— Osfryd Kettleback já não está no comando da Guarda da Cidade.
O rei o depôs, e elegeu o capitão da porta do Dragão, um tal Humfrey Waters.
Cersei estava esgotada, e nada daquilo fazia sentido. Porque Tommen iria fazer semelhante coisa?
— O garoto não tem culpa. Quando o conselho põe um decreto na sua frente, ele o firma e estampa o selo.
— Meu conselho... Quem? Quem iria fazer isso? Você não...
— Infelizmente, me expulsaram do conselho, ainda que, por enquanto, me permitam continuar trabalhando com os passarinhos do eunuco. Nesse intervalo, Harys Swyft e o Grande Meistre Pycelle governam o reino. Enviaram um corvo a Rochedo Casterly para convocar seu tio a voltar imediatamente para a corte e assumir a regência. Se ele pensa em aceitar, é melhor que tenha pressa. Mace Tyrell interrompeu o assédio a Ponta Tempestade e vem até a cidade com um exército, e Randyll Tarly também está descendo pela Lagoa da Donzela.
— Lorde Merryweather aprova tudo isto?
— Merryweather renunciou a sua cadeira no conselho e fugiu para Granmesa com sua esposa, que foi quem nos transmitiu a notícia das...
acusações... que havia contra você.
— Então soltaram Taena. — Era a melhor coisa que ouvia desde o “não” do Mendigo Supremo. Taena poderia ter sido a sua perdição. — Que aconteceu com Lorde Waters? Seus barcos... Se desembarcar todos os seus tripulantes, terá homens suficientes para...
— Quando chegou às águas os apuros pelos quais Vossa Graça está passando, Lorde Waters içou as velas, retirou os remos e levou sua frota para mar aberto. Sor Harys teme que ele pretenda se unir a Lorde Stannis. Pycelle crê que se dirige aos Punhos de Pedra para virar pirata.
— Meus formosos navios... — Cersei esteve a ponto de começar a rir. — Meu senhor pai dizia sempre que os bastardos são traiçoeiros por natureza. Quem dera se eu pudesse ter ouvido suas palavras. — Estremeceu.
— Estou perdida, Qyburn.
— Não. — Ele lhe estendeu a mão. — Ainda resta esperança. Vossa Graça tem o direito de demonstrar sua inocência por um combate. Seu campeão está preparado, minha rainha. Não há homem nos Sete Reinos que possa enfrentá-lo. Basta que me dê à ordem...
Foi incapaz de seguir contendo o riso. Aquilo era tão divertido, tão horrivelmente divertido...
— Os deuses devem adorar fazer piada com os nossos planos e esperanças. Tenho um campeão que nenhum homem poderia derrotar, mas a lei me proíbe de utilizá-lo. Sou a rainha, Qyburn. Somente um Irmão Juramentado da Guarda Real pode defender minha honra.
— Entendo. — O sorriso se desvaneceu no rosto de Qyburn. — Não sei o que dizer, Alteza. Não sei o que lhe posso aconselhar...
Apesar de seu estado de esgotamento e de terror, a rainha sabia que não podia confiar o seu destino a um tribunal de mendigos. Tampouco podia contar com alguma intervenção de Sor Kevan, depois das palavras que haviam trocado em seu último encontro.
Terá que ser um julgamento por combate. Não há outra saída.
— Qyburn, pelo amor que me professa, lhe rogo que envie uma mensagem em meu nome. Se possível, com um corvo; se não, por um cavaleiro. Envie-a a Correrrio, a meu irmão. Diga o que aconteceu, e escreva... escreva...
— Sim, Vossa Graça?
Umedeceu os lábios, trêmula.
— “Volte agora mesmo. Me ajuda. Me salva. Preciso de você como nunca precisei antes. Te quero. Te quero. Te quero. Volte agora mesmo”.
— Como ordena. “Te quero” três vezes?
— Três vezes. — Tinha que comovê-lo. — Virá. Eu sei que ele virá.
Tem que vir. Jaime é a minha única esperança.
— Minha rainha. — Titubeou Qyburn. — Esqueceu? Sor Jaime já não tem a mão da espada. Se ele for seu campeão e perder...
Abandonaremos este mundo juntos, como viemos a ele.
— Não perderá. Jaime não perderá. Não se a minha vida estiver em jogo.
JAIME
O novo Senhor de Correrrio estava tão zangado que tremia.
— Fomos enganados — disse. — Este homem vigarizou-nos! — Saliva rosada voava dos seus lábios enquanto apontava um dedo para Edmure Tully. — Quero a sua cabeça! Eu governo em Correrrio, por decreto do próprio rei, eu...
— Emmon. — Disse a esposa. — O Senhor Comandante conhece o decreto do rei. Sor Edmure conhece o decreto do rei. Os moços de estrebaria conhecem o decreto do rei.
— O senhor sou eu, e vou ter a cabeça dele!
— Por qual crime? — Apesar de estar tão magro, Edmure ainda tinha um aspecto mais senhorial do que Emmon Frey. Trazia um gibão acolchoado de lã vermelha com uma truta saltante bordada no peito. As botas eram negras, as bragas azuis. O seu cabelo ruivo fora lavado e cortado, a sua barba vermelha cortada curta. — Fiz tudo aquilo que me foi pedido.
— Ah sim? — Jaime Lannister não dormira desde que Correrrio abrira os portões, e tinha a cabeça latejando. — Não me lembro de te pedir para deixardes Sor Brynden escapar.
— Exigiu que eu entregasse o castelo, não o meu tio. É culpa minha que os seus homens o tenham deixado esgueirar-se através das suas linhas de cerco?
Jaime não estava divertido.
— Onde está ele? — disse, deixando transparecer a irritação que sentia. Os seus homens tinham revirado por três vezes Correrrio, e Brynden Tully não fora encontrado em lado nenhum.
— Ele não chegou a me dizer para onde pretendia ir.
— E você não perguntou. Como foi que ele saiu?
— Os peixes nadam. Até os negros. — Edmure sorriu.
Jaime sentiu-se fortemente tentado a esmurrar sua boca com a mão de ouro. Alguns dentes em falta poriam fim aos seus sorrisos. Para um homem que ia passar o resto da vida como prisioneiro, Edmure estava demasiado contente consigo próprio.
— Temos masmorras por baixo de Rochedo Casterly que servem tão bem a um homem como uma armadura. Nelas não pode se virar, sentar ou chegar aos pés quando as ratazanas começam a roer os dedos. Gostara de reformular essa resposta?
O sorriso do Lorde Edmure sumiu-se.
— Me deu a sua palavra de que seria tratado com honra, como é próprio do meu estatuto.
— E será — disse Jaime. — Cavaleiros mais nobres do que você morreram a choramingar nessas masmorras, e muitos grandes senhores também. Até um ou dois reis, se bem recordo a história. A sua esposa pode ficar com outra ao lado da sua, se quiser. Não gostaria de os separar.
— Ele nadou mesmo — disse Edmure, carrancudo. Tinha os mesmos olhos azuis da irmã Catelyn, e Jaime viu aí a mesma repugnância que vira um dia nos dela. — Erguemos a porta levadiça do Portão da Água.
Não toda, só cerca de um metro. O suficiente para abrir uma frincha debaixo, embora o portão continuasse a parecer estar fechado. O meu tio é um bom nadador. Depois de escurecer enfiou-se por baixo dos espigões.
E da mesma forma se esgueirou por baixo da nossa represa flutuante, sem dúvida. Uma noite sem luar, guardas aborrecidos, um peixe negro num rio negro a flutuar em silêncio, corrente abaixo.
Se Ruttiger, Yew ou qualquer um dos seus homens ouviu um ruído de água, o teria atribuído a uma tartaruga ou a uma truta. Edmure esperara a maior parte do dia antes de arriar o lobo gigante de Stark em sinal de rendição. Na confusão que envolvera a passagem do castelo de umas mãos para as outras, fora só na manhã seguinte que Jaime fora informado de que o Peixe Negro não se encontrava entre os prisioneiros.
Dirigiu-se à janela e estendeu o olhar pelo rio. Estava um luminoso dia de Outono, e o sol brilhava nas águas. Por esta altura, o Peixe Negro pode estar dez léguas para jusante.
— Temos de o encontrar — insistiu Emmon Frey.
— Ele será encontrado. — Jaime falou com uma certeza que não sentia. — tenho cães de caça e caçadores em busca do seu rasto neste preciso instante. — Sor Addam Marbrand liderava as buscas na margem sul do rio, Sor Dermot da Mata de Chuva na margem norte. Pensara em envolver também os senhores do rio, mas era mais provável que Vance, Piper e os da sua laia ajudassem Peixe Negro a escapar do que o pusessem a ferros.