— Não vou permitir — disse William. — De qualquer jeito, quem o pegou fui eu.
— Você é um grande idiota, William — disse Bert — como eu já falei hoje mesmo.
— E você é um palerma!
— E eu não vou agüentar isso de você, Bill Huggins — disse Bert, dando um soco no olho de William.
Então houve uma bela briga. Bilbo teve esperteza suficiente para se desvencilhar dos pés deles quando Bert o derrubou no chão, antes que começassem a brigar feito cachorros, chamando um ao outro todos os tipos de nomes perfeitamente verdadeiros e aplicáveis, em vozes muito altas.
Logo estavam agarrados, quase rolando para cima da fogueira, chutando e esmurrando, enquanto Tom golpeava ambos com um galho para devolver-lhes o bom senso — e isso, é claro, só os deixava mais furiosos que nunca.
Aquele teria sido o momento para Bilbo sair de lá. Mas seus pobres pezinhos tinham sido muito apertados na enorme pata de Bert, e ele estava sem fôlego, e sua cabeça rodava, assim ficou lá deitado por um momento, ofegando, logo depois do círculo formado pela luz da fogueira.
Bem no meio da luta surgiu Balin. Os anões tinham ouvido ruídos a distância, e depois de esperarem por algum tempo que Bilbo voltasse, ou que piasse como uma coruja, começaram um a um a se arrastar na direção da fogueira, no maior silêncio possível. Logo que Tom viu Balin surgir, soltou um uivo horrendo. Os trolls simplesmente detestam a mera visão de anões (não-cozidos). Bert e Bill pararam de lutar imediatamente e “um saco, Tom, rápido!”, disseram eles. Antes que Balin, que se perguntava onde estaria Bilbo no meio de toda aquela confusão, percebesse o que estava acontecendo, um saco lhe cobriu a cabeça, e ele caiu.
— Ainda vão vir mais — disse Tom — ou estou redondamente enganado. Um monte e nenhum, é isso mesmo, - disse ele. — Nenhum ladrhobbit, mas um monte destes anões aqui. Era disso que ele estava falando!
— Acho que tem razão — disse Bert — e é melhor a gente sair da luz.
E assim fizeram. Segurando nas mãos sacos que usavam para carregar carne de carneiro e outras pilhagens, esperaram nas sombras. Assim que cada anão se aproximava e olhava surpreso para a fogueira, para as canecas derrubadas e os ossos roídos, pop!, vinha um saco fedorento sobre sua cabeça e o anão caía. Logo Dwalin estava deitado ao lado de Balio, Fili e Kili juntos, e Dori, Nori e Ori num monte, e Oin e Gloin e Bifur e Bofur e Bombur desconfortavelmente amontoados perto do fogo.
— Isso vai ensinar a eles — disse Tom, pois Bifur e Bombur tinham dado um bocado de trabalho, lutando como doidos, como fazem os anões quando são acuados.
Thorin chegou por ultimo — e não foi pego de surpresa. Já veio esperando problemas, e não foi preciso ver as pernas de seus amigos saindo de sacos para que percebesse que as coisas não iam bem. Parou na sombra, a certa distância, e disse:
— O que significa toda esta confusão? Quem andou surrando minha gente?
— São trolls — disse Bilbo de trás de uma árvore. Os trolls tinham se esquecido completamente dele. — Estão escondidos nos arbustos com sacos, disse ele.
— Ah, é mesmo? — disse Thorin, e pulou á frente para a fogueira, antes que pudessem saltar sobre ele. Thorin apanhou um enorme galho com uma ponta toda em chamas, Bert levou aquela no olho antes que pudesse pular de lado. Isso o colocou fora da batalha por uns momentos. Bilbo fez o que pôde.
Segurou a perna de Tom — tanto quanto podia, pois a perna era grossa como um tronco de árvore jovem — mas saiu voando para cima de uns arbustos quando Tom chutou as fagulhas contra o rosto de Thorin.
Em troca, Tom levou o galho na boca, e perdeu um dente da frente.
Isso o fez uivar, posso lhes garantir. Mas naquele exato momento William se aproximou por trás e jogou um saco bem na cabeça de Thorin, que ficou coberto até os pés. E assim a luta terminou. Agora estavam num belo apuro: todos arrumadinhos, amarrados em sacos, com três trolls furiosos (e dois com queimaduras e ferimentos memoráveis) sentados ao lado deles, discutindo se deviam assá-los devagar, fazer picadinho e cozinhá-los, ou ainda sentar em cima deles, um por um, e esmagá-los e transformá-los em geléia, e Bilbo em cima de um arbusto, com as roupas e a pele rasgadas, sem ousar se mexer, com medo de que pudessem ouvi-lo.
Foi exatamente nessa hora que Gandalf voltou. Mas ninguém o viu. Os trolls tinham acabado de decidir assar os anões agora e comê-los mais tarde — a idéia foi de Bert, e depois de muita discussão todos concordaram com ela.
— Não adianta assar agora, ia levar a noite inteira — disse uma voz.
Bert pensou que fosse William.
— Não comece a discussão de novo, Bill — disse— ou vai levar a noite inteira.
— Quem está discutindo? — disse William, achando que era Bert que tinha falado.
— Você — disse Bert.
— Você é um mentiroso — disse William, e assim a discussão começou toda de novo. No fim decidiram fazer picadinho dos anões e cozinhá-los. Assim, pegaram uma grande vasilha preta e as facas.
— Não adianta cozinhar! Não tem água, e o poço fica longe, e tudo mais — disse uma voz. Bert e William pensaram que fosse Tom.
— Cale a boca! — disseram eles — ou não vamos acabar nunca. E você mesmo vai buscar a água, se disser mais alguma coisa.
— Cale a boca você! — disse Tom, que pensava ter ouvido a voz de William. — Quem está discutindo além de você? Gostaria de saber.
— Você é um burro — disse William.
— Burro é você! — disse Tom.
E então a discussão começou toda de novo, e foi ficando mais acalorada do que nunca, até que por fim eles decidiram se sentar nos sacos um a um e esmagar os anões, e deixar para cozinhá-los da próxima vez.
— E em quem vamos sentar primeiro? — disse a voz.
— Melhor sentar primeiro no último — disse Bert, cujo olho tinha sido machucado por Thorin. Pensou que Tom estivesse falando.
— Não fique falando sozinho! — disse Tom. — Mas se quiser sentar no último, sente. Qual é?
— Aquele com as meias amarelas — disse Bert.
— Besteira, aquele com as meias cinzentas - disse uma voz parecida à de William.
— Eu tenho certeza de que eram amarelas — disse Bert.
— Eram amarelas mesmo — disse William.
— Então por que você disse cinzentas? — disse Bert.
— Eu não disse nada. Foi o Tom que disse.
— Isso eu não fiz mesmo! — disse Tom. — Foi você.
— Dois contra um, para calar a sua boca! — disse Bert.
— Com quem você está falando? — disse William.
— Agora, pare com isso! — disseram Tom e Bert juntos. — A noite está passando e o dia nasce cedo. Vamos fazer o serviço!
— Que o dia pegue vocês todos, e virem pedra vocês! — disse uma voz que parecia a de William. Mas não era. Pois bem naquele momento a luz surgiu sobre a colina e ouviu-se um grande alvoroço nos galhos. Não foi William quem falou, pois transformou-se em pedra no momento em que se agachou, Bert e Tom ficaram como rochas no momento em que olharam para ele. E lá estão eles até hoje, sozinhos, a não ser quando os pássaros os usam como poleiros, pois os trolls, como vocês provavelmente sabem, precisam entrar debaixo da terra antes que amanheça, caso contrário retornam ao material das montanhas, de que são feitos, e nunca mais conseguem se mexer. Foi isso o que aconteceu com Bert, Tom e William.
— Excelente! — disse Gandalf, enquanto saía de trás de uma árvore e ajudava Bilbo a descer de um espinheiro. Então Bilbo entendeu. Fora a voz do mago que mantivera os trolls discutindo e brigando, até que a luz chegou e acabou com eles.