O Hobbit
Esta é uma história de muito tempo atrás. Naquela época, as línguas e as letras eram muito diferentes das que empregamos hoje. O inglês foi usado para representar essas línguas. Mas dois pontos devem ser observados:
(1) Em inglês, o único plural correto de dwarf (anão) é dwarfs, e o adjetivo é dwarfish. Nesta história, usam-se dwarves e dwarvish*, mas apenas quando se fala do antigo povo a que pertenciam Thorin Escudo de Carvalho e seus companheiros.
(2) Orc não é uma palavra inglesa.
Ocorre em um ou dois lugares, mas é geralmente traduzida como goblin (ou hobgoblin no caso das espécies maiores). Orc é a forma hobbit do nome dado naquele tempo a essas criaturas e não tem nenhuma relação com orc, ork (orca), que se aplicam a animais marinhos aparentados com o golfinho. O motivo para este uso é oferecido em O Senhor dos Anéis, III, p. 639.
Runas eram antigas letras originalmente entalhadas ou riscadas em madeira, pedra ou metal e que, portanto, eram finas e angulosas. Na época desta história, apenas os anões empregavam-nas com regularidade, especialmente para registros privados ou secretos. Suas runas estão representadas neste livro por runas inglesas, que hoje são conhecidas por poucos. Se as runas no mapa de Thror forem comparadas com as transcrições em letras modernas, o alfabeto, adaptado ao inglês moderno, poderá ser descoberto e o título rúnico acima também poderá ser lido. No Mapa são encontradas todas as runas normais, exceto para X. I e U são usadas no lugar de J e V. Não havia runas para Q (use CW) nem para Z (pode-se usar a runa dos anõ esse necessário). Descobrir-se-á, porém, que algumas runas individuais representam duas letras modernas: th, ng, ee, outras runas do mesmo tipo ( ea, st) também foram usadas algumas vezes. A porta secreta estava marcada com D. Na borda havia uma mão apontando para esta e embaixo estava escrito:
As duas últimas runas são as iniciais de Thror e Thrain. As runas-da-lua lidas por Elrond eram:
No Mapa, os pontos cardeais são indicados por runas, como era costume nos mapas dos anões, e, assim, lêem-se em sentido horário: Leste (E), Sul (S), Oeste (W), Norte (N).
CAPÍTULO I
Uma festa inesperada
Numa toca no chão vivia um hobbit. Não uma toca desagradável, suja e úmida, cheia de restos de minhocas e com cheiro de lodo, tampouco uma toca seca, vazia e arenosa, sem nada em que sentar ou o que comer: era a toca de um hobbit, e isso quer dizer conforto.
A toca tinha uma porta perfeitamente redonda como uma escotilha, pintada de verde, com uma maçaneta brilhante de latão amarelo exatamente no centro. A porta se abria para um corredor em forma de tubo, como um túneclass="underline" um túnel muito confortável, sem fumaça, com paredes revestidas e com o chão ladrilhado e atapetado, com cadeiras de madeira polida e montes e montes de cabides para chapéus e casacos — o hobbit gostava de visitas. O túnel descrevia um caminho cheio de curvas, afundando bastante, mas não em linha reta, no flanco da colina. — A Colina, como todas as pessoas num raio de muitas milhas a chamavam —, e muitas portinhas redondas se abriam ao longo dela, de um lado e do outro. Nada de escadas para o hobbit: quartos, banheiros, adegas, despensas (muitas delas), guarda-roupas (ele tinha salas inteiras destinadas a roupas), cozinhas, salas de jantar, tudo ficava no mesmo andar, e, na verdade, no mesmo corredor. Os melhores cômodos ficavam todos do lado esquerdo (de quem entra), pois eram os únicos que tinham janelas, janelas redondas e fundas, que davam para o jardim e para as campinas além, que desciam até o rio.
Esse hobbit era um hobbit muito abastado, e seu nome era Bolseiro.
Os Bolseiros viviam nas vizinhanças da Colina desde tempos imemoriais, e as pessoas os consideravam muito respeitáveis, não apenas porque em sua maioria eram ricos, mas também porque nunca tinham tido nenhuma aventura ou feito qualquer coisa inesperada você podia saber o que um Bolseiro diria sobre qualquer assunto sem ter o trabalho de perguntar a ele. Esta é a história de como um Bolseiro teve uma aventura, e se viu fazendo e dizendo coisas totalmente inesperadas.
Ele pode ter perdido o respeito dos seus vizinhos, mas ganhou — bem, vocês vão ver se ele ganhou alguma coisa no final.
A mãe desse nosso hobbit — o que é um hobbit? Imagino que os hobbits requeiram alguma descrição hoje em dia, uma vez que se tornaram raros e esquivos diante das Pessoas Grandes, como eles nos chamam. Eles são (ou eram) um povo pequeno, com cerca de metade da nossa altura, e menores que os anões barbados. Os hobbits não têm barba. Não possuem nenhum ou quase nenhum poder mágico, com exceção daquele tipo corriqueiro de mágica que os ajuda a desaparecer silenciosa e rapidamente quando pessoas grandes e estúpidas como vocês e eu se aproximam de modo desajeitado, fazendo barulho como um bando de elefantes, que eles podem ouvir a mais de uma milha de distância. Eles têm tendência a serem gordos no abdome, vestem-se com cores vivas (principalmente verde e amarelo), não usam sapatos porque seus pés já têm uma sola natural semelhante a couro, e também pêlos espessos e castanhos parecidos com os cabelos da cabeça (que são encaracolados), têm dedos morenos, longos e ágeis, rostos amigáveis, e dão gargalhadas profundas e deliciosas (especialmente depois de jantarem, o que fazem duas vezes por dia, quando podem). Agora vocês sabem o suficiente para continuarmos.
Como eu estava dizendo, a mãe desse hobbit — isto é de Bilbo Bolseiro — era a famosa Beladona Túk, uma das três notáveis filhas do Velho Túk, chefe dos hobbits que viviam do outro lado do Água, o pequeno rio que passava ao pé da colina. Freqüentemente se dizia (em outras famílias) que muito tempo atrás um dos ancestrais Túk provavelmente se casara com uma fada. É claro que isso era um absurdo, mas, ainda assim, com certeza havia neles algo não de todo hobbitesco, e, de vez em quando, alguns membros do clã Túk saiam em busca de aventuras.
Desapareciam discretamente, e a família silenciava sobre o assunto, mas permanecia o fato de que os Túks não eram tão respeitáveis como os Bolseiros, embora fossem indubitavelmente mais ricos.
Não que Beladona Túk tivesse tido qualquer aventura depois de se tornar a Sra. Bungo Bolseiro. Bungo, o pai de Bilbo, construiu para ela (e em parte com o dinheiro dela) a toca mais luxuosa que jamais se pôde encontrar, quer sob a Colina, quer acima da Colina, ou mesmo do outro lado do Água, e ali eles permaneceram até o fim de seus dias. Ainda assim, é provável que Bilbo, seu único filho, embora se parecesse e se comportasse exatamente como uma segunda edição de seu firme e tranqüilo pai, tivesse em sua constituição alguma característica meio estranha do lado dos Túk, algo que estivesse apenas esperando uma oportunidade para se manifestar.
A oportunidade não apareceu até que Bilbo estivesse adulto, com mais ou menos cinqüenta anos, vivendo na bonita toca de hobbit construída por seu pai, e que eu acabei de descrever para vocês. Na verdade, até que estivesse totalmente acomodado na vida, pelo menos aparentemente.
Por um curioso acaso, numa manhã distante, na quietude do mundo, quando havia menos barulho e mais verde, e quando os hobbits eram ainda numerosos e prósperos, e Bilbo Bolseiro estava parado à sua porta depois do desjejum, fumando um enorme cachimbo de madeira que chegava quase até os lanudos dedos dos seus pés (cuidadosamente escovados), Gandalf apareceu.
Gandalf! Se vocês tivessem ouvido apenas um quarto do que eu já ouvi a respeito dele, e eu ouvi só um pouco de tudo o que existe para ouvir, estariam preparados para qualquer tipo de história surpreendente.