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— Você acredita que o arquimestre Walgrave entenderá o que vou dizer? — perguntou Sam. — Antes tinha dito que ele é meio louco.

— Tem dias bons e dias ruins — respondeu Alleras —, mas não é Walgrave a quem vai ver.

Abriu a porta da torre norte e começou a subir. Sam subiu as escadas depois dele. Encima se ouvia agitação e murmúrios, e de quando em quando, um grasnido com raiva, como se os corvos se queixaram de que os acordaram.

No topo das escadas havia um jovem pálido e loiro, da idade de Sam, sentado diante de uma porta de carvalho e ferro, olhando atentamente a chama de uma vela com o olho direito. O esquerdo estava tapado com uma mecha de cabelo loiro cinza.

— Que está buscando? — lhe perguntou Alleras. — Seu destino?

Sua morte?

O jovem loiro desviou a vista da vela e piscou.

— Mulheres peladas — respondeu. — E este quem é?

— Samwell. Um noviço recém-chegado, que quer ver o Mago.

— A Cidadella já não é o que era — se queixou o loiro. — Hoje em dia aceitam qualquer um. Cachorros morenos, dorneses, guardadores de porco, aleijados, imbecis, e agora, uma baleia vestida de preto. E eu que acreditava que os leviatãs eram cinzentos.

Uma capa curta de listras verdes e douradas cobria um ombro. Era muito bonito, embora tivesse os olhos astutos e aboca cruel. Sam o conhecia.

— Leo Tyrell. — Só ao pronunciar o nome voltou a sentir-se como um garotinho de sete anos ao ponto de molhar os calções — eu sou Sam, de Monte Chifre, o filho de Lorde Randyll Tarly.

— De verdade? — Leo lhe deu outra olhada. — Imagino que sim.

Seu pai nos disse que havia morrido. Ou desejava que tivesse morrido? — sorriu. — Continua sendo tão covarde como antes?

— Não — mentiu Sam, como Jon o havia ordenado. — Fui mais além da Muralha e participei de batalhas. Me chamam de Sam, o matador.

Nunca soube por que havia dito. As palavras escaparam sem mais.

Leo começou a rir, mas antes que pudesse dizer nada, se abriram as portas que estavam as suas costas.

— Entre, Matador — rosnou o homem do umbral. — E você também, Esfinge, venha.

— Esse é o Arquimestre Marwyn, Sam — disse Alleras.

Marwyn levava uma corrente de diversos metais em volta do grosso pescoço. Além disso, parecia mais um vadio portuário do que um meistre.

Sua cabeça era desproporcionalmente grande em relação ao corpo, e sua maneira de projetá-la para frente desde os ombros, juntamente com o queixo resistente, fazia que parecesse a ponto de matar alguém. Era baixo e atarracado, mas com o peito e os ombros amplos, e uma barriga de cerveja redonda e dura como uma pedra, que forçava os laços do gibão de couro que usava como túnica. Das orelhas e do nariz saiam mechas de pelo branco.

Tinha a frente protuberante, lhe haviam quebrado o nariz em mais de uma ocasião, tinham lhe deixado os dentes cheios de manchas vermelhas, e suas mãos eram as maiores que Sam já havia visto.

O garoto titubeou, e uma daquelas mãos enormes o agarrou pelo braço e o obrigou a cruzar a porta. A sala que havia do outro lado era grande e redonda. Havia livros e pergaminhos por toda parte, espalhados sobre as mesas e amontoados no chão em pilhas de seis palmos de altura. As paredes de pedra estavam cobertas de tapetes desbotados e mapas desgastados. Na lareira ardia um fogo que esquentava um caldeirão de cobre. Fosse o que fosse seu interior, cheirava a queimado. A única luz da sala procedia de uma vela alta e negra situada no centro da habitação.

Tinha um brilho desagradável. Havia algo de estranho nela. A chama não piscava, nem sequer quando o Arquimeistre Marwyn fechou a porta com tanta força que tremularam os papéis de uma mesa próxima. Também, aquela luz fazia um efeito estranho nas cores. No branco era tão brilhante como a neve recém caída, no amarelo brilhava como ouro; no vermelho pareciam chamas, mas nas sombras eram tão negras que pareciam orifícios abertos no mundo. Sam se deu conta de que não podia desviar a vista. A própria vela media uma vara e era esbelta como um junco, retorcida e estriada, de um negro deslumbrante.

— Isso é...?

— Obsidiana? — Terminou um outro homem da sala, um jovem pálido e gordo com os ombros redondos, as mãos macias,os olhos muito juntos e manchas de comida na túnica.

— Chama-se vidro de dragão — o arquimestre Marwyn contemplou a vela um instante. — Arde, mas não se consome.

— O que alimenta a chama? — Quis saber Sam.

— O que alimenta o fogo de um dragão? — Marwyn se sentou em um tamborete — toda bruxaria de Valíria tinha suas raízes no sangue e no fogo. Com uma dessas velas de cristal, os feiticeiros do Feudo Franco podiam ver através de montanhas, mares e desertos. Eram capazes de entrar no sonho das pessoas e provocar-lhes visões; podiam manter conversas mesmo que estivessem a meio mundo de distância, sentados diante de suas velas. Não te parece que isso seria útil, Matador?

— Assim não fariam falta os corvos.

— Somente depois das batalhas — o arquimestre pegou uma folhamarga de um fardo, meteu na boca e começou a mastigar — Conte-me tudo que disse a nossa Esfinge de Dorne. Já sei boa parte, e também coisas que ignora, mas quem sabe me escapou algum detalhe.

Não era um homem a que se pudesse negar nada. Sam titubeou um momento e voltou a relatar toda sua historia a Marwyn, a Alleras e ao outro noviço.

— Meistre Aemon acreditava que a profecia teria se cumprido em Daenerys Targaryen. Nela, não em Stannis, nem no príncipe Rhaegar, nem no principezinho que estamparam em uma moeda.

— Nascido de sal e fumaça, embaixo de uma estrela que sangra. Eu conheço a profecia. — Marwyn girou a cabeça e cuspiu. — Não digo que me pareça verdadeira, claro. Como escreveu Gorghan do Antigo Ghis, uma profecia é como uma mulher traiçoeira: ela te chupa, geme de prazer, e pensa

“que bom, que maravilha, como eu gosto...” e de repente aperta os dentes, e os gemidos se transformam em gritos. Gorghan dizia que esta era a natureza das profecias: arrancam-te o pau com uma mordida quando se descuida. —seguiu mastigando — ainda assim...

Alleras deu um passo para ficar junto de Sam.

— Aemon havia ido com ela se não tivesse lhe faltado forças. Queria que a enviássemos um meistre para que a aconselhe e proteja, para que a traga sã e salva.

— É verdade? — o arquimestre Marwyn encolheu os ombros. —Pois menos mal que morreu antes de chegar a Vilavelha. Se não, poderia o rebanho cinzento ter que matá-lo, e ao pobre velho teria sido fatal.

— Matá-lo?— se escandalizou Sam — Por quê?

— Se eu te digo, talvez tenham que te matar também — Marwyn lhe deu um sorriso espantoso; os pedaços da folhamarga ficavam entre os dentes

— Quem acredita que matou os dragões da ultima vez? Galantes cavaleiros mataram dragões com sua espada? — cuspiu. — O mundo que a Cidadela está onstruindo não tem lugar para feitiçaria, nem profecias e nem as velas de cristal, e muito menos para dragões. Não se pergunta por que se permitiu que Aemon Targaryan desperdiçasse sua vida na muralha, quando deveria ter sido arquimestre por direito? Pelo seu sangue. Não podia se confiar nele.

Nem em mim.

— Que vai fazer? — Quis saber Alleras.

— Irei à Baía dos Escravos no lugar de Aemon. O navio cisne que trouxe Matador me servirá perfeitamente. O rebanho cinzento enviará seu homem em um navio, sem duvida. Se tiver bons ventos, eu chegarei antes.

— Marwyn olhou Sam outra vez e franziu a testa — e quanto a você... tem que ficar e forjar uma corrente. Eu em seu lugar teria pressa. Chegará um momento em que fará falta na muralha. — Se voltou até o noviço de rosto gordo — Arranje uma cela seca para o Matador. Dormirá aqui e te ajudará a cuidar dos corvos.

— Mas... mas...mas... — balbuciou Sam, os outros arquimestres — ... o Senescal... que lhes direi?

— Diga que eles são sábios e bondosos. Diga que Aemon te ordenou que te pusesse em suas mãos. Diga que sempre sonhou com o dia em que te permitiriam colocar a corrente e servir, e que o serviço é a honra mais alta, e a obediência, a virtude mais elevada. Mas nunca diga nada sobre profecias de dragões, a menos que você goste de sopa com veneno. — Marwyn vestiu uma capa de couro que estava pendurada em um prego, junto da porta, e a abotoou. Cuide dele, Esfinge.