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- Está bem - disse Ford. - Qual seria a sua reação se eu lhe dissesse que não sou de Guildford e sim de um pequeno planeta perto de Betelgeuse?

Arthur deu de ombros, com indiferença.

- Sei lá - disse, bebendo um gole. - Por quê? Você acha que é capaz de dizer uma coisa dessas?

Ford desistiu. Realmente, não valia a pena se preocupar com aquilo naquele momento, com o fim do mundo tão próximo e tudo o mais. Limitou-se a dizer:

- Beba. - E acrescentou, como quem dá uma informação como outra qualquer: - O fim do mundo está próximo.

Arthur sorriu sem graça para o resto do bar, outra vez. O resto do bar fez cara feia para ele. Um homem lhe fez sinal para que parasse de sorrir para eles e cuidasse de sua própria vida.

"Hoje deve ser quinta-feira", pensou Arthur, debruçando-se sobre o chope. "Nunca consegui entender qual é a das quintas-feiras." Capítulo 3

Nessa quinta-feira em particular, alguma coisa deslocava-se silenciosamente através da ionosfera, muitos quilômetros acima da superfície do planeta; aliás, muitas "algumas coisas", dezenas de coisas achatadas, grandes e amarelas, cada uma do tamanho de um quarteirão de prédios, silenciosas como pássaros. Voavam serenas, banhando-se nos raios eletromagnéticos emitidos pela estrela Sol, sem pressa, agrupando-se, preparando-se. O planeta lá embaixo ignorava sua presença quase completamente, o que era justamente o que elas queriam. Aquelas coisas amarelas passaram por Goonhilly despercebidas; sobrevoaram Cabo Canaveral sem que os radares acusassem nada; Woomera e Jodrell Bank ignoraram sua passagem - uma pena, já que era exatamente esse tipo de coisa que estavam procurando há muitos anos.

A única coisa que acusou sua presença foi um aparelhinho preto chamado sensormático subeta, que ficou piscando discretamente na escuridão da mochila de couro que Ford Prefect sempre levava consigo. O conteúdo da mochila de Ford era bastante interessante: se algum físico terráqueo olhasse dentro dela, seus olhos saltariam para fora das órbitas. Era para esconder essas coisas que Ford sempre jogava por cima de tudo, na mochila, um ou dois roteiros amassados de peças de teatro, dizendo que estava estudando um papel para uma peça. Além do sensormático subeta e dos roteiros, Ford levava um polegar eletrônico - um bastão curto e grosso, preto, liso e fosco, com interruptores e ponteiros numa das extremidades - e um aparelho que parecia uma calculadora eletrônica das grandes. Este último possuía cerca de 100

pequenos botões planos e uma tela quadrada de dez centímetros, na qual podia ser exibida instantaneamente qualquer uma dentre um milhão de "páginas". Parecia um aparelho absurdamente complicado, e esse era um dos motivos pelos quais a capa plástica do dispositivo trazia a frase NÃO ENTRE EM

PÂNICO em letras grandes e amigáveis. O outro motivo era o fato de que este aparelho era na verdade o mais extraordinário livro jamais publicado pelas grandes editoras da Ursa Menor - O Guia do Mochileiro das Galáxias. O livro era publicado sob a forma de um microcomponente eletrônico subméson porque, se fosse impresso de forma convencional, um mochileiro interestelar iria precisar de diversos prédios desconfortavelmente grandes para acomodar sua biblioteca. No fundo da mochila de Ford Prefect havia algumas esferográficas, um bloco de anotações e uma toalha de banho grande, comprada na Marks and Spencer.

O Guia do Mochileiro das Galáxias faz algumas afirmações a respeito das toalhas.

Segundo ele, a toalha é um dos objetos mais úteis para um mochileiro interestelar. Em parte devido a seu valor prático: você pode usar a toalha como agasalho quando atravessar as frias luas de Beta de Jagla; pode deitar-se sobre ela nas reluzentes praias de areia marmórea de Santragino V, respirando os inebriantes vapores marítimos; você pode dormir debaixo dela sob as estrelas que brilham avermelhadas no mundo desértico de Kakrafoon; pode usá-la como vela para descer numa minijangada as águas lentas e pesadas do rio Moth; pode umedecê-la e utilizá-la para lutar em um combate corpo a corpo; enrolá-la em torno da cabeça para proteger-se de emanações tóxicas ou para evitar o olhar da Terrível Besta Voraz de Traal (um animal estonteantemente burro, que acha que, se você não pode vê-lo, ele também não pode ver você - estúpido feito uma anta, mas muito, muito voraz); você pode agitar a toalha em situações de emergência para pedir socorro; e naturalmente pode usá-la para enxugar-se com ela se ainda estiver razoavelmente limpa.

Porém o mais importante é o imenso valor psicológico da toalha. Por algum motivo, quando um estrito (isto é, um não-mochileiro) descobre que um mochileiro tem uma toalha, ele automaticamente conclui que ele tem também escova de dentes, esponja, sabonete, lata de biscoitos, garrafinha de aguardente, bússola, mapa, barbante, repelente, capa de chuva, traje espacial, etc, etc. Além disso, o estrito terá prazer em emprestar ao mochileiro qualquer um desses objetos, ou muitos outros, que o mochileiro por acaso tenha "acidentalmente perdido". O que o estrito vai pensar é que, se um sujeito é capaz de rodar por toda a Galáxia, acampar, pedir carona, lutar contra terríveis obstáculos, dar a volta por cima e ainda assim saber onde está sua toalha, esse sujeito claramente merece respeito.

Daí a expressão que entrou na gíria dos mochileiros, exemplificada na seguinte frase: "Vem cá, você sancha esse cara dupal, o Ford Prefect? Taí um mingo que sabe onde guarda a toalha." (Sancha: conhecer, estar ciente de, encontrar, ter relações sexuais com; dupaclass="underline" cara muito incrível; mingo: cara realmente muito incrível.) Bem enroladinho na toalha, dentro da mochila de Ford Prefect, o sensormático subeta começou a piscar mais depressa. Quilômetros acima da superfície do planeta, as enormes algumas coisas amarelas começaram a se espalhar. No observatório de Jodrell Bank, alguém resolveu que era hora de tomar um chá.

-Você tem uma toalha aí? - Ford perguntou a Arthur de repente. Arthur, lutando com seu terceiro caneco de chope, olhou ao redor.

- Uma toalha? Bem, não... por que, era pra eu ter? - Arthur havia desistido de sentir-se surpreso; pelo visto, não adiantava nada. Ford estalou a língua, irritado.

- Beba - insistiu.

Naquele momento, o ruído surdo de alguma coisa se espatifando, vindo da rua, misturou-se ao murmúrio de vozes dentro do bar, à música da jukebox e aos soluços do homem ao lado de Ford, para quem ele acabara pagando um uísque.

Arthur engasgou-se com a cerveja e pôs-se de pé num salto.

- O que foi isso? - gritou.

- Não se preocupe - disse Ford. - Eles ainda não começaram.

- Ainda bem - disse Arthur, relaxando.

- Deve ser só a sua casa sendo demolida - disse Ford, virando seu último chope.

- O quê? - berrou Arthur. De repente quebrou-se o encantamento que Ford lançara sobre ele. Arthur olhou ao redor, desesperado, e correu até a janela. — Meu Deus, é isso mesmo! Estão derrubando a minha casa. Que diabo eu estou fazendo aqui neste bar, Ford?