Era o velho meistre de Correrrio, agarrando uma mensagem na mão enrugada e encarquilhada. O rosto de Vyman estava tão branco como a neve acabada de cair.
— Eu sei — disse Jaime — chegou um corvo branco da Cidadela. O inverno chegou.
— Não, senhor. A ave veio de Porto Real. Tomei a liberdade... não sabia... — E estendeu-lhe a carta.
Jaime leu-a no banco de janela, banhado na luz daquela fria manhã branca. As palavras de Qyburn eram sóbrias e objetivas, as de Cersei febris e ferventes.
Venha imediatamente. Me ajude. Me salve. Preciso agora de você como nunca antes precisei. Te amo. Te amo. Te amo. Venha imediatamente.
Vyman pairava perto da porta, à espera, e Jaime sentiu que Peck também estava observando.
— O senhor deseja responder? — perguntou o meistre, após um longo silêncio.
Um floco de neve caiu sobre a carta. Enquanto se derretia, a tinta começou a borrar. Jaime voltou a enrolar o pergaminho, apertando-o tanto quanto uma mão permitia, e entregou-o a Peck.
— Não — disse. — Põe isto no fogo.
SAMWELL
A última parte da viagem era a mais perigosa. Os Estreitos Redwyne estavam repletos de Dracares, tal como lhes tinham dito em Tyrosh. Com a maior parte da frota do reino no outro lado do poente, os homens de ferro haviam saqueado Porto Ryan, haviam se apoderado de Villavinha e do Porto Estrela do Mar, e os utilizavam como base desde que começaram a atacar os navios que se dirigiam a Vilavelha.
O vigia avistou três barcos longos, dois estavam a popa à uma boa distancia, e o Vento Canela não tardou a afastar-se deles. O terceiro apareceu no final do dia para cortar o caminho enquanto fazia um som sussurrante. Quando viu subir e baixar os remos deixando um rastro branco nas águas acobreadas. Kojja Mo enviou seus arqueiros aos castelos com seus grandes arcos, que podiam lançar uma flecha ainda mais longe e com maior precisão que os de Dorne. Esperou até que o barco longo estivesse a duzentos passos antes de dar a ordem de disparar. Sam também disparou e naquela ocasião pareceu que sua flecha chegava ao outro barco. Bastou um disparo e o barco longo virou em direção ao sul em busca de uma presa mais fácil.
O dia já era escuro quando entraram na Enseada dos Murmúrios.
Goiva estava na proa com o bebê contemplando o castelo que ficava sobre as falésias.
— Três Torres — lhe disse Sam — a sede da casa Costayne.
O castelo se recortava contra as estrelas e em suas janelas cintilavam as luzes das tochas. Era um espetáculo esplendido, mas entristeceu Sam. A viagem chegava ao fim.
— É muito alto — comentou Goiva.
— Bem, você verá o farol de Torralta.
O bebê de Dalla começou a chorar. Goiva abriu a túnica para dar o peito ao pequeno. Sorriu enquanto o amamentava, e acariciou o suave cabelo castanho.
Acabou por amar tanto este como o que deixou para traz, compreendeu Sam.
Rezava aos deuses para que fossem bondosos com os dois.
Os homens de ferro tinham penetrado até nas águas resguardadas da Enseada dos Murmúrios. Quando chegou a manhã, enquanto o Vento Canela se dirigia até Vilavelha, o casco começou a tropeçar com cadáveres que flutuavam a deriva. Havia corvos pousados em alguns, e começavam a voar entre grasnos de protesto quando o barco perturbava suas grotescas jangadas.
Nas margens se viam campos carbonizados e aldeias queimadas, e sob os bancos de areia tinham barcos destruídos. Os mais comuns eram os botes de pescadores e os barcos mercantes, mas também viram barcos longos abandonados, e os restos de dois grandes dromones. Um havia ardido até a linha de flutuação, enquanto que o outro tinha um enorme buraco no casco; Saltava a vista que o haviam atacado.
— Aqui houve uma batalha — disse Xhondo — não tem muito tempo.
— Quem pode ter cometido a temeridade de fazer um ataque tão perto de Vilavelha?
Xhondo assinalou um navio semi afundado nas águas baixas. Em sua popa estavam pendurados os restos de um estandarte rasgado e manchado.
Sam nunca tinha visto aqueles brasões: um olho vermelho com a pupila negra, embaixo uma coroa de ferro negro segurado por dois corvos.
— De quem é esse estandarte? — Perguntou.
Xhondo encolheu os ombros.
O dia seguinte amanheceu frio e nublado. Quando o Vento Canela passava diante de outra aldeia de pescadores que fora saqueada, um barco de guerra saiu da névoa e avançou para eles. Chamava-se Caçadora, levava o nome escrito atrás de uma figura de proa em forma de uma esbelta donzela vestida com folhas e que carregava uma lança. Em um instante apareceram mais dois barcos, um de cada lado, como um par de cães que seguem seu dono. Para alivio de Sam, levavam o estandarte do rei Tommem, o veado e o leão, encima da torre branca hierarquizada de Vilavelha com sua coroa flamejante.
O capitão da Caçadora era um homem alto que vestia uma capa cinza com uma gola de seda vermelha. Emparelhou seu navio com o Vento Canela, ordenou que levantassem os remos e gritou que ia subir a bordo.
Enquanto seus besteiros e os arqueiros de Kojja Mo se olhavam a distância, ele cruzou com meia dezena de cavalheiros, saudou a Quhuru Mo com um gesto de cabeça e solicitaram ver suas adegas. Pai e filha debateram em particular uns segundos e depois consentiram.
— Desculpe — disse o capitão após a inspeção — Lamento que pessoas honradas recebam um tratamento tão descortês, mas tenho que evitar a todo custo que os homens de ferro entrem em Vilavelha. Fazem apenas quinze dias, estes cornos de merda capturaram um barco mercante de Tyroshi nos estreitos. Mataram a tripulação e colocaram suas roupas, usaram as tintas que levavam para tingir a barba de várias cores. Tinham intenção de colocar fogo no porto enquanto entravam e abriam uma porta por dentro enquanto combatíamos o fogo. Eles teriam se saído bem, mas encontraram com a Dama da Torre, e a esposa do chefe de remeiros é de Tyoshi. Quando viu tantas barbas violeta e verde os saudou na língua Tyroshi, e nenhum soube responder.
Sam estava escandalizado.
— Não é possível que pretendessem saquear Vilavelha
— Não eram simples saqueadores — O capitão da Caçadora o olhou com curiosidade — os homens de ferro sempre tem se dedicado ao saque.
Atacam de repente pelo mar, pegam um pouco de ouro e umas tantas garotas e vão embora, mas raras vezes chegam mais de dois navios, e nunca mais de meia dezena. Agora estão nos atacando com centenas de navios; Saem das Ilhas Escudo e de várias rochas situadas em torno da Árvore. Tomaram o Recife do Caranguejo de Pedra, a ilha dos Porcos e o palácio da Sereia e também tem covil no Rochedo da Ferradura e no Berço do Bastardo. Sem a frota de Lorde Redwyne, não temos barcos suficiente para enfrenta-los.
— E o que fez Lorde Higtower? — perguntou Sam — Meu pai sempre dizia que ele é tão rico como os Lannister, que podia reunir o triplo de espadas que qualquer outra bandeira de Jardim de Cima.
— Mais, se varrer a calçada — replicou o capitão — mas as espadas não valem de nada contra os homens de ferro, a menos que os que as empunhem possam andar sobre a água.
— Hightower tem que estar fazendo algo!
— Com certeza. Lorde Leyton se trancou no alto de sua torre com a donzela louca para consultar livros de feitiços. Pode ser que consiga levantar um exercito vindo das profundezas, ou não. Baleor está construindo barcos; Gunthor tomou o Porto; Garth está treinando novos recrutas, e Hunfrey viajou a Lys para contratar barcos mercenários. Se conseguir uma frota como a da puta da sua irmã, daremos aos homens de ferro um pouco do seu próprio remédio. Até lá o melhor que podemos fazer é defender a enseada e esperar que a raposa da rainha de porto real solte o cinto à Lorde Paxter.
A amargura das ultimas palavras do capitão emocionaram a Sam tanto como seu significado.