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"Fui ao compartimento médico da nave e me liguei ao encefalógrafo. Fiz todos os testes mais importantes com minhas duas cabeças, todos os testes que eu tive que fazer com os médicos do governo para poder ratificar minha nomeação para a presidência. Não deu nada. Quero dizer, nada de inesperado. Deu que era inteligente, cheio de imaginação, irresponsável, nada confiável, extrovertido - tudo o que vocês já sabem. Nenhuma outra anomalia. Então comecei a inventar outros testes, completamente aleatórios. Nada. Aí tentei fazer uma superposição dos resultados referentes a uma das cabeças com os da outra. Nada. Aí resolvi que era só paranóia. Antes de guardar os equipamentos, peguei a foto da superposição e olhei pra ela através de um filtro verde. Você se lembra da minha superstição em relação à cor verde quando eu era garoto? Eu sempre quis ser astronauta mercante. Ford concordou com a cabeça.

- E não deu outra - disse Zaphod. - No meio dos cérebros havia em cada um deles uma seção, e elas só estavam relacionadas uma com a outra, mas sem relação com o que estava em volta delas. Algum sacana cauterizou todas as sinapses e traumatizou eletronicamente aqueles dois pedaços do cérebro. Ford arregalou os olhos. Trillian estava branca.

- Alguém fez isso com você? - sussurrou Ford. -É.

- Mas você faz alguma idéia de quem foi? E por quê?

- Por quê? Tenho uns palpites, só isso. Mas sei quem foi o sacana.

- Sabe? Como?

- Porque deixaram as iniciais marcadas nas sinapses cauteri-zadas. De propósito, pra eu saber.

Ford olhou para ele horrorizado; estava todo arrepiado.

- Iniciais? Marcadas no seu cérebro? -É.

- Mas quais eram as iniciais, afinal?

Zaphod olhou para ele em silêncio por um momento. Então desviou a vista.

- Z. B. - disse, em voz baixa.

Neste momento, uma porta de aço fechou-se atrás dele e o recinto começou a encher-se de gás.

- Depois eu explico - disse Zaphod, tossindo, e os três desmaiaram. Capítulo 21

Na superfície de Magrathea, Arthur andava de um lado para o outro, emburrado.

Para distraí-lo, Ford tivera a idéia de emprestar-lhe seu Guia do Mochileiro das Galáxias. Arthur apertou alguns botões aleatoriamente. O Guia do Mochileiro das Galáxias é uma obra organizada de modo um tanto caótico e contém diversos trechos que foram incluídos simplesmente porque na hora os organizadores acharam que era uma boa idéia.

Um desses trechos (foi o que Arthur leu nesse momento) supostamente é o relato das experiências de um certo Veet Voojagig, jovem e tímido estudante da Universidade de Maximegalon, que seguiu uma carreira brilhante estudando filologia arcaica, ética transformacional e a teoria ondulatória-harmônica da percepção histórica, e que, após uma noite bebendo Dinamite Pangaláctica com Zaphod Beeblebrox, começou a ficar obcecado com o que teria acontecido com todas as esferográficas que ele havia comprado nos últimos anos.

Seguiu-se um longo período de pesquisas meticulosas, durante o qual Voojagig visitou todos os principais centros de perdas de esferográficas da Galáxia, e terminou formulando uma curiosa teoria que se popularizou muito na época. Em algum lugar no cosmos - afirmou ele -, além de todos os planetas habitados por humanóides, reptilóides, peixóides, arvoróides ambulantes e tons de azul superinteligentes, haveria também um planeta habitado exclusivamente por seres vivos esferografóides. E era para esse planeta que iam todas as esferográficas perdidas e abandonadas, escapulindo por buraquinhos no espaço para um mundo onde elas podiam viver uma vida esferografóide, reagir a estímulos de caráter eminentemente esferografitico - em suma, levar a vida com que sonha toda esferográfica.

Como teoria, isso era bastante interessante. Mas, um dia, Veet Voojagig resolveu afirmar que havia descoberto esse planeta, onde teria trabalhado por algum tempo como chofer de uma família de canetas verdes baratas de ponta retrátil. Então Voojagig foi internado, escreveu um livro e terminou como exilado tributário, que é o que costuma acontecer com aqueles que fazem papel de bobo publicamente. Quando, um dia, foi enviada uma expedição para as coordenadas espaciais onde, segundo Voojagig, se encontraria o tal planeta, acharam apenas um pequeno asteróide cujo único habitante era um velhinho, o qual vivia afirmando que nada era verdade, se bem que mais tarde constatou-se que ele estava mentindo. Porém permaneceram sem resposta duas questões: a misteriosa quantia anual de 60.000 dólares altairenses depositada na sua conta, em Brantisvogan; e, naturalmente, a lucrativa empresa de comércio de esferográficas de segunda mão de propriedade de Zaphod Beeblebrox.

Depois de ler essa passagem, Arthur largou o livro. O robô continuava sentado, completamente inerte.

Arthur levantou-se e caminhou até o alto da borda da cratera. Ficou andando em torno da depressão, vendo os dois sóis de Magrathea se pondo, uma cena magnífica.

Desceu para o centro da cratera outra vez. Acordou o robô, porque é

melhor falar até mesmo com um robô maníaco-depressivo do que falar sozinho.

- Está anoitecendo - disse Arthur. - Veja, robô, as estrelas estão aparecendo.

Do interior de uma nebulosa escura só se pode ver um pequeno número de estrelas, e assim mesmo muito fracas; mas era melhor que nada. Obediente, o robô olhou para o céu e depois baixou a vista.

- É - disse ele. - Que droga, não é?

- Mas aquele pôr-do-sol! Nunca vi nada igual, nem nos meus sonhos mais alucinantes... dois sóis! Era como montanhas de fogo ardendo contra o céu.

- Já vi esse tipo de coisa - disse Marvin. - Um saco.

- Lá na Terra a gente só tinha um sol - insistiu Arthur. - Sou de um planeta que se chamava Terra, você sabe.

- Sei, sim - disse Marvin. - Você não fala noutra coisa. Pelo que você diz, devia ser horrível.

-Ah, não, era um lugar belíssimo...

- Tinha oceanos?

- Se tinha! - disse Arthur, suspirando. - Oceanos enormes, com ondas, bem azuis...

- Não tolero oceanos - disse Marvin.

- Me diga uma coisa... - disse Arthur. - Você se dá bem com os outros robôs?

- Detesto todos - disse Marvin. - Aonde você vai? Arthur não agüentava mais. Levantou-se.

- Acho que vou dar mais uma volta.

- É, eu entendo - disse Marvin, e contou 597 bilhões de carneiros até

conseguir adormecer de novo.

Arthur ficou dando tapinhas nos seus próprios braços para estimular a circulação. Recomeçou a subir a borda da cratera.

Como a atmosfera era muito rarefeita e não havia lua, a noite caía muito depressa, e já estava muito escuro. Por isso, Arthur só viu o velho quando já

estava quase esbarrando nele.

Capítulo 22

O velho estava de costas para Arthur, contemplando os últimos vestígios de luz que desapareciam no horizonte. Era um velho alto, que trajava uma longa túnica cinzenta. Quando se virou, revelou um rosto fino e nobre, envelhecido porém bondoso, o tipo de rosto que você gosta de ver no gerente do seu banco. Mas ele não se virou nem mesmo quando Arthur soltou uma interjeição de espanto.