- A essa altura do, campeonato, não tem muita importância - disse Ford. - Deixe que eles se divirtam.
- Isso lá é diversão? - gritou Arthur. - Diversão!
Ele olhou de novo pela janela e constatou que ambos estavam falando sobre a mesma coisa.
- Diversão, o cacete! - berrou Arthur, e saiu correndo do bar furioso, brandindo uma caneca de chope quase vazia. Naquele dia, Arthur definitivamente não fez amigos no bar.
- Parem, seus vândalos! Destruidores de lares! - gritava Arthur. - Seus visigodos malucos, parem com isso!
Ford teria de ir atrás dele. Virou-se depressa para o barman e pediu-lhe quatro pacotes de amendoins.
- Tome aí - disse o barman, colocando os pacotes no balcão. - São 28
pence, por favor.
Ford foi generoso: deu ao homem mais uma nota de cinco libras e disse que ficasse com o troco. O barman olhou para a nota e depois para Ford. De repente estremeceu: teve momentaneamente uma sensação que não compreendeu, porque nenhum terráqueo jamais a experimentara antes. Em momentos de grande tensão, todas as formas de vida existentes emitem um pequeno sinal subliminar. Este sinal simplesmente comunica uma noção exata e quase patética do quanto a criatura em questão está longe de seu local de nascimento. Na Terra, nunca se pode estar a mais de 26 mil quilômetros do local de nascimento, uma distância não muito grande, na verdade, e portanto esses sinais são demasiadamente fracos para serem percebidos. Ford Prefect estava naquele momento sob grande tensão, e nascera a 600 anos-luz dali, perto de Betelgeuse.
O barman ficou desnorteado por um momento, atingido pela sensação chocante e incompreensível de distância. Ele não sabia o que significava aquilo, mas olhou para Ford Prefect com mais respeito, quase com reverência.
- O senhor está falando sério? - perguntou ele, sussurrando baixinho, o que -teve o efeito de fazer com que todos se calassem no bar. - O senhor acha que o mundo vai mesmo acabar?
- Vai - disse Ford.
- Mas hoje?
Ford havia se recuperado. Sentia-se mais irreverente do que nunca.
- É - disse, alegre -, daqui a menos de dois minutos, na minha opinião. O barman não conseguia acreditar na conversa que estava tendo, mas também não conseguia acreditar na sensação que acabara de experimentar.
- Podemos fazer algo a respeito?
- Não, nada - respondeu Ford, enfiando os amendoins no bolso. Alguém de repente soltou uma gargalhada no bar silencioso,
rindo da burrice de todos.
O homem ao lado de Ford já estava meio alto. Com esforço, focalizou os olhos em Ford.
- Eu pensava - disse ele - que quando o mundo acabasse todo mundo tinha que deitar no chão ou enfiar a cabeça num saco de papel, ou coisa parecida.
- Se você quiser, pode - disse Ford.
- Foi o que disseram pra gente no exército - disse o homem, e seus olhos começaram sua longa jornada de volta para o copo de uísque.
- Isso vai ajudar? - perguntou o barman.
- Não - disse Ford, com um sorriso simpático. - Com licença, tenho que ir embora - deu adeus e saiu.
O bar ainda permaneceu em silêncio por um instante, e depois o homem da gargalhada estrepitosa atacou de novo, deixando todos sem graça. A garota que ele arrastara até o bar meia hora antes já o detestava cordialmente a essa altura e provavelmente ficaria muito satisfeita se soubesse que, dentro de uns 90 segundos, ele iria se evaporar em um sopro de hidrogênio, ozônio e monóxido de carbono. Porém, quando chegasse a hora, ela também estaria ocupada demais se evaporando para se preocupar com isso.
O barman pigarreou. Quando se deu conta, estava dizendo o seguinte:
- Ültimos pedidos, por favor.
As enormes máquinas amarelas começaram a descer e a acelerar. Ford sabia que elas estavam vindo. Não era assim que ele queria voltar para o seu planeta.
Correndo pela alameda, Arthur já estava quase chegando em casa. Não percebeu como havia esfriado de repente, não percebeu o vento, não percebeu a chuva torrencial e irracional que começara a cair de repente. Só viu os tratores passando por cima dos destroços do que fora sua casa.
- Seus bárbaros! - gritou. - Vou processar o conselho municipal e arrancar deles até o último centavo! Vocês vão ser enforcados, arrastados e esquartejados1. E chicoteados! E cozidos em óleo fervente... até... até... até vocês não agüentarem mais.
Ford ainda estava correndo atrás dele, muito depressa. Muito, muito depressa.
- E depois tudo de novo! - gritou Arthur. - E quando terminar vou pegar todos os pedacinhos e pisar em cima deles!
Arthur não percebeu que os homens estavam correndo dos tratores, e também não percebeu que o Sr. Prosser olhava para o céu desesperado. O que o Sr. Prosser havia percebido era que as coisas amarelas enormes estavam atravessando as nuvens, ruidosamente. Coisas amarelas impossivelmente enormes.
- E vou continuar pulando neles - gritou Arthur, ainda correndo - até eu ficar cheio de bolhas, ou até eu pensar numa coisa ainda mais desagradável pra fazer, aí...
Arthur tropeçou e caiu para a frente, rolou e terminou deitado de costas no chão. Finalmente percebeu que estava acontecendo alguma coisa. Apontou para o céu.
- Que diabo é isso? - gritou
Fosse o que fosse, a coisa atravessou o céu com toda a sua monstruosidade amarela, rasgou o céu com um estrondo estonteante e sumiu na distância, deixando atrás de si um vácuo que se fechou com um bang! alto o suficiente para empurrar os ouvidos para dentro do cérebro. Outra coisa amarela veio em seguida e fez exatamente a mesma coisa, só
que ainda mais alto.
É difícil dizer exatamente o que as pessoas na superfície do planeta estavam fazendo agora, porque na verdade elas próprias não sabiam direito o que estavam fazendo. Nada fazia sentido - correr para dentro de casa, correr para fora de casa, gritar surdamente no meio da barulheira. Por todo o mundo, as ruas das cidades explodiam de gente, carros se enfiavam uns nos outros quando o barulho desabava sobre eles e depois se afastava, como um gigantesco maremoto sobre serras e vales, desertos e oceanos, parecendo achatar tudo aquilo que atingia.
Apenas um homem permanecia parado, olhando para o céu, com uma tristeza imensa nos olhos e protetores de borracha nos ouvidos. Ele sabia exatamente o que estava acontecendo, e já o sabia desde que seu sensormático subeta começara a piscar no meio da noite ao lado de seu travesseiro, fazendo-o acordar assustado. Era por isso que ele vinha esperando esses anos todos, mas quando decifrou os sinais, sozinho em seu pequeno quarto escuro, sentiu um frio no coração. De todas as raças existentes na Galáxia que podiam vir fazer uma visitinha ao planeta Terra, pensou ele, por que tinham que ser justamente os vogons?
Fosse como fosse, ele sabia o que tinha de fazer. Quando a nave vogon sobrevoou o lugar onde ele estava, Ford abriu sua mochila. Jogou fora um exemplar de José e a Extraordinária Túnica de Sonhos Tecnicolor e um exemplar de Godspelclass="underline" ele não ia precisar daquilo no lugar para onde ia. Tudo estava pronto, tudo estava preparado.
Ele sabia onde estava sua toalha.
Um silêncio súbito tomou conta da Terra, talvez pior ainda que o barulho. Por algum tempo, não aconteceu nada.
As grandes espaçonaves pairavam imóveis no céu, sobre todas as nações da Terra. Pairavam imóveis, imensas, pesadas, completamente paradas no céu, uma blasfêmia contra a natureza. Muitas pessoas entraram em estado de choque quando suas mentes tentaram entender o que estavam vendo. As naves pairavam imóveis no céu da mesma forma como os tijolos não o fazem. E continuava não acontecendo nada.