— Um homem teria de ser um idiota para violar uma irmã silenciosa. — Estava Sor Creighton a dizer. — Ou até para pôr as mãos numa… diz-se que são as esposas do Estranho, e as suas partes femininas são frias e úmidas como gelo. Deu um relance a Brienne. — Ah… peço perdão.
Brienne esporeou a égua na direção de Valdocaso. Um momento depois, Sor Illifer seguiu-a, e Sor Creighton fechou a retaguarda.
Três horas mais tarde encontraram outro grupo que seguia penosamente na direção de Valdocaso; um mercador e os seus criados, acompanhados por outro cavaleiro andante. O mercador montava uma égua cinzenta sarapintada, enquanto os criados se revezavam a puxar o seu carro.
Quatro esforçavam-se aos tirantes enquanto os outros dois caminhavam ao lado das rodas, mas quando ouviram o som de cavalos, formaram em volta do carro com paus de freixo ferrados prontos a usar. O mercador puxou de uma besta, o cavaleiro de uma espada.
— Irão perdoar a minha suspeita — gritou o mercador — mas os tempos são conturbados, e só tenho o bom Sor Shadrich para me defender.
— Quem são?
— Ora. — Disse Sor Creighton, ofendido — eu sou o famoso Sor Creighton Longbough, vindo da batalha da Água Negra, e este é o meu companheiro, Sor Illifer, o Sem Dinheiro.
— Não pretendemos fazer nenhum mal a vocês — disse Brienne.
O mercador avaliou-a com ar duvidoso.
— Senhora, devia estar a salvo em casa. Porque usa um vestuário tão pouco natural?
— Ando em busca da minha irmã. — Não se atrevia a mencionar o nome de Sansa, com a rapariga acusada de regicídio. — É uma donzela bem nascida e bela, com olhos azuis e cabelo ruivo. Talvez a tenham visto com um cavaleiro robusto de quarenta anos, ou um bobo bêbado.
— As estradas estão cheias de bobos bêbados e de donzelas espoliadas. Quanto a cavaleiros robustos, é difícil a qualquer homem honesto manter a barriga redonda quando a tanta falta de comida… embora o vosso Sor Creighton não tenha passado fome, ao que parece.
— Tenho ossos grandes — insistiu Sor Creighton. — Seguimos juntos por algum tempo? Não duvido do valor de Sor Shadrich, mas ele parece pequeno, e é melhor três lâminas do que uma.
Quatro lâminas pensou Brienne, mas controlou a língua.
O mercador olhou para a sua escolta.
— O que diz, sor?
— Oh, estes três não são nada a temer. — Sor Shadrich era um homem seco e nervoso com cara de raposa, um nariz aguçado e uma mecha de cabelo laranja, montado num corcel acastanhado de pernas altas. Embora não pudesse ter mais de um metro e cinquenta e cinco, possuía modos senhores de si.
— Aquele é velho, o outro gordo, e a grande é mulher. Que venham.
— Assim seja — O mercador baixou a besta.
Quando reataram a viagem, o cavaleiro contratado deixou-se ficar para trás e olhou Brienne de cima a baixo como se ela fosse uma peça de bom porco salgado.
— É uma senhora forte e saudável, parece.
O escárnio de Sor Jaime golpeara-a profundamente; as palavras do homenzinho quase nem lhe tocaram.
— Uma gigante, comparada com certos homens.
Ele riu.
— Sou suficientemente grande onde conta, senhora.
— O mercador chamou você Shadrich.
— Sor Shadrich de Vale Sombrio. Há quem me chame Rato Louco.
— Virou o escudo para mostrar o seu símbolo, um grande rato branco com ferozes olhos vermelhos, sobre bandas de castanho e azul. — O castanho simboliza as terras que percorri, o azul os rios que atravessei. O rato sou eu.
— E és louco?
— Oh, bastante. Um rato comum fugirá do sangue e da batalha. O rato louco procura-os.
— Aparentemente é raro encontrá-los.
— Encontro-os o suficiente. É verdade que não sou nenhum cavaleiro de torneios. Guardo o meu valor para o campo de batalha, mulher.
Supunha que mulher era marginalmente melhor do que garota.
— Então você e o bom Sor Creighton tem muito em comum.
Sor Shadrich riu.
— Oh, duvido, mas pode ser que você e eu partilhemos uma demanda. Uma irmãzinha perdida, não é? Com olhos azuis e cabelo ruivo?
Voltou a rir. — Não é o único caçador nos bosques. Eu também procuro Sansa Stark.
Brienne manteve o rosto numa máscara, para esconder a consternação.
— Quem é essa Sansa Stark, e porque é que a procura?
— Por amor, que outra coisa poderia ser?
Brienne enrugou a testa.
— Amor?
— Sim, amor pelo ouro. Ao contrário do nosso bom Sor Creighton, eu realmente lutei na Água Negra, mas do lado perdedor. O meu resgate arruinou-me. Sabeis quem é Varys, espero? O eunuco ofereceu um saco rechonchudo de ouro por essa moça de que nunca ouviu falar. Não sou um homem ganancioso. Se alguma senhora grande demais me ajudasse a encontrar essa criança marota, eu dividiria o dinheiro da Aranha com ela.
— Pensei que estivesse contratado pelo mercador.
— Só até Valdocaso. Hibald é tão avarento como temeroso. E é muito temeroso. Que diz, senhora?
— Não conheço nenhuma Sansa Stark — insistiu ela. — Ando a procura da minha irmã, uma rapariga bem nascida…
— … com olhos azuis e cabelo ruivo, certo. Me diga, quem é esse cavaleiro que viaja com a sua irmã? Ou será que se chama bobo? — Sor Shadrich não esperou pela resposta dela, o que era bom, visto que não tinha nenhuma.
— Um certo bobo desapareceu de Porto Real na noite da morte do Rei Joffrey, um tipo robusto com um nariz cheio de veias rotas, um certo Sor Dontos, o Vermelho, originalmente de Valdocaso. Rezo para que a sua irmã e o bobo bêbado dela não sejam confundidos com a moça Stark e Sor Dontos. Isso poderia ser um grande infortúnio. — Bateu com os calcanhares no corcel e avançou a trote.
Até Jaime Lannister só raramente fazia com que Brienne se sentisse uma tola tão grande. Não é o único caçador nos bosques. A mulher, Brella, contara-lhe como Joffrey despojara Sor Dontos das esporas, como a Senhora Sansa suplicara a Joffrey que lhe poupasse a vida. Ele ajudou-a a fugir, decidira Brienne, quando ouvira a história. Se encontrar Sor Dontos, encontrarei Sansa. Deveria ter sabido que outros também o compreenderiam.
Alguns podem mesmo ser menos palatáveis do que Sor Shadrich. Só podia esperar que Sor Dontos tivesse escondido Sansa bem. Mas se assim for, como é que eu a encontro?
Fez descair os ombros e prosseguiu caminho, de cenho carregado.
A noite já se instalava quando o grupo chegou a uma estalagem, um edifício alto de madeira que se erguia junto à confluência de dois rios, empoleirada numa velha ponte de pedra. Era esse o nome da estalagem, disse-lhes Dor Creighton: A Velha Ponte de Pedra. O estalajadeiro era seu amigo.
— Não é mau cozinheiro, e os quartos não têm mais pulgas do que de hábito — assegurou. — Quem é a favor de uma cama quente esta noite?
— Nós não, a não ser que o seu amigo as queira oferecer — disse Sor Illifer, o Sem Dinheiro. — Não temos dinheiro para quartos.
— Posso pagar por nós três. — Brienne não tinha falta de dinheiro; Jaime tratara disso. Nos alforjes havia uma bolsa cheia de veados de prata e estrelas de cobre, outra menor atulhada de dragões de ouro, e um pergaminho ordenando a todos os súditos leais do rei para prestarem assistência à portadora, Brienne da Casa Tarth, que andava a tratar de assuntos de Sua Graça. Estava assinado numa letra infantil por Tommen, o Primeiro do Seu Nome, Rei dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, e Senhor dos Sete Reinos.
Hibald também estava a parar, e pediu aos seus homens para deixarem a carroça perto dos estábulos. Uma quente luz amarela brilhava através das vidraças em forma de losango das janelas da estalagem, e Brienne ouviu um garanhão bramir ao sentir o cheiro da sua égua. Estava a desprender a sela quando um rapaz saiu da porta do estábulo e disse: