Surgiu diante deles o vislumbre de uma luz vermelha. Os orcs começaram a cantar, ou grasnar, e marcavam o ritmo batendo na pedra os pés chatos e sacudindo os prisioneiros.
O som era verdadeiramente horripilante. As paredes ecoavam o bate, rebate! E o esmigalha, estraçalha! E o riso hediondo daquele ho, ho! Meu rapaz! O sentido geral da canção era evidente até demais, pois os orcs pegaram chicotes e, com um zunido, estalido!, faziam-nos correr a mais não poder na frente deles, e mais de um anão já choramingava e berrava feito louco quando caíram todos dentro de uma grande caverna.
Estava iluminada por uma grande fogueira no centro e por tochas ao longo das paredes, e estava cheia de orcs. Todos riram, bateram os pés e aplaudiram quando os anões (com o pobre Bilbo no fim e mais perto dos chicotes) entraram correndo, com os condutores-orcs logo atrás, gritando e estalando os chicotes. Os pôneis já estavam lá, amontoados num canto e lá também estavam as bagagens e pacotes, todos abertos, sendo vistoriados por orcs, farejados por orcs, manuseados por orcs e disputados por orcs.
Receio que essa tenha sido a última vez que viram aqueles excelentes poneizinhos, entre os quais um alegre e robusto animal que Elrond emprestara a Gandalf, uma vez que seu cavalo não era adequado para as trilhas das montanhas. Pois os orcs comem cavalos, pôneis e burros (e outras coisas muito mais terríveis) e estão sempre famintos. Naquele momento porém, os prisioneiros só pensavam em si mesmos. Os orcs acorrentaram-lhes as mãos por trás, prenderam todos juntos numa enfiada e arrastaram-nos até a outra extremidade da caverna, com o pequeno Bilbo a reboque no fim da linha.
Lá nas sombras, numa pedra grande e plana, estava sentado um tremendo orc com uma cabeça enorme, e orcs armados postavam-se ao redor, carregando os machados e as espadas tortas que eles usam. Ora, os orcs são cruéis, malvados e perversos. Não fazem coisas bonitas, mas fazem muitas coisas engenhosas. Podem cavar túneis e minas tão bem quanto qualquer um, exceto os anões mais habilidosos, quando se dão ao trabalho, embora geralmente sejam desorganizados e sujos. Martelos, machados, espadas, punhais, picaretas, tenazes, além de instrumentos de tortura, eles fazem muito bem, ou mandam outras pessoas fazerem conforme o seu padrão, prisioneiros e escravos que têm de trabalhar até morrer por falta de ar e luz. Não é improvável que tenham inventado algumas das máquinas que desde então perturbam o mundo, especialmente os instrumentos engenhosos para matar um grande número de pessoas de uma só vez, pois sempre gostaram muito de rodas e motores e explosões, como também de não trabalhar com as próprias mãos além do estritamente necessário, mas naqueles dias e naquelas regiões selvagens ainda não tinham avançado (como se diz) tanto. Não odiavam os anões de modo especial, não mais do que odiavam tudo e todo mundo, particularmente os ordeiros e prósperos, em algumas partes, anões malvados tinham até mesmo se aliado a eles.
Tinham, porém, um rancor especial pelo povo de Thorin, por causa da guerra da qual vocês ouviram falar, mas que não entra nesta história, de qualquer forma, os orcs não se preocupam com o que capturam, desde que tudo seja feito com habilidade e em segredo e os prisioneiros não sejam capazes de se defender.
— Quem são essas pessoas miseráveis? — perguntou o Grão-Orc.
— Anões, e isto! — disse um dos condutores, puxando a corrente de Bilbo e fazendo-o cair de joelhos. — Encontramos eles se protegendo em nosso Pórtico de Entrada.
— O que significa isso? — disse o Grão-Orc voltando-se para Thorin..— Não pode ser boa coisa, garanto! Espionando os negócios secretos de meu povo, aposto! Ladrões, eu não ficaria surpreso em saber! Assassinos e amigos de Elfos, é bem capaz! Vamos! O que tem a dizer?
— Thorin, o anão, às suas ordens! — respondeu ele. Era apenas polidez sem significado. — Das coisas que suspeita ou imagina não tínhamos a menor idéia. Nós nos abrigamos da tempestade no que parecia ser uma caverna conveniente e vazia não havia nada mais distante de nossos pensamentos que perturbar orcs de alguma maneira.
Isso era bem verdade!
— Hum! — disse o Grão-Orc. — E o que você diz! Posso lhe perguntar o que estavam fazendo aqui em cima nas montanhas, de onde estavam vindo e aonde estavam indo? Na verdade, gostaria de saber tudo sobre vocês. Não que isso vá lhe trazer algum beneficio, Thorin Escudo de Carvalho. Já sei demais sobre o seu povo, mas vamos a verdade, ou vou preparar algo particularmente desconfortável para vocês!
— Estávamos viajando para visitar nossos parentes, nossos sobrinhos e sobrinhas, e nossos primos em primeiro, segundo e terceiro grau, e os demais descendentes de nossos avós, que moram do lado leste destas montanhas verdadeiramente hospitaleiras — disse Thorin, sem saber muito bem o que falar, assim de repente, quando era óbvio que a verdade exata não serviria de jeito nenhum.
— Ele é um mentiroso, ó, verdadeiramente tremendo — disse um dos condutores. — Vários de nosso povo foram feridos por raios na caverna quando convidamos essas criaturas para descer e eles estão mortos feito pedras. E ele também não explicou isto! — O orc estendeu a espada que Thorin usara, a espada da caverna dos trolls.
Grão-Orc soltou um uivo de raiva verdadeiramente hediondo quando viu a espada, e todos os seus soldados rangeram os dentes, bateram os escudos e os pés. Reconheceram a espada imediatamente. Ela matara centenas de orcs em sua época, quando os belos elfos de Gondolin os caçavam nas colinas ou travavam batalhas diante de seus muros. Eles a haviam denominado Grcrist, Fende-Orc, mas os orcs a chamavam simplesmente de Mordedora. Odiavam-na, e odiavam mais ainda qualquer um que a carregasse.
— Assassinos e amigos de elfos! — gritou o Grão-Orc. — Chicote neles! Batam! Mordam! Triturem! Levem-nos para buracos escuros cheios de cobras e que nunca mais vejam a luz outra vez! — Estava tomado de tal fúria que saltou de seu assento e partiu para cima de Thorin com a boca aberta.
Naquele exato momento, todas as luzes da caverna se apagaram, e a grande fogueira se extinguiu, puft, em uma nuvem de fumaça azul e brilhante, que subia até o teto e espalhava faíscas brancas e lancinantes por entre os orcs.
Os gritos e urros, grasnidos e guinchos, resmungos e uivos rosnados e maldições, chiados e rangidos que se seguiram estão além de qualquer descrição. Várias centenas de gatos selvagens e lobos sendo assados vivos ao mesmo tempo não poderiam comparar-se àquilo. As faiscas abriam buracos nos orcs, e a fumaça que caía do teto deixava o ar espesso, tornando a visão difícil até para eles. Logo estavam caindo uns sobre os outros, rolando aos montes no chão, mordendo, chutando e lutando como se estivessem todos enlouquecidos.
De repente uma espada cintilou com sua própria luz. Bilbo viu-a atravessar o Grão-Orc, aturdido no meio de sua fúria. Caiu morto, e os soldados-orcs fugiram da espada, guinchando escuridão adentro.
A espada voltou para sua bainha.
— Sigam-me depressa! — disse uma voz baixa e feroz e, antes que Bilbo pudesse entender o que estava acontecendo viu-se correndo de novo o mais rápido que podia, no fim da fila, descendo por outras passagens escuras, os gritos no salão dos orcs ficando cada vez mais fracos atrás dele. Uma luz pálida os conduzia.