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— Não me chame de Matador. – Sam ignorou o gracejo sobre o boi.

Isso era só o Pyp. – Estava lendo. Apareceu um rato…

— Não fale de ratos com Grenn. Ele tem pavor de ratos.

— Não tenho nada — declarou Grenn com indignação.

— Você teria medo de comer um.

— Comia mais ratos do que você.

Edd Doloroso Tollett soltou um suspiro.

— Quando eu era moço, só comíamos ratos em dias especiais de banquete. Eu era o mais novo, por isso ficava sempre com o rabo. Não há carne no rabo.

— Onde está o seu arco, Sam? – perguntou Grenn. Sor Alliser costumava chamar-lhe Auroque, e ele a cada dia que passava parecia crescer um pouco mais para dentro da alcunha. Chegara à Muralha grande, mas lento, de pescoço grosso, de cintura grossa, de rosto vermelho e desajeitado.

Embora o pescoço ainda se ruborizasse quando Pyp lhe dava a volta em alguma tolice, horas de trabalho com a espada e o escudo tinham-lhe endireitado a barriga, endurecido os braços, alargado o peito. Era forte, e também desgrenhado como um auroque. – Ulmer estava à sua espera junto aos alvos.

— Ulmer – disse Sam, atrapalhado. Instituir exercícios diários de tiro com arco para toda a guarnição, até os intendentes e os cozinheiros, fora quase a primeira coisa que Jon Snow fizera como Senhor Comandante. A Patrulha tinha posto demasiada ênfase na espada e insuficiente no arco, dissera, uma relíquia dos dias em que um irmão em dez fora um cavaleiro, e não um em cem. Sam compreendia a sensatez do decreto, mas detestava o treino com arco quase com igual força com que detestava subir escadas.

Quando usava as luvas nunca conseguia acertar em nada, mas quando as tirava ficava com bolhas nos dedos. Aqueles arcos eram perigosos. O Cetim arrancara metade de uma unha com a corda de um arco. – Tinha esquecido.

— Partiu o coração da princesa selvagem, Matador – disse Pyp. Nos últimos tempos, Val ganhara o hábito de observá-los da janela do seu quarto na Torre do Rei. – Ela andou à sua procura.

— Não andou nada! Não diga isso! – Sam só falara com Val duas vezes, quando o Meistre Aemon a visitara para se certificar de que os bebês eram saudáveis. A princesa era tão bonita que era frequente dar por si gaguejando e corando na sua presença.

— Porque não? — perguntou Pyp. — Ela quer ter filhos seus.

Talvez devêssemos te chamar de Sam, o Sedutor. Sam enrubesceu. Sabia que o Rei Stannis tinha planos para Val; ela era a argamassa com a qual pretendia selar a paz entre os nortenhos e o povo livre. - Hoje não tenho tempo para o tiro com arco, tenho de ir ver o Jon.

— Jon? Jon? Conhecemos alguém chamado Jon, Grenn?

— Ele fala do Senhor Comandante.

— Aaaah. O Grande Lorde Snow. Com certeza. Porque quer ver ele?

Nem sequer consegue abanar as orelhas. — Pyp abanou as suas, para mostrar que conseguia. Eram umas orelhas grandes, vermelhas do frio. — Ele agora é o Lorde Snow de verdade, bem nascido como um raio para gente como nós.

— Jon tem deveres — disse Sam em sua defesa. — A Muralha é sua, com tudo o que isso traz.

— Um homem também tem deveres para com os amigos. Se não fôssemos nós, o nosso senhor comandante podia ser Janos Slynt. Lorde Janos teria enviado Snow em patrulha nu e montado numa mula. “Galopa até a Fortaleza de Craster”, ele teria dito, “e me traga de volta o manto e as botas do Velho Urso”. Nós o salvamos disso, mas agora ele tem deveres demais para beber uma taça de vinho temperado junto à lareira?

Grenn concordou.

— Os deveres dele não o afastam do pátio. São mais os dias em que está lá lutando com alguém do que os outros.

Sam tinha de admitir que aquilo era verdade. Uma vez, quando Jon viera consultar o Meistre Aemon, Sam perguntara-lhe porque passava tanto tempo praticando com a espada. “O Velho Urso nunca treinou muito quando era Senhor Comandante” fizera notar. Em resposta, Jon pusera Garralonga na mão de Sam. Deixara-o sentir a leveza, o equilíbrio, fizera-o virar a lâmina para que as ondulações cintilassem no metal escuro como fumo.

“Aço valiriano” dissera, “ forjado com feitiços e afiado como uma navalha, praticamente indestrutível. Um espadachim deve ser tão bom como a sua espada, Sam. Garralonga é aço valiriano, mas eu não sou. O Meia-Mao podia ter me matado com a mesma facilidade com que você esmaga um inseto”.

Sam devolvera-lhe a espada.

— Quando eu tento esmagar um inseto, ele voa sempre para longe.

Só consigo dar uma palmada no braço. Isto arde. — Aquilo fizera Jon rir. —Como quiser. Qhorin podia ter me matado com a mesma facilidade com que você come uma tigela de mingau de aveia. — Sam gostava de mingau de aveia, especialmente quando era adoçado com mel.

— Não tenho tempo para isto. — Sam deixou os amigos e dirigiu-se ao armeiro, apertando os livros ao peito. Sou o escudo que defende os reinos dos homens, recordou. Perguntou a si próprio o que esses homens diriam se se apercebessem de que os seus reinos eram defendidos por gente como Grenn, Pyp e o Edd Doloroso.

A Torre do Senhor Comandante fora destruída pelo incêndio, e Stannis Baratheon apropriara-se da Torre do Rei para sua residência, portanto Jon Snow se estabelecera nos modestos quartos de Donal Noye por trás do armeiro. Goiva ia saindo quando Sam chegou, envolta no velho manto que lhe dera quando fugiram da Fortaleza de Craster. Quase passou por ele correndo, mas Sam pegou-lhe no braço, deixando cair dois livros ao fazê-lo.

— Goiva.

— Sam. – A voz dela parecia rouca. Goiva tinha cabelo escuro e era magra, com os grandes olhos castanhos de uma corça. Era engolida pelas dobras do velho manto de Sam, com a cara meio escondida pelo capuz, mas apesar disso tremia. A cara parecia abatida e assustada.

— O que aconteceu? – perguntou-lhe Sam. – Como estão os bebês?

Goiva libertou-se da mão dele.

— Estão bem, Sam. Bem.

— Entre os dois, é um espanto que você consiga dormir – disse Sam num tom agradável. – Qual foi o que ouvi chorando ontem à noite? Achei que nunca mais iria se calar.

— Foi o filho de Dalla. Chora quando quer mamar. O meu… o meu quase nunca chora. Às vezes gorgoleja, mas… – Os olhos dela encheram-se de lágrimas. – Tenho de ir. Já passa da hora de alimentá-los. Se não for, vou ficar cheia de leite. – Correu pelo pátio fora, deixando um Sam perplexo para trás.

Teve de se pôr de joelhos para apanhar os livros que deixara cair.

Não devia ter trazido tantos, disse a si próprio, enquanto sacudia terra do Compêndio de Jade de Colloquo Votar, um grosso volume de contos e lendas do oriente que o Meistre Aemon lhe ordenara que encontrasse. O livro parecia não ter sido danificado. Pele de Dragão, uma História da Casa Targaryen do Exílio à Apoteose, com Considerações Sobre a Vida e Morte dos Dragões, do Meistre Thomax, não tivera tanta sorte. Abrira-se ao cair, e algumas páginas tinham ficado enlameadas, incluindo uma que exibia uma imagem bastante boa de Balerion, o Terror Negro, feita com tintas coloridas.

Sam amaldiçoou-se por ser um cretino desastrado enquanto alisava as páginas e as sacudia. A presença de Goiva agitava-o sempre e levantava…

bem, coisas. Um Irmão juramentado da Patrulha da Noite não devia sentir o tipo de coisas que Goiva o fazia sentir, especialmente quando falava sobre os seios, e…

— Lorde Snow está à espera. – Dois guardas envergando mantos negros e meio-elmos de ferro encontravam-se em pé junto às portas do armeiro, encostados às lanças. Quem falara fora o Hal Peludo. Mully ajudou Sam a pôr-se de novo em pé. Proferiu um agradecimento atrapalhado e apressou-se a passar por eles, agarrando-se desesperadamente à pilha de livros enquanto abria caminho pela forja com a sua bigorna e foles. Um pacote de correspondência descansava sobre sua bancada, semi-concluida.