- Haaaaauuuurgghhh... - disse Arthur, sentindo que seu corpo amolecia e dobrava-se em direções inusitadas. - Southend parece estar se desmanchando... as estrelas estão rodopiando... poeira pra todo lado... minhas pernas estão resvalando para o poente... meu braço esquerdo se soltou do corpo também...
- Ocorreu-lhe um pensamento assustador: - Pô, como é que eu vou mexer no meu relógio digital agora? - Revirou os olhos, em desespero, na direção de Ford. - Ford - disse ele -, você está virando um pingüim. Pare com isso. A voz ouviu-se mais uma vez:
- Dois elevado a 75 mil contra um e diminuindo. Ford rodopiava em sua poça, num círculo furioso.
- Ei, quem é você? - disse ele, com voz de Pato Donald.
- Onde é que você está? O que está acontecendo aqui? E como é que a gente pode parar com isso?
- Por favor, relaxem - disse a voz, num tom agradável, como uma aeromoça em um avião com apenas uma asa e dois motores, um dos quais pegando fogo. - Vocês não estão correndo o menor perigo.
- Mas não é essa a questão! - disse Ford, irritado. - A questão é que agora sou um pingüim que não corre o menor perigo, e meu amigo daqui a pouco não vai ter mais membros para perder!
- Tudo bem, eles já voltaram - disse Arthur.
- Dois elevado a 50 mil contra um e diminuindo - disse a voz.
- É bem verdade - disse Arthur - que eles estão um pouco mais compridos do que eu estou acostumado, mas...
- Será que você não podia - grasnou Ford, com fúria - nos dizer uma coisa um pouco mais concreta?
A voz pigarreou. Um petit-four gigantesco foi galopando em direção ao infinito.
- Bem-vindos - disse a voz - à nave Coração de Ouro.
Prosseguiu a voz:
- Por favor, não se assustem com nada do que virem ou ouvirem. É de esperar que vocês sintam certos efeitos negativos, já que foram salvos de uma morte certa, numa probabilidade de dois elevado a 276 mil contra um, ou talvez muito mais. Estamos no momento viajando a um nível de dois elevado a 25 mil contra um e diminuindo, e estaremos voltando à normalidade assim que tivermos a certeza do que é de fato normal. Obrigado. Dois elevado a 20 mil contra um, diminuindo.
A voz calou-se.
Ford e Arthur viram-se num pequeno cubículo rosado e luminoso. Ford estava excitadíssimo.
- Arthur! - exclamou ele. - É fantástico! Fomos salvos por uma nave movida por um gerador de improbabilidade infinita! É incrível! Eu já tinha ouvido falar sobre isso antes! Esses boatos sempre foram oficialmente negados, mas devem ser verdade! Eles conseguiram! Construíram o gerador de improbabilidade infinita! Arthur, é... Arthur? O que está acontecendo?
Arthur estava se apertando contra a porta do cubículo, tentando mantêla fechada, mas a porta não encaixava bem no vão. Diversas mãozinhas peludas estavam introduzindo-se pela fresta, com os dedos sujos de tinta; vozinhas agudas tagarelavam incessantemente.
Arthur olhou para Ford.
- Ford! - exclamou ele. - Há um número infinito de macacos lá fora querendo falar conosco sobre um roteiro que eles fizeram, uma adaptação do Hamlet.
Capítulo 10
O gerador de improbabilidade infinita é uma nova e maravilhosa invenção que possibilita atravessar imensas distâncias interestelares num simples zerézimo de segundo, sem toda aquela complicação e chatice de ter que passar pelo hiperespaço.
Foi descoberto por um feliz acaso, e daí desenvolvido e posto em prática como método de propulsão pela equipe de pesquisa do governo galáctico em Damogran.
Em resumo, foi assim a sua descoberta:
O princípio de gerar pequenas quantidades de improbabilidade finita simplesmente ligando os circuitos lógicos de um Cérebro Subméson Bambleweeny 57 a uma impressora de vetor atômico suspensa num produtor de movimentos brownianos intensos (por exemplo, uma boa xícara de chá
quente) já era, naturalmente, bem conhecido - e tais geradores eram freqüentemente usados para quebrar o gelo em festas, fazendo com que todas as moléculas da calcinha da anfitriã se deslocassem 30 centímetros para a direita, de acordo com a Teoria da Indeterminação.
Muitos físicos respeitáveis afirmavam que não admitiam esse tipo de coisa - em parte porque era uma avacalhação da ciência, mas principalmente porque eles não eram convidados para essas festas.
Outra coisa que não suportavam era não conseguir construir uma máquina capaz de gerar o campo de improbabilidade infinita necessário para propulsionar uma nave através das distâncias estarrecedoras existentes entre as estrelas mais longínquas, e terminaram anunciando, contrafeitos, que era praticamente impossível construir um gerador desses.
Então, um dia, um aluno encarregado de varrer o laboratório depois de uma festa particularmente ruim desenvolveu o seguinte raciocínio: Se uma tal máquina é praticamente impossível, então logicamente se trata de uma improbabilidade finita. Assim, para criar um gerador desse tipo é só
calcular exatamente o quanto ele é improvável, alimentar esta cifra no gerador de improbabili-dades finitas, dar-lhe uma xícara de chá pelando... e ligar!
Foi o que fez, e ficou surpreso ao descobrir que havia finalmente conseguido criar o ambicionado gerador de improbabilidade infinita a partir do nada.
Ficou ainda mais surpreso quando, logo após receber o Prêmio da Extrema Engenhosidade concedido pelo Instituto Galáctico, foi linchado por uma multidão exaltada de físicos respeitáveis, que finalmente se deram conta de que a única coisa que eram realmente incapazes de suportar era um estudante metido a besta.
Capítulo 11
A cabine de controle à prova de improbabilidade na nave Coração de Ouro parecia uma espaçonave perfeitamente convencional; a única diferença é
que era perfeitamente limpa, por ser tão nova. Em alguns dos bancos, ainda nem haviam sido removidos os plásticos protetores. A cabine era basicamente branca, retangular, do tamanho de um restaurante pequeno. Na verdade, não era perfeitamente retangular: as duas paredes mais compridas eram ligeiramente curvas, paralelas, e todos os ângulos e cantos eram cheios de protuberâncias decorativas. Na verdade, teria sido bem mais simples e mais prático fazer uma cabine retangular tridimensional normal, mas isso deixaria os autores do projeto deprimidos. Fosse como fosse, a cabine parecia arrojadamente funcional, com grandes telas de vídeo por cima do painel do sistema de controle e navegação na parede côncava e longas fileiras de computadores embutidos na parede convexa. Num dos cantos havia um robô
sentado, com a cabeça de aço reluzente caída entre os joelhos de aço reluzente. O robô também era bem novo, mas embora fosse muito bem-feito e lustroso, dava a impressão de que as diferentes peças de seu corpo mais ou menos humanóide não casavam bem umas com as outras. Na verdade, elas se encaixavam perfeitamente, mas havia algo no porte do robô que dava a impressão de que elas poderiam se encaixar ainda melhor.
Zaphod Beeblebrox andava nervosamente de um lado para o outro, correndo a mão pelos equipamentos reluzentes, sem conseguir conter risinhos de entusiasmo.
Trillian estava debruçada sobre um conjunto de instrumentos, lendo números. O sistema de som transmitia sua voz para toda a nave.
- Cinco contra um e diminuindo - dizia ela. - Quatro contra um e diminuindo... três contra um... dois... um... fator de probabilidade de um para um... atingimos a normalidade, repetindo, atingimos a normalidade. -Desligou o microfone, mas depois ligou-o de novo, com um leve sorriso nos lábios, e acrescentou: - Se houver ainda alguma coisa que não consigam entender, é problema de vocês. Por favor, relaxem. Em breve vocês serão chamados.