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Jogou-se pela porta adentro e deixou Ford e Arthur olhando um para a cara do outro e dando de ombros. Ouviram a voz de Marvin vindo de dentro da cabine:

- Imagino que vocês queiram ver os alienígenas agora. Querem que eu fique sentado num canto criando ferrugem ou fique apodrecendo em pé

mesmo?

- É só mandar que eles entrem, está bem, Marvin? - disse uma outra voz. Arthur olhou para Ford e surpreendeu-se ao ver que ele estava rindo.

- O que...

- Psss - disse Ford. - Vamos. E passou pela porta.

Arthur veio atrás, nervoso, e viu com espanto um homem refestelado numa cadeira com os pés em cima do painel central de controle, palitando os dentes da cabeça direita com a mão esquerda. A cabeça direita parecia estar inteiramente absorta nesta tarefa, mas a esquerda sorria de modo jovial e simpático. Havia um número razoavelmente grande de coisas que Arthur via sem acreditar no que estava vendo. Seu queixo ficou caído por algum tempo. O homem esquisito acenou preguiçosamente para Ford, e, com um tom de voz de informalidade e descontração que era absolutamente falso, disse:

- Oi; Ford, tudo bem? Um prazer ver você por aqui.

Ford não fez por menos:

- Quanto tempo, Zaphod! Você está ótimo, esse terceiro braço ficou muito bem em você. Que beleza de nave você roubou, hein?

Arthur arregalou os olhos para Ford.

- Quer dizer que você conhece esse cara? - perguntou, apontando para Zaphod com um dedo trêmulo.

- Se eu o conheço! - exclamou Ford. - Ora, ele... - Fez uma pausa e resolveu começar as apresentações por Zaphod. - Ah, Zaphod, este aqui é

Arthur Dent, amigo meu. Eu o salvei quando o planeta dele explodiu.

- Ah, sei - disse Zaphod. - Oi, Arthur! Que bom que você escapou, não é?

- Sua cabeça direita olhou ao redor com indiferença, disse "oi" e entregou-se de novo ao palito.

Ford prosseguiu:

-Arthur, este aqui é meu semiprimo Zaphod Beeb...

- Já nos conhecemos - disse Arthur, seco.

Quando você está correndo na estrada, na pista de alta velocidade, e passa na maior tranqüilidade uma fileira de carros que estão dando tudo, e você

está muito satisfeito da vida, e de repente você vai mudar a marcha e em vez de passar da quarta para terceira passa por engano para a primeira, e o motor é

cuspido para fora do capo, todo arrebentado, a sensação que você tem é mais ou menos a que Ford sentiu quando ouviu o comentário de Arthur.

-Ah... o quê?

- Eu disse que já nos conhecemos.

Zaphod levou um susto, enfiando o palito na gengiva.

- Espere aí, você disse que nós... Quer dizer que... ah... Ford virou-se para Arthur com raiva nos olhos. Agora que ele

se sentia em casa de novo, de repente começou a arrepender-se de ter trazido consigo aquele ser primitivo e ignorante, que entendia tanto de política galáctica quanto uma mosca inglesa entende da vida em Pequim.

- Como é que você pode conhecê-lo? - perguntou ele.

- Este aqui é Zaphod Beeblebrox de Betelgeuse, e não o Martin Smith lá

de Croydon.

- Pois já nos conhecemos - teimou Arthur, frio. - Não é mesmo, Zaphod Beeblebrox... ou, se você preferir, Phil?

- O quê? - gritou Ford.

- Você vai ter que me refrescar a memória - disse Zaphod.

- Tenho uma cabeça horrível para espécies.

- Foi numa festa - insistiu Arthur.

- Olhe, eu acho difícil - disse Zaphod.

- Pare com isso, Arthur! - ordenou Ford. Arthur não desistiu:

- Uma festa, seis meses atrás. Na Terra... Na Inglaterra... Zaphod sacudiu a cabeça, apertando os lábios e sorrindo.

- Londres - prosseguiu Arthur. - Islington.

- Ah - disse Zaphod, subitamente com um olhar cheio de culpa. - Aquela festa.

Essa foi demais para Ford. Ele olhava de Arthur para Zaphod e de Zaphod para Arthur.

- Você está me dizendo que você também esteve naquela porcaria daquele planetinha?

- Não, claro que não - disse Zaphod, sorridente. - Bem, pode ser que eu tenha dado um pulinho lá, só de passagem, sabe, indo pra um outro lugar qualquer...

- Pois eu fiquei preso lá 15 anos!

- Bem, como eu poderia saber?

- Mas o que é que você estava fazendo lá?

- Nada, só olhando.

- Ele entrou numa festa de penetra - disse Arthur, tremendo de raiva. - Uma festa a rigor.

- Você não faz por menos, não é? - disse Ford.

- Nessa festa - prosseguiu Arthur -, tinha uma garota que... ora, deixe isso pra lá. O planeta todo desapareceu, afinal...

- Você também não pára de ruminar sobre essa porcaria desse planeta - disse Ford. - Quem era a moça?

- Ah, uma garota, sei lá. É, admito que eu não estava conseguindo me dar bem com ela. Tentei a noite inteira. Mas ela era um barato. Linda, charmosa, inteligentíssima; finalmente eu consegui entrar na dela e estava levando uma conversa quando este seu amigo me aparece em cena e diz assim: Ô coisa linda, esse cara está chateando você? Por que você não vem conversar comigo? Eu sou de outro planeta. Nunca mais vi a garota.

- Zaphod! - exclamou Ford.

- É - disse Arthur, olhando fixamente para ele e tentando não se sentir ridículo. - Ele só tinha dois braços e uma cabeça e se apresentou como Phil, mas...

- Mas você tem que reconhecer que ele era mesmo de outro planeta - disse Trillian, aproximando-se, vindo do outro lado do recinto. Dirigiu a Arthur um sorriso agradável, que o atingiu como se fosse uma tonelada de tijolos, e depois voltou aos controles da nave.

Fez-se silêncio por alguns segundos, e então do cérebro aturdido de Arthur escaparam algumas palavras:

- Tricia McMillan? O que você está fazendo aqui?

- O mesmo que você - disse ela. - Peguei uma carona. Afinal, formada em matemática e astrofísica, o que mais eu podia fazer? Se não viesse pra cá, ia ter que continuar na fila do auxílio-desemprego.

- Infinito menos um - disse o computador. - Soma de improbabilidade agora completa.

Zaphod olhou a seu redor, para Ford, Arthur e depois Trillian.

- Trillian - disse ele -, esse tipo de coisa vai acontecer toda vez que a gente usar o gerador de improbabilidade?

- Creio que muito provavelmente - disse ela.

Capítulo 14

A nave Coração de Ouro voava silenciosamente pela escuridão do espaço, agora movida pelo motor convencional, a fótons. Seus quatro passageiros estavam intranqüilos, sabendo que haviam sido reunidos não por sua própria vontade ou por simples coincidência, e sim por uma curiosa perversão da física - como se as relações entre pessoas fossem regidas pelas mesmas leis que regiam o comportamento dos átomos e moléculas. Quando caiu a noite artificial da nave, todos ficaram satisfeitos de ir cada um para sua cabine e tentar acertar as suas idéias.

Trillian não conseguia dormir. Sentada num sofá, olhava fixamente para uma pequena gaiola que continha os últimos vínculos com a Terra que lhe restavam - dois ratos brancos que ela insistira em trazer. Jamais pretendera voltar à Terra, porém perturbava-a a sua própria reação negativa ao saber que o planeta fora destruído. Parecia algo de remoto e irreal, e ela não conseguia encontrar pensamentos apropriados a respeito. Ficou vendo os ratos zanzando de um lado para o outro em sua gaiola, ou correndo furiosamente sem sair do lugar numa roda de exercício; acabou ficando totalmente absorta no espetáculo dos ratos. De repente sacudiu-se e voltou à ponte de comando para olhar as luzinhas e números que indicavam a trajetória da nave através do espaço vazio. Ela tentava descobrir qual era o pensamento que estava tentando evitar. Zaphod não conseguia dormir. Também queria saber qual era o pensamento que não se permitia pensar. Ele sempre sofrerá da sensação incômoda de não estar completamente presente. Na maior parte do tempo, conseguia pôr de lado essa idéia e não se preocupar com ela, mas tais pensamentos haviam retomado com a chegada inesperada de Ford Prefect e Arthur Dent. De algum modo, aquilo parecia fazer um sentido que ele não conseguia entender.