- Todo mundo? - repetiu Arthur. - Bem, se todo mundo tem isso, então talvez isso queira dizer alguma coisa. Quem sabe em algum lugar fora do Universo que conhecemos...
- Talvez. E daí? - disse Slartibartfast, antes que Arthur ficasse muito excitado com a idéia. -Talvez eu esteja velho e cansado, mas acho que a probabilidade de descobrir o que realmente está acontecendo é tão absurdamente remota que a única coisa a fazer é deixar isso pra lá e simplesmente arranjar alguma coisa pra fazer. Veja o meu caso: eu trabalho em litorais. Ganhei um prêmio pela Noruega. - Começou a remexer no meio de uma pilha de cacarecos, tirou dela um grande bloco de acrílico contendo um modelo da Noruega e mais o nome dele.
- O que adiantou ganhar isso? Que eu saiba, nada. Passei a vida inteira fazendo fiordes. De repente, durante algum tempo, eles entraram em moda e eu ganhei um grande prêmio.
- Revirou o bloco de acrílico na mão e, dando de ombros, jogou-o para o lado, descuidadamente, mas não tão descuidadamente que não desse um jeito de fazer com que o troféu caísse sobre alguma coisa macia. - Nesta Terra substituta que estamos construindo me encarregaram da África, e é claro que estou carregando nos fiordes, porque eu gosto, e sou um sujeito antiquado a ponto de achar que os fiordes dão um belo toque barroco num continente. E
agora estão me dizendo que isso não condiz com o caráter equatorial do lugar. Equatorial!
- soltou uma risada sarcástica. - Que importância tem isso? A ciência conseguiu algumas coisas fantásticas, não vou negar, mas acho mais importante estar feliz do que estar certo.
- E o senhor está feliz?
- Não. Aí é que está o problema, é claro.
- Que pena - disse Arthur, com sentimento. - Estava me parecendo um estilo de vida e tanto.
Uma luzinha branca se acendeu na parede.
- Vamos - disse Slartibartfast -, você vai conhecer os ratos. A sua chegada a esse planeta causou muito rebuliço. Parece que alguém já fez o cálculo, e é o terceiro evento mais improvável na história do Universo.
- Quais são os dois primeiros?
- Ah, provavelmente apenas coincidências - disse Slartibartfast, dando de ombros. Abriu a porta e esperou que Arthur o seguisse.
Arthur olhou ao redor mais uma vez e depois para suas próprias roupas, as mesmas roupas suadas e sujas com as quais havia se deitado na lama na manhã de quinta-feira.
- Estou tendo sérios problemas com meu estilo de vida - murmurou Arthur.
- O quê? - perguntou o velho.
- Ah; nada. Eu estava só brincando.
Capítulo 31
Como todos sabem, palavras ditas impensadamente podem custar muitas vidas, mas nem todos sabem como esse problema é sério. Por exemplo, no exato momento em que Arthur disse "estou tendo sérios problemas com meu estilo de vida", abriu-se um buraco aleatório na textura do contínuo espaço-tempo que transportou as palavras de Arthur para um passado muito remoto, para uma distância espacial quase infinita, até uma galáxia distante onde estranhos seres belicosos estavam prestes a dar início a uma terrível batalha interestelar.
Os dois líderes adversários estavam se encontrando pela última vez. Fez-se um silêncio terrível na mesa de reuniões quando o comandante dos vl'hurgs, com seu resplandecente short de batalha negro cravejado de pedras preciosas, encarou o líder dos g'gugvuntts, de cócoras à sua frente, numa nuvem de vapor verde e odorífico, e, cercado de um milhão de cruzadores estelares aerodinâmicos e armados até os dentes, preparados para desencadear a morte elétrica assim que ele desse a ordem, desafiou a vil criatura a retirar o que ela tinha dito a respeito da mãe dele. A criatura remexeu-se em sua nuvem de vapor escaldante e pestilento e, neste exato momento, ouviram-se as palavras Estou tendo sérios problemas com meu estilo de vida na sala de reuniões.
Infelizmente, na língua dos vl'hurgs isto era o pior insulto possível, e não havia reação possível senão desencadear uma terrível guerra, que durou séculos.
Naturalmente, quando, alguns milênios depois, quando a galáxia em questão havia sido devastada, descobriu-se que tudo não passara de um lamentável mal-entendido; e assim as duas frotas inimigas resolveram acertar as poucas diferenças que ainda tinham e unir-se para atacar a nossa Galáxia, já
identificada, com absoluta certeza, como fonte do comentário ofensivo. Durante milhares de anos, as naves majestosas atravessaram os imensos espaços vazios intergalácticos, finalmente parando no primeiro planeta que encontraram, que era, por acaso, a Terra; e lá, devido a um erro colossal de escala, toda a frota foi acidentalmente engolida por um cachorrinho. Aqueles que estudam o complexo inter-relacionamento entre causas e efeitos na história do Universo dizem que esse tipo de coisa acontece o tempo todo, mas nós não podemos fazer nada.
- A vida é assim mesmo - dizem eles.
Após uma curta viagem de aeromóvel, Arthur e o velho magratheano chegaram a uma porta. Saltaram do veículo e entraram numa sala de espera cheia de mesas de vidro e troféus de acrílico. Quase imediatamente, uma luz começou a piscar acima da porta no lado oposto do recinto.
- Arthur! Você está bem! - exclamou a voz.
- Estou mesmo? - perguntou Arthur, um tanto assustado. - Que bom. A luz era pouca, e demorou algum tempo para que ele reconhecesse Ford, Trillian e Zaphod, sentados em volta de uma mesa em que se via uma bela refeição: pratos exóticos, doces estranhos e frutas bizarras. Os três estavam tirando a barriga da miséria.
- O que aconteceu com vocês? - perguntou Arthur.
- Bem - disse Zaphod, atacando um músculo grelhado -, os nossos anfitriões nos desacordaram com um gás, depois bagunçaram totalmente todos os nossos sentidos, agiram de várias formas estranhas e agora, pra compensar, estão nos oferecendo um senhor jantar. Tome - disse, estendendo um pedaço de carne malcheirosa que estava numa tigela -, prove essa costeleta de rinoceronte de Vegan. Pra quem gosta, é uma iguaria.
- Anfitriões? - exclamou Arthur. - Que anfitriões? Não estou vendo nenhum...
Uma vozinha então falou:
- Seja bem-vindo, terráqueo.
Arthur olhou para a mesa e soltou uma interjeição de asco.
- Argh! Tem ratos na mesa!
Houve um silêncio constrangedor; todos dirigiram olhares significativos a Arthur.
Ele olhava para os dois ratos brancos que estavam dentro de objetos semelhantes a copos de uísque. Percebeu o silêncio e olhou para as caras de seus companheiros.
- Ah!. - exclamou, entendendo tudo de repente. - Desculpe, é que eu não estava preparado pra...
- Permita-me apresentar-lhe Benjy - disse Trillian.
- Prazer - disse um dos ratos, tocando com os bigodes o que devia ser um painel sensível ao tato no interior do recipiente de vidro, o qual avançou um pouco.
- E esse aqui é Frankie.
- Muito prazer - disse o outro rato, e seu recipiente também avançou. Arthur estava boquiaberto.
- Mas esses não são...?
- São eles - disse Trillian. - São mesmo os ratos que eu trouxe da Terra. Ela encarou Arthur, e ele julgou perceber era seu olhar uma sutil expressão de resignação.
- Me passa essa tigela de megamula arcturiana gratinada, sim? - pediu ela.
Slartibartfast pigarreou discretamente.
- Ah, com licença... - disse ele.
- Sim, obrigado, Slartibartfast - disse Benjy, seco. - Você pode retirar-se.