falam com uma só voz.
Cersei tapou a cara com as mãos, como para ocultar sua dor. Quando voltou a levantar a cabeça, uma lágrima lhe brilhava nos olhos.
— Sem dúvida é um dia amargo. — Disse. — Mas me alegra ver que estamos de acordo. Se Tommen estivesse aqui, lhe daria as graças.
Teremos que buscar a verdade juntos, você e eu.
— Assim será.
— Tenho que voltar ao castelo. Com sua permissão, levarei Osney Kettleback. O Conselho Privado quer interrogá-lo e escutar as acusações de sua própria boca.
— Não. – replicou o Alto Septão.
Foi somente uma palavra, uma breve palavra, mas para Cersei foi como se tivessem lhe atirado um balde de água fria na sua cara. Gaguejou, e sua segurança balançou por um instante.
— Sor Osney será bem custodiado, lhe garanto.
— Já está bem custodiado aqui. Venha, eu lhe mostrarei.
Cersei sentia os olhos dos Sete cravados nela, olhos de jade, malaquita e ônix, e sentiu um calafrio repentino, frio como gelo.
Sou a rainha, disse a si mesmo. Sou a filha de Lorde Tywin.
O seguiu de má vontade. Sor Osney não estava muito longe. A câmara era escura e tinha uma porta pesada, de ferro. O Alto Septão sacou a chave que a abria e colheu uma tocha da parede para iluminar o interior.
— Primeiro Vossa Graça.
No interior, Osney Kettleback pendia do teto, atado por um par de algemas de ferro. Havia sido açoitado. Tinha as costas e os ombros quase em carne viva, e as marcas do chicote lhe cruzavam também nas pernas e nas nádegas.
A rainha quase não pôde mirá-lo. Voltou-se para o Alto Septão.
— O que você fez?
— Busquei encarecidamente a verdade.
— Ele lhe disse a verdade. Veio a você por sua própria vontade e confessou seus pecados.
— Sim. Ele fez isso. Mas já escutei muitas confissões, Vossa Graça, e nunca tinha ouvido ninguém tão satisfeito em ser culpado.
— Você o açoitou!
— Não há expiação sem dor. Como disse a Sor Osney, todo homem deveria provar o chicote. Poucas vezes me sinto mais perto dos deuses do que quando me açoito pela minha maldade, ainda que meus pecados mais escuros não sejam tão negros quanto os dele.
— M-mas... — gaguejou. — Você prega a misericórdia da Mãe...
— Sor Osney provará seu doce leite na outra vida. Tal como está escrito em A Estrela de Sete Pontas, todos os pecados podem ser perdoados, mas nenhum crime deve permanecer sem castigo. Osney Kettleback é culpado de traição e assassinato, e o preço da traição é a morte.
Não é mais que um sacerdote, não pode fazer isto.
— A Fé não pode condenar ninguém à morte, seja qual for o delito.
— Seja qual for o delito. — O Alto Septão repetiu as palavras com lentidão, como se as estivesse pesando. — É curioso que diga isso, Vossa Graça, porque quanto mais diligentes éramos na aplicação do chicote, mais pareciam mudar os delitos de Sor Osney. Agora quer nos fazer acreditar que nunca tocou em Margaery Tyrell. Não é assim, Sor Osney?