De qualquer modo, eu não gostaria de estar no lugar do Sr. Bolseiro. O túnel parecia não ter fim. Tudo o que ele sabia é que o túnel prosseguia para baixo e que se mantinha na mesma direção, apesar de uma ou duas curvas. De vez em quando, havia passagens que conduziam para os lados, que ele percebia à luz débil da espada ou tocando a parede com as mãos. Bilbo não lhes dava atenção, exceto para passar correndo por elas, com medo de que dali saíssem orcs ou seres sombrios semi-imaginados.
Foi avançando, sempre em frente, descendo e descendo, e ainda assim não ouvia som algum, a não ser, de vez em quando, asas de morcego, o que a principio o assustara, mas que acabou por se tornar muito freqüente para causar preocupação. Não sei quanto tempo Bilbo continuou assim, odiando ter de ir em frente, sem se atrever a parar, avançando, avançando, até ficar mais que cansado. Era como correr todo o caminho até o dia seguinte e mais alguns dias.
De repente, sem qualquer aviso, estava chapinhando na água! Ugh! Era fria como gelo. Aquilo o fez estacar. Bilbo não sabia se era apenas uma poça na trilha, a margem de um rio subterrâneo que cruzava o corredor ou, ainda, a beira de um profundo e sombrio lago subterrâneo. A espada quase não brilhava. Parou e conseguiu ouvir, com muito esforço, gotas pinga-pinga-pingando de um teto invisível e caindo na água: mas não parecia haver qualquer outro tipo de som.
“Então é um lago, e não um rio subterrâneo”, pensou ele. Mesmo assim, não se arriscou a atravessar na escuridão. Não sabia nadar, e também imaginava seres nojentos e viscosos, com grandes olhos cegos e esbugalhados, serpenteando na água. Há seres estranhos vivendo nos lagos no coração das montanhas: peixes cujos antepassados entraram, sabe-se lá quantos anos atrás, e nunca mais saíram, enquanto seus olhos iam crescendo, crescendo, crescendo, de tanto tentarem enxergar no escuro e há também outras coisas, mais viscosas que peixes. Mesmo nos túneis e cavernas que os orcs fizeram para si, há outras coisas vivas que eles desconhecem, coisas que entraram furtivamente e se entocaram no escuro. Além disso, algumas dessas cavernas tiveram origem em eras anteriores aos orcs, que apenas as alargaram e interligaram com corredores, e os proprietários originais ainda permanecem lá em cantos escusos, movimentando-se furtivamente e farejando tudo.
Ali no fundo, na beira da água escura, vivia o velho Gollum, uma pequena criatura viscosa. Não sei de onde veio, nem quem ou o que ele era. Era um Gollum — escuro como a escuridão, exceto por dois grandes olhos redondos e pálidos no rosto magro. Tinha um pequeno barco e remava no lago quase sem nenhum ruído, pois era mesmo um lago, largo, profundo e extremamente frio. Ele impelia o barco com os pés grandes pendendo das bordas, mas nunca erguia uma onda na água.
Não ele. Olhos pálidos feito lamparinas, ele procurava peixes cegos, que agarrava com os dedos longos num piscar de olhos. Gostava também de carne. Gostava de orcs, quando conseguia apanhá-los, mas tomava cuidado para que nunca o descobrissem.
Ele apenas os estrangulava por trás, quando algum descia sozinho até a beira da água enquanto ele rondava por ali. Era raro acontecer, pois os orcs tinham a sensação de que havia algo desagradável espreitando lá embaixo, nas próprias raízes da montanha. Haviam chegado até o lago quando perfuravam os túneis, muito tempo atrás, e descobriram que não podiam avançar assim, sua estrada terminava naquela direção, e não havia motivo para irem ali — a não ser que o Grande Orc os mandasse. Algumas vezes ele sentia vontade de comer peixe do lago, e algumas vezes nem orc nem peixe retornavam.
Na realidade, Gollum vivia numa ilha de pedra viscosa no meio do lago. Estava observando Bilbo a distância com seus olhos pálidos, que pareciam telescópios. Bilbo não podia vê-lo, mas ele imaginava um monte de coisas sobre Bilbo, pois podia muito bem ver que não se tratava de um orc.
Gollum entrou no barco e afastou-se da ilha enquanto Bilbo estava sentado na borda, completamente atarantado, no fim do caminho e com o juízo no fim. De repente surgiu Gollum, sussurrando e chiando:
— Que beleza e que moleza, meu preciossso! Acho que temos um lauto banquete, pelo menos um bom bocado para nós, gollum! — E quando ele dizia gollum, fazia um ruído horrível na garganta, como se estivesse engolindo alguma coisa. Era assim que tinha conseguido esse nome, embora sempre chamasse a si mesmo “meu precioso”.
O hobbit quase pulou fora da própria pele quando o chiado chegou-lhe aos ouvidos, e, de repente, viu os olhos pálidos e salientes voltados para ele.
— Quem é você? — perguntou ele, erguendo o punhal à sua frente.
— Quem é ele, meu preciossso? — sussurrou Gollum (que sempre falava consigo mesmo porque nunca tinha com quem falar). Era o que vinha descobrir, pois, na verdade, não estava muito faminto no momento, apenas curioso, caso contrário, teria agarrado primeiro e sussurrado depois.
— Sou o Sr. Bilbo Bolseiro. Perdi os anões, perdi o mago, e não sei onde estou e não quero saber, se puder sair daqui.
— O que ele tem nass mãoss? — perguntou Gollum, olhando a espada, da qual não gostou muito.
— Uma espada, uma lâmina que vem de Gondolin!
— Sssss — disse Gollum, ficando muito polido. — Você pode sentar aqui e conversar com nós um pouquinho, meu preciosso. Você gosta de adivinhas, vai ver que gosta, não gosta? — Estava ansioso por parecer amigável, pelo menos no momento, e até descobrir mais sobre a espada e o hobbit, se ele estava realmente sozinho, se era bom para comer, e se Gollum estava faminto de verdade. Só conseguiu pensar em adivinhas.
Propô-las e algumas vezes decifrá-las era o único jogo que já tinha jogado com outras criaturas divertidas, sentadas em suas tocas, muito, muito tempo atrás, antes que ele perdesse todos os amigos e fosse expulso, sozinho, e descesse mais, cada vez mais na escuridão sob as montanhas.
— Muito bem — disse Bilbo, que estava ansioso para concordar, até descobrir mais sobre a criatura, se estava realmente sozinho, se era feroz, se estava faminto e se era amigo dos orcs. — Você pergunta primeiro — disse ele, pois não tivera tempo de pensar numa adivinha.
Então Gollum chiou:
— Fácil! — disse Bilbo. — Montanha, acho eu.
— Ele adivinha fácil? Precisa fazer uma competição com nós, meu preciosso. Se o preciosso perguntar e ele não responder, nós come ele, meu preciosso. Se ele pergunta e nós não ressponde, então nós faz o que ele quer, que tal? Nós mosstra a saída, é ssim!
— Está certo — disse Bilbo sem se atrever a discordar, e quase estourando os miolos para lembrar-se de adivinhas que pudessem salvá-lo de ser devorado.
Foi tudo o que conseguiu lembrar para perguntar — a idéia de comida povoava seus pensamentos. A adivinha era bem velha também, e Gollum sabia a resposta tão bem quanto vocês.