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— Deixai-me fazer isso, sor.

— Não sou nenhum sor — disse-lhe — mas podes levar a égua.

Certifica-te de que ela seja alimentada e escovada e que lhe dêem de beber.

O rapaz ruborizou-se.

— Peço perdão, senhora. Pensei…

— É um erro comum. — Brienne entregou-lhe as rédeas e seguiu os outros para a estalagem, com os alforjes ao ombro e o rolo de dormir debaixo de um braço.

Serragem cobria o chão de tábuas da sala comum, e o ar cheirava a lúpulo, fumo e carne. Um assado silvava e crepitava ao fogo, de momento sem ninguém a tratar dele. Seis homens da terra estavam sentados em volta de uma mesa, conversando, mas pararam quando os estranhos entraram.

Brienne sentiu os seus olhos. Apesar da cota de malha, do manto e do justilho, sentiu-se nua. Quando um homem disse:

— Olha para aquilo — soube que não estava a falar de Sor Shadrich.

O estalajadeiro apareceu, trazendo três canecas em cada mão e derramando cerveja a cada passo.

— Tem quartos, bom homem? — perguntou-lhe o mercador.

— Pode ser que tenha — respondeu o estalajadeiro — para quem tiver dinheiro.

Sor Creighton Longbough pareceu ofendido.

— Naggle, é assim que saúda um velho amigo? Sou eu, o Longbough.

— É você, é. Me deve sete veados. Mostre-me alguma prata, e eu te mostro uma cama. — O estalajadeiro pousou as canecas uma a uma, derramando mais cerveja sobre a mesa enquanto o fazia.

— Pago por um quarto para mim e por outro para os meus dois companheiros.

— Brienne indicou Sor Creighton e Sor Illifer.

— Eu também vou querer um quarto — disse o mercador — para mim e para o bom Sor Shadrich. Os meus criados dormirão nos vossos estábulos, se vos aprouver.

O estalajadeiro olhou-os bem.

— Não me apraz, mas pode ser que deixe. Vão querer jantar? Aquilo ali no espeto é uma boa cabra, oh se é.

— Eu próprio julgarei se ela é boa ou não — anunciou Hibald. — Os meus homens contentar-se-ão com pão e gordura do assado.

E assim jantaram. Brienne experimentou a cabra, depois de seguir o estalajadeiro pela escada acima, de lhe enfiar umas moedas na mão e de armazenar as suas posses no segundo quarto que o homem lhe mostrou.

Pediu também cabra para Sor Creighton e para Sor Illifer, visto que tinham partilhado as trutas com ela. Os cavaleiros andantes e o septão empurraram a carne para baixo com cerveja, mas Brienne bebeu uma taça de leite de cabra.

Ficou à escuta das conversas à mesa, esperando contra toda a esperança poder ouvir algo que a ajudasse a encontrar Sansa.

— Veio de Porto Real — disse um dos homens da terra a Hibald.

— É verdade que o Regicida foi mutilado?

— É bem verdade — disse Hibald. — Perdeu a sua mão da espada.

— Verdade — disse Sor Creighton — arrancada por um lobo gigante, segundo ouvi dizer, um daqueles monstros que desceram do norte.

Nunca veio nada de bom do norte. Até os deuses deles são esquisitos.

— Não foi um lobo — ouviu-se Brienne a dizer. — Sor Jaime perdeu a mão para um mercenário de Qohor.

— Não é coisa fácil lutar com a mão má — observou o Rato Louco.

— Bah — disse Sor Creighton Longbough. — Acontece que eu luto igualmente bem com ambas as mãos.

— Oh, não tenho nenhuma dúvida disso. — Sor Shadrich ergueu a caneca numa saudação.

Brienne recordou a sua luta com Jaime Lannister na floresta. Fora com dificuldade que mantivera a espada dele afastada. Ele estava fraco do tempo passado encarcerado, e tinha correntes nos pulsos. Nenhum cavaleiro dos Sete Reinos o poderiam enfrentar na posse de todas as suas forças, sem correntes que lhe tolhessem os movimentos. Jaime fizera muitas coisas malignas, mas o homem sabia lutar! A sua mutilação fora monstruosamente cruel.

Uma coisa era matar um leão, outra era cortar-lhe a pata e deixá-lo quebrado e desorientado.

De súbito, a sala comum ficou demasiado ruidosa para ela suportar nem que fosse mais um momento. Murmurou umas boas noites e foi para a cama. O teto, no seu quarto, era baixo; ao entrar com um círio na mão, Brienne teve de se abaixar para não bater com a cabeça. A única mobília era uma cama suficientemente larga para seis pessoas, e o coto de uma vela alta no peitoril da janela. Acendeu-a com o círio, trancou a porta e pendurou o cinto da espada em uma das colunas da cama. A bainha era uma coisa simples, madeira envolta em couro castanho e fendido, e a espada era ainda mais simples. Comprara-a em Porto Real, para substituir a lâmina que os Bravos Companheiros lhe tinham roubado. A espada de Renly. Ainda lhe doía saber que a perdera. Mas tinha outra espada escondida no rolo de dormir.

Sentou-se na cama e tirou-a para fora. Ouro cintilou, amarelo, à luz da vela, e rubis arderam, rubros. Quando tirou a Cumpridora de Promessas da bainha ornamentada, Brienne sentiu que a respiração se lhe prendia na garganta. As ondulações corriam, negras e vermelhas, pelas profundezas do aço. Aço valiriano forjado com feitiços.

Era uma espada digna de um herói. Quando era pequena, a ama enchera-lhe os ouvidos com contos de valor, regalando-a com os nobres feitos de Sor Galladon de Morne, de Florian, o Bobo, do Príncipe Aemon, o Cavaleiro do Dragão e de outros campeões. Cada um usava a sua espada famosa, e certamente que o lugar da Cumpridora de Promessas era na sua companhia, mesmo se o seu não fosse.

— Irá proteger a filha de Ned Stark com o aço do próprio Ned Stark— prometera Jaime.

Ajoelhando-se entre a cama e a parede, ergueu a lâmina e proferiu uma prece silenciosa à Velha, cuja lâmpada dourada mostrava aos homens o caminho pela vida. Guiai-me, rezou, iluminai o caminho que tenho em frente, mostrai-me o rumo que leva até Sansa. Falhara a Renly, falhara à Senhora Catelyn. Não podia falhar a Jaime. Ele confiou-me a sua espada.

Confiou-me a sua honra.

Depois, estendeu-se o melhor que pôde na cama. Apesar de ser tão larga, não tinha comprimento suficiente, portanto Brienne deitou-se em diagonal. Ouvia o tinir das canecas vindo de baixo, e vozes que vagavam pelos degraus acima. As pulgas de que Longbough falara fizeram a sua aparição. Coçar-se a ajudou a manter-se acordada.

Ouviu Hibald subir as escadas, e algum tempo depois ouviu também os cavaleiros.

—… não cheguei a saber o seu nome — Sor Creighton dizia enquanto passava — mas no escudo trazia uma galinha vermelha como sangue, e a sua lâmina pingava tripas… — A voz do homem desvaneceu-se, em algum lugar mais acima e uma porta abriu-se e fechou-se.

A vela apagou-se. A escuridão caiu sobre a Velha Ponte de Pedra, e a estalagem ficou tão sossegada que Brienne conseguia ouvir o murmúrio do rio. Só então se ergueu para reunir as suas coisas. Abriu lentamente a porta, ficou à escuta, desceu as escadas descalça. Lá fora calçou as botas e dirigiu-se à pressa aos estábulos para selar a égua baia, pedindo um perdão silencioso a Sor Creighton e Sor Illifer enquanto montava.

Um dos criados de Hibald acordou quando ela passou por ele, já a cavalo, mas nada fez para Pará-la. Os cascos da égua ressoaram na velha ponte de pedra. Então, as árvores fecharam-se à sua volta, negras como breu e cheias de fantasmas e memórias. Vou à sua procura, Senhora Sansa, pensou enquanto penetrava na escuridão. Não tenha medo. Não descansarei enquanto não te encontrar.

SAMWELL

Sam estava lendo acerca dos Outros quando viu o rato.

Tinha os olhos vermelhos e ardendo. Não devia esfregá-los S tanto, dizia sempre a si próprio enquanto os esfregava. A poeira irritava e os faziam lacrimejar, e havia poeira por todo o lado ali em baixo. Pequenas nuvenzinhas enchiam o ar cada vez que uma página era virada, e erguia-se em nuvens cinzentas sempre que movia uma pilha de livros para ver o que poderia estar escondido por baixo.

Sam não sabia quanto tempo passara desde que dormira pela última vez, mas restavam pouco mais de dois centímetros da gorda vela de sebo que acendera quando começara a ler o irregular monte de páginas soltas que encontrara atadas com guita. Estava brutalmente cansado, mas era difícil parar. Mais um livro, dizia a si mesmo, e depois paro. Mais uma folha, só mais uma. Mais uma página, e vou para cima descansar e comer qualquer coisa. Mas havia sempre outra página depois dessa, e outra a seguir, e outro livro à espera por baixo da pilha. Vou só dar uma espiada rápida para ver qual o assunto deste, pensava, e antes de se dar conta já tinha lido metade.

Não havia comido nada desde a tigela de sopa de feijão com toucinho que comera na companhia de Pyp e Grenn. Bem, a não ser o pão e o queijo, mas isso foi só uma dentadinha, pensou. Foi então que lançara um rápido relance à bandeja vazia e vira o rato banqueteando-se com as migalhas do pão.

O rato tinha metade do comprimento do seu mindinho, com olhos negros e um pêlo cinzento e macio. Sam sabia que devia matá-lo. Os ratos podiam preferir pão e queijo, mas também comiam papel. Encontrara bastante excremento de rato entre as prateleiras e as pilhas, e algumas das encadernações de couro dos livros mostravam sinais de terem sido roídas.

Mas era uma coisinha tão pequenina. E esfomeada. Como podia recusar a ele algumas migalhas? Mas está comendo os livros, pensou…

Depois de passar horas na cadeira, as costas de Sam estavam duras como uma prancha, e sentia as pernas meio adormecidas. Sabia que não seria suficientemente rápido para apanhar o rato, mas talvez conseguisse esmagá-

lo. Junto ao seu cotovelo encontrava-se uma maciça cópia encadernada a couro dos Anais do Centauro Negro, o exaustivamente detalhado relato do Septão Jorquen acerca dos nove anos que Orbert Caswell servira como Senhor Comandante da Patrulha da Noite. Havia uma página para cada dia do seu mandato, e todas pareciam começar com: “Lorde Orbert levantou-se à alvorada e moveu as tripas”, exceto a última, que dizia: “Lorde Orbert foi encontrado morto ao amanhecer.”