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Era nobre e tinha o rosto belo de um senhor élfico, era forte como um guerreiro, sábio como um mago, venerável como um rei dos anões, generoso como o verão. Ele aparece em muitas histórias, mas seu papel na história da grande aventura de Bilbo é pequeno, embora seja importante, como vocês vão ver, se conseguirmos chegar ao fim dela. Sua casa era perfeita, para quem gostasse de comer, dormir, trabalhar, contar histórias, cantar ou apenas de ficar sentado pensando, ou ainda de uma mistura agradável de tudo isso. Seres malignos nunca entravam naquele vale.

Eu gostaria de ter tempo para lhes contar apenas algumas das histórias, ou mostrar uma ou duas das canções que eles ouviram naquela casa. Todos eles, inclusive os pôneis, ficaram descansados e fortes em poucos dias. Consertaram suas roupas, assim como seus ferimentos, ânimos e esperanças. Encheram as mochilas de comida e provisões, leves de carregar mas fortes o bastante para levá-los até o outro lado das montanhas. Seus planos foram enriquecidos com os mais sábios conselhos.

Assim, chegou o dia da véspera do solstício de verão, e eles deveriam partir outra vez com os primeiros raios de sol do dia seguinte.

Elrond sabia tudo sobre qualquer tipo de runas. Naquele dia examinou as espadas que tinham trazido da caverna dos trolls e disse:

— Estas não foram feitas por trolls. São espadas antigas, espadas muito antigas dos Altos Elfos do Oeste, meus parentes. Foram feitas em Gondolin para as guerras contra os Orcs. Devem ter vindo do tesouro de algum dragão ou da pilhagem de algum orc, pois os dragões e os orcs destruíram aquela cidade há muito tempo. Esta, Thorin, as runas chamam de Orcrist, Fendeorc, na antiga língua de Gondolin, foi uma espada famosa. Esta, Gandalf, era Glamdring, Martelo do Inimigo, que o rei de Gondolin usava outrora. Tomem conta delas!

— Onde os trolls as conseguiram? — perguntou Thorin, examinando a espada com novo interesse.

— Não sei dizer — disse Elrond —, mas pode-se deduzir que seus trolls andaram saqueando outros saqueadores, ou encontraram sobras de velhos assaltos em algum esconderijo nas montanhas antigas. Ouvi dizer que ainda há tesouros escondidos nas cavernas abandonadas das minas de Moria, desde a guerra entre orcs e anões.

Thorin ponderou essas palavras.

— Vou guardar esta espada com todo respeito — disse ele. — Que ela logo possa fender orcs outra vez.

— Um desejo que provavelmente será concedido em breve nas montanhas! — disse Elrond. — Mas mostre-me o seu mapa! Ele pegou o mapa, examinou-o por um longo tempo e depois balançou a cabeça, pois, se não aprovava totalmente os anões e o amor que sentiam pelo ouro, odiava dragões e sua maldade cruel, e se entristecia em lembrar a ruína da cidade de Vaíle e seus sinos alegres, e as margens queimadas do brilhante Rio Corrente. A lua reluzia num grande crescente de prata. Elrond ergueu o mapa e a luz branca brilhou através dele. — O que é isto? — perguntou ele. — Há letras-da-lua aqui, ao lado das runas comuns que dizem “cinco pés de altura tem a porta, e três podem passar lado a lado”.

— Que são letras-da-lua? — perguntou o hobbit, muito interessado.

Adorava mapas, como eu já lhes disse antes, e, além disso, adorava runas e letras e caligrafia habilidosa, embora a sua fosse meio fina e trêmula.

— Letras-da-lua são letras rúnicas, mas não se podem vê-las — disse Elrond. — Não quando se olha diretamente. Só podem ser vistas quando a lua brilha atrás delas, e, além disso, com o tipo mais sofisticado, tem de ser uma lua da mesma forma e da mesma estação do dia em que foram escritas. Os anões as inventaram e as escreviam com penas de prata, como seus amigos podem lhe contar. Estas devem ter sido escritas numa véspera de solstício de verão, com lua crescente, muito tempo atrás.

— O que dizem? — perguntaram Thorin e Gandalf ao mesmo tempo, talvez um pouco vexados por justamente Elrond ter descoberto aquilo primeiro, embora realmente não tivesse havido uma oportunidade antes, e sabe-se lá quando haveria outra.

— Fique ao lado da pedra cinzenta quando o tordo bater — leu Elrond —, e o sol poente com a última luz do Dia de Durin brilhará sobre a fechadura.

— Durin, Durin! — disse Thorin. — Ele foi o pai dos pais da mais antiga raça de Anões, os Barbas-Longas, e meu primeiro ancestraclass="underline" sou seu herdeiro.

— Então, o que é o Dia de Durin? — perguntou Elrond.

— O primeiro dia do Ano Novo dos Anões — disse Thorin — é, como todos devem saber, o primeiro dia da última lua do outono, no limiar do inverno. Ainda o chamamos Dia de Durin, quando a última lua do outono e o sol aparecem juntos no céu. Mas isso não ajudará muito, receio eu, pois está além de nossas habilidades saber quando isso acontecerá de novo.

— É o que veremos — disse Gandalf. — Ainda há mais alguma coisa escrita?

— Nada que possa ser visto nesta lua — disse Elrond, devolvendo o mapa a Thorin, então eles desceram até a água para ver os elfos dançando e cantando em celebração da véspera do solstício de verão.

A manhã seguinte foi uma manhã de solstício de verão tão bela e fresca quanto se possa imaginar: céu azul sem nenhuma nuvem, e o sol dançando na água. Eles partiram em meio a canções de despedida e boa viagem, com os corações prontos para mais aventuras, e sabendo qual estrada deviam seguir nas Montanhas Sombrias até as terras além.

CAPÍTULO IV

Montanha acima, montanha adentro

Havia muitas trilhas que conduziam àquelas montanhas, e muitas passagens que as atravessavam. Mas a maior parte das trilhas era engano ou decepção, e não levava a lugar nenhum ou acabava mal, a maioria das passagens estava infestada de coisas malignas e perigos terríveis. Os anões e o hobbit, auxiliados pelo sábio conselho de Elrond e pelo conhecimento e memória de Gandalf, tomaram o caminho certo para a passagem certa.

Longos dias após terem partido do vale e deixado a Última Casa Amiga milhas atrás, ainda continuavam subindo. Era uma trilha difícil, uma trilha perigosa, um caminho tortuoso, solitário e comprido. Agora podiam contemplar atrás de si as terras que haviam deixado, estendendo-se lá embaixo. A oeste, muito longe, onde as coisas pareciam azuis e apagadas, Bilbo sabia que estava a sua terra, de coisas seguras e confortáveis, e a pequena toca de hobbit. Teve um calafrio. Fazia um frio cortante lá em cima, e o vento soava estridente por entre as rochas.

Às vezes grandes pedras despencavam pelas encostas das montanhas, libertadas do gelo pelo sol do meio-dia, e passavam pelo meio deles (o que era uma sorte) ou sobre suas cabeças (o que era assustador). As noites eram desconfortáveis e frias, e eles não ousavam cantar ou falar muito alto, pois os ecos eram esquisitos, e o silêncio parecia não gostar de ser interrompido — exceto pelo barulho da água, pelo gemido do vento e pelo trincar das pedras.

“Lá embaixo o verão está avançando”, pensou Bilbo, “o feno está sendo cortado, e há piqueniques acontecendo. No passo em que vamos, estarão todos fazendo a colheita e apanhando amoras antes que comecemos a descer do outro lado”. Os outros estavam tendo pensamentos igualmente melancólicos, embora, ao dizerem adeus a Elrond, movidos pelas grandes esperanças de um manhã de verão, tivessem falado com alegria sobre a passagem das montanhas e sobre cavalgar depressa através das terras além.

Haviam pensado em chegar à porta secreta na Montanha Solitária talvez na próxima lua, que era a primeira do outono — “e talvez seja o Dia de Durin”, disseram eles. Apenas Gandalf sacudira a cabeça sem dizer nada.

Nenhum anão passava por aquele caminho havia muitos anos, mas Gandalf sim, e ele sabia em que extensão o mal e o perigo haviam crescido e prosperado no Ermo desde que os dragões tinham expulsado os homens das terras e os orcs, se espalhado em segredo, depois da batalha das Minas de Moria. Quando se parte para aventuras perigosas, além do Limiar do Ermo, até mesmo bons planos de magos sábios como Gandalf e de bons amigos como Elrond às vezes dão errado e Gandalf era um mago sábio o suficiente para saber disso.