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- Sim, claro, da vogonidade (desculpe) da alma compassiva do poeta - prosseguiu Arthur, sentindo-se perfeitamente seguro agora -, que consegue, através da estrutura do texto, sublimar isto, transcender aquilo e apreender as dicotomias fundamentais do outro - Arthur ia agora num crescendo triunfal -, proporcionando ao leitor uma visão aprofundada e intensa do... do... ah...

- De repente, vacilou. Ford, então, deu o golpe de misericórdia:

- ...do sentido do poema, seja ele o que for. - gritou ele. E sussurrou discretamente: - Muito bem, Arthur, parabéns.

O vogon olhou-os detidamente. Por um momento, sua endurecida alma vogon fora tocada, mas em seguida ele pensou: não; é tarde demais, e muito pouco. Sua voz lembrava o som de um gato arranhando um pedaço de náilon:

- Em outras palavras, eu escrevo poesia porque, por trás da minha fachada cruel e insensível, no fundo o que eu quero é ser amado - disse ele. Após uma pausa, perguntou: - É isso?

Ford deu um risinho nervoso:

- Bem, quer dizer, é - disse ele. -Todos nós, lá no fundo, sabe... O vogon levantou-se.

- Não, vocês estão completamente enganados - disse.

- Escrevo poesia só pra ressaltar minha fachada cruel e insensível por contraste. Vou expulsar vocês da nave de qualquer jeito. Guardai Leve os prisioneiros para a câmara de descompressão número três e jogue-os para fora!

- O quê? - exclamou Ford.

Um jovem e enorme guarda vogon aproximou-se e arrancou os dois prisioneiros de suas amarras com seus brações gordos.

- Você não pode jogar a gente no espaço - gritou Ford.

- Estamos tentando escrever um livro.

- Toda resistência é inútil! - exclamou o guarda vogon. Foi essa a primeira frase que ele aprendeu quando entrou para o Batalhão de Guarda Vogon.

O comandante ficou vendo a cena, distante, divertindo-se, e depois virou-se.

Arthur olhava para todos os lados, desesperado.

- Não quero morrer agora! - gritou ele. - Ainda estou com dor de cabeça!

Não quero ir pro céu com dor de cabeça, vou ficar emburrado e não vou achar graça em nada!

O guarda agarrou os dois pelo pescoço e, curvando-se respeitosamente para o comandante, que estava de costas, arrastou-os para fora da ponte de comando; os prisioneiros protestavam sem parar. Uma porta de aço fechou-se, e o comandante estava sozinho de novo. Ele cantarolava baixinho, folheando seu caderno de poesias.

- Humm - exclamou ele -, contraponto ao surrealismo da metáfora subjacente... - Pensou nisso por um momento, então fechou o caderno com um sorriso mau. - A morte é um castigo suave demais pra eles - disse então. O longo corredor de paredes de aço ressoava as fúteis tentativas de fuga dos dois humanóides firmementes apertados nas axilas do vogon, duras como borracha.

- Isso é genial! - explodiu Arthur. - Isso é só o que faltava! Me solta, seu covardão!

O guarda vogon continuava a arrastá-los.

- Não se preocupe - disse Ford -, eu dou um jeito. - Pelo tom de voz, não parecia acreditar muito no que dizia.

- Toda resistência é inútil - urrou o guarda.

- Pare de dizer isso, por favor - gaguejou Ford. - Como é que a gente pode manter uma atitude mental positiva com você dizendo coisas assim?

- Meu Deus - reclamou Arthur -, você fala de atitude mental positiva, e olhe que o seu planeta nem foi demolido. Eu acordei hoje achando que ia passar um dia tranqüilo, ler um pouco, escovar meu cachorro... São só quatro da tarde e já estou sendo expulso de uma espaçonave extraterrestre a seis anos-luz do que resta da Terra! - Começou a engasgar, porque o vogon apertou com mais força.

- Está bem - disse Ford -, mas não entre em pânico!

- Quem é que falou em pânico? - gritou Arthur. - Isso é só choque cultural. Espere só até eu conseguir me situar e me orientar. Aí é que vou entrar em pânico!

- Arthur, você está ficando histérico. Cale a boca!

Ford estava tentando desesperadamente pensar em alguma saída, mas foi interrompido pelo grito do guarda:

- Toda resistência é inútil!

- E cale a boca você também! - exclamou Ford.

- Toda resistência é inútil!

- Ah, não me canse - disse Ford. Torceu-se todo até poder encarar o guarda. Teve uma idéia. - Você realmente gosta disso?

O vogon parou de repente, e uma expressão de imensa estupidez lentamente esboçou-se em seu rosto.

- Se eu gosto disso? - disse ele, com sua voz tonitruante. - Como assim?

- Quero dizer - explicou Ford -, isso é uma vida satisfatória pra você?

Marchar de um lado pro outro, berrando, empurrando gente pra fora de espaçonaves...

O vogon levantou os olhos para o teto baixo de aço, e suas sobrancelhas quase passaram uma por cima da outra. A boca entreabriu-se. Por fim, disse:

- Bem, o horário é bom...

- Também, tem que ser - concordou Ford. Arthur revirou a cabeça para olhar para Ford.

- Ford, que diabo você está fazendo? - sussurrou ele, espantado.

- Nada, estou só tentando entender o mundo ao meu redor, está bem? - respondeu. - Então, quer dizer que o horário é bom?

O vogon olhou-o, e nas profundezas turvas de sua mente alguns pensamentos começaram a formar-se, pesadamente.

- É - disse ele -, mas agora que você falou nisso, a maior parte do tempo é um saco. Tirando... - e parou para pensar de novo, olhando para o teto - tirando a parte de gritar, de que gosto muito. - Encheu os pulmões e urrou: - Toda resistência...

- Sei, sei - interrompeu Ford mais que depressa -, você é bom nisso, já

deu pra perceber. Mas se a maior parte do tempo é um saco - disse, lentamente, dando tempo para que suas palavras fossem bem entendidas -, então por que você continua nessa? Por quê? Por causa das garotas? O uniforme de couro? O

machismo da coisa? Ou é só por que você acha um desafio interessante enfrentar o tédio imbecilizante desse trabalho?

Arthur olhava para um e para outro, sem entender nada.

-Ah... - disse o guarda - ah... ah... sei não. Acho que eu faço isso só pra... só por fazer, sabe. A titia me disse que trabalhar como guarda de espaçonave é

uma boa carreira para um rapaz vogon, sabe, o uniforme, a pistola de raio paralisante na cintura, o tédio imbecilizante...

- Está vendo, Arthur? - disse Ford, como quem chegou à conclusão de uma argumentação. - E você que pensava que estava na pior?

Mas Arthur continuava pensando que estava na pior. Além da questão desagradável com seu planeta, o guarda vogon estava estrangulando-o, e a idéia de ser jogado no espaço também não lhe agradava, muito.

- Tente entender o problema dele - insistiu Ford. - Coitado do rapaz, o trabalho dele é só marchar de um lado pro outro, jogar gente pra fora da nave...

- E gritar - acrescentou o guarda.

- E gritar, claro - acrescentou Ford, dando tapinhas condescendentes no braço gordo apertado em torno de seu pescoço. - Mas... ele nem sabe por que faz o que faz!

Arthur concordou que era muito triste. Exprimiu esta idéia com um gesto tímido, pois estava asfixiado demais para falar.

O guarda emitia ruídos que indicavam sua perplexidade profunda.

- Bem. Do jeito que você coloca a coisa, pensando bem...

- Isso, garoto! - disse Ford, para estimulá-lo.

- Mas, nesse caso - prosseguiu o guarda -, qual é a alternativa?

- Bem - disse Ford, falando com entusiasmo, mas devagar -, parar de fazer isso, é claro! Diga a eles que você não vai continuar a fazer isso. - Teve vontade de dizer mais alguma coisa, mas sentiu que o guarda já tinha material para profundas ruminações em sua mente.