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Apoiou o peso do corpo numa das pernas, depois na outra, mas sentiu-se igualmente desconfortável com as duas. Era óbvio que alguém havia sido terrivelmente incompetente, e ele pedia a Deus que não fosse ele.

- O senhor teve um longo prazo a seu dispor para fazer quaisquer sugestões ou reclamações, como o senhor sabe -disse o Sr. Prosser.

- Um longo prazo? - exclamou Arthur. - Longo prazo? Eu só soube dessa história quando chegou um operário na minha casa ontem. Perguntei a ele se tinha vindo para lavar as janelas e ele respondeu que não, vinha para demolir a casa. É claro que não me disse isso logo. Claro que não. Primeiro lavou umas duas janelas e me cobrou cinco pratas. Depois é que me contou.

- Mas, Sr. Dent, o projeto estava à sua disposição na Secretaria de Obras há nove meses.

- Pois é. Assim que eu soube fui lá me informar, ontem à tarde. Vocês não se esforçaram muito para divulgar o projeto, não é verdade? Quer dizer, não chegaram a comunicar às pessoas nem nada.

- Mas o projeto estava em exposição...

- Em exposição? Tive que descer ao porão pra encontrar o projeto.

- É no porão que os projetos ficam em exposição.

- Com uma lanterna.

- Ah, provavelmente estava faltando luz.

- Faltavam as escadas, também.

- Mas, afinal, o senhor encontrou o projeto, não foi?

- Encontrei, sim - disse Arthur. - Estava em exibição no fundo de um arquivo trancado, jogado num banheiro fora de uso, cuja porta tinha a placa: Cuidado com o leopardo.

Uma nuvem passou no céu. Projetou uma sombra sobre Arthur Dent, deitado na lama fria, apoiado no cotovelo. Projetou uma sombra sobre a casa de Arthur Dent. O Sr. Prosser olhou-a, de cara feia.

- Não chega a ser uma casa particularmente bonita.

- Perdão, mas por acaso gosto dela.

- O senhor vai gostar do desvio.

- Ah, cale a bocal Cale a boca e vá embora, você e a porcaria do seu desvio. Você sabe muito bem que está completamente sem razão. A boca do Sr. Prosser abriu-se e fechou-se umas duas vezes, enquanto por uns momentos seu cérebro foi invadido por visões inexplicáveis, porém terrivelmente atraentes: via a casa de Arthur Dent sendo consumida pelas chamas, enquanto o próprio Arthur corria aos gritos do incêndio, com pelo menos três lanças bem compridas enfiadas em suas costas. Visões como essas freqüentemente perturbavam o Sr. Prosser e o deixavam nervoso. Gaguejou por uns instantes e depois recuperou a calma.

- Sr. Dent.

- Sim? O que é?

- Gostaria de ressaltar alguns fatos para o senhor. O senhor sabe que danos esse trator sofreria se eu deixasse ele passar por cima do senhor?

- O quê?

- Absolutamente zero - disse o Sr. Prosser, afastando-se rapidamente, nervoso, sem entender por que seu cérebro estava cheio de cavaleiros cabeludos que gritavam com ele.

Por uma curiosa coincidência, "absolutamente zero" era o quanto o descendente dos primatas Arthur Dent suspeitava que um de seus amigos mais íntimos não descendia dos primatas, sendo, na verdade, de um pequeno planeta perto de Betelgeuse, e não de Guildford, como costumava dizer. Tal suspeita jamais passara pela cabeça de Arthur Dent.

Esse seu amigo havia chegado ao planeta Terra há uns 15 anos terráqueos e se esforçara ao máximo no sentido de se integrar na sociedade terráquea - com certo sucesso, deve-se reconhecer. Assim, por exemplo, ele passara esses 15 anos fingindo ser um ator desempregado, o que era perfeitamente plausível.

Porém cometera um erro gritante, por ter sido um pouco displicente em suas pesquisas preparatórias. As informações de que ele dispunha o levaram a escolher o nome "Ford Prefect", achando que era um nome bem comum, que passaria despercebido.

Não era alto a ponto de chamar atenção, e suas feições eram atraentes, mas não a ponto de chamar a atenção. Seus cabelos eram avermelhados e crespos e ele os penteava para trás. Sua pele parecia ter sido puxada a partir do nariz. Havia algo de ligeiramente estranho nele, mas era algo muito sutil, difícil de identificar. Talvez os olhos dele piscassem menos que o normal, de modo que quem ficasse conversando com ele algum tempo acabava com os olhos cheios d'água de aflição. Talvez o sorriso dele fosse um pouco largo demais e desse a sensação desagradável de que estava prestes a morder o pescoço de seu interlocutor.

Para a maioria dos amigos que fizera na Terra era um sujeito excêntrico, porém inofensivo: um beberrão com alguns hábitos meio estranhos. Por exemplo, ele costumava entrar de penetra em festas na universidade, tomar um porre colossal e depois começava a gozar qualquer astrofísico que encontrasse, até que o expulsassem da festa.

Às vezes ele ficava desligado, olhando distraído para o céu, como se estivesse hipnotizado, até que alguém lhe perguntava o que ele estava fazendo. Então, por um instante, Ford ficava assustado, com um ar culpado, mas logo relaxava e sorria.

- Ah, estou só procurando discos voadores - brincava, e todo mundo ria e lhe perguntava que tipo de discos voadores ele estava procurando. - Dos verdes! - ele respondia com um sorriso irônico, depois ria às gargalhadas por alguns instantes e daí corria até o bar mais próximo e pagava uma enorme rodada de bebidas.

Essas noites normalmente terminavam mal. Ford tomava uísque até ficar totalmente bêbado, se encolhia num canto com uma garota qualquer e dizia a ela, com voz pastosa, que na verdade a cor dos discos voadores não tinha muita importância.

Depois, cambaleando meio torto pelas ruas, de madrugada, com freqüência perguntava aos policiais que passavam como se ia para Betelgeuse. Os policiais normalmente diziam algo assim:

- O senhor não acha que é hora de ir pra casa?

- É o que eu estou tentando fazer, meu chapa, estou tentando - era o que Ford sempre respondia nessas ocasiões.

Na verdade, o que ele realmente procurava quando ficava olhando para o céu era qualquer tipo de discos voadores. Ele falava em discos voadores verdes porque o verde era a cor tradicional do uniforme dos astronautas mercantes de Betelgeuse.

Ford Prefect já havia perdido as esperanças de que aparecesse um disco voador porque 15 anos é muito tempo para ficar preso em qualquer lugar, principalmente num lugar tão absurdamente chato quanto a Terra. Ford queria que chegasse logo um disco voador porque sabia fazer sinal para discos voadores descerem e porque queria pegar carona num deles. Ele sabia ver as Maravilhas do Universo por menos de 30 dólares altairianos por dia.

Na verdade, Ford Prefect era pesquisador de campo desse fabuloso livro chamado O Guia do Mochileiro das Galáxias.

Os seres humanos se adaptam a tudo com muita facilidade. Assim, quando chegou a hora do almoço, nos arredores da casa de Arthur já havia se estabelecido uma rotina. O papel de Arthur era o de ficar se espojando na lama, pedindo de vez em quando que chamassem seu advogado, sua mãe ou lhe trouxessem um bom livro. O Sr. Prosser ficou com o papel de tentar novas táticas de persuasão com Arthur de vez em quando, usando o papo do Para o Bem de Todos, o da Marcha Inevitável do Progresso, o de Sabe que Uma Vez Derrubaram Minha Casa Também mas Continuei com Minha Vida Normalmente, bem como diversos outros tipos de propostas e ameaças. O