Exatamente por cima da cabeça de Gollum ele pulou, sete pés à frente e três no ar, na realidade, Bilbo nem percebeu que por um triz não havia rachado a cabeça no arco baixo da passagem.
Gollum jogou-se para trás, e tentou agarrar o hobbit no momento em que este voava sobre ele, mas era tarde demais: suas mãos fecharam-se no ar vazio, e Bilbo, caindo sobre os pés firmes, saiu correndo pelo túnel.
Não se virou para ver o que Gollum estava fazendo. A principio ouviu-o chiar e praguejar bem atrás de si. Depois o ruído cessou. De repente, ouviu um grito de gelar o sangue, cheio de ódio e desespero. Gollum estava derrotado. Não ousava ir além. Tinha perdido, perdido a presa, e perdido, também, a única coisa de que gostava, o seu precioso. O grito fez com que o coração de Bilbo lhe viesse à boca, mas mesmo assim ele continuou correndo. Agora, fraca como um eco, mas ainda ameaçadora, ouvia a voz ao longe:
— Ladrão, ladrão, ladrão! Bolseiro! Nós odeia ele, nós odeia ele, nós odeia ele pra sempre!
Depois fez-se silêncio. Mas para Bilbo também o silêncio parecia ameaçador. “Se os orcs estão tão próximos que ele os farejou”, pensou ele, “então terão ouvido seus guinchos e xingamentos. Cuidado agora, ou esse caminho o conduzirá a coisas piores”.
A passagem era baixa e tosca. Não era muito difícil para o hobbit, a não ser quando, a despeito de todo o cuidado, batia os pobres pés contra as pedras pontudas no chão, e isso aconteceu várias vezes. “Um pouco baixa para orcs, pelo menos para os grandes”, pensava Bilbo, sem saber que mesmo os grandes, os orcs das montanhas, avançam em grande velocidade com o corpo abaixado, as mãos quase tocando o solo.
A passagem, que até então levava para baixo, logo começou a subir outra vez e, depois de algum tempo, tornou-se íngreme. Isso fez com que Bilbo diminuísse o passo. Mas, por fim, a subida terminou, a passagem fez uma curva e começou a descer de novo, e lá, no fundo de um pequeno declive, ele viu, infiltrando-se por outra curva — um vislumbre de luz.
Não era vermelha, como de fogo ou lamparina, mas uma luz pálida de ar livre. Então Bilbo começou a correr.
Correndo tanto quanto as pernas podiam, fez a última curva e de repente chegou a um espaço aberto, onde a luz, depois de todo aquele tempo no escuro, parecia estonteantemente clara. Na realidade, não passava de uma réstia de sol que entrava por uma soleira, onde uma grande porta, uma Porta de pedra, fora deixada aberta.
Bilbo piscou, e então, de repente, viu os orcs: orcs vestindo armaduras completas, com espadas desembainhadas, sentados logo na entrada, vigiando-a com olhos bem abertos, vigiando a passagem que conduzia até ali. Estavam despertos, alertas, prontos para qualquer coisa.
Viram-no antes que ele os visse. Sim, eles o viram. Talvez por acidente, talvez como um último truque do anel antes de aceitar o novo dono, ele não estava no dedo de Bilbo. Com gritos de prazer os orcs partiram para cima dele.
Um espasmo de medo e perda, como um eco do desespero de Gollum, tomou conta de Bilbo, que, esquecendo-se até de puxar a espada, enfiou as mãos nos bolsos. E ali, no bolso esquerdo, ainda estava o anel, que escorregou para o seu dedo. Os orcs pararam de repente. Não viam sinal dele. Ele desaparecera. Soltaram um grito duas vezes mais forte, mas não com o mesmo prazer.
— Onde está ele? — gritavam.
— Voltem para a passagem! — gritavam alguns.
— Por aqui! — berravam alguns.
— Por ali! — berravam outros.
— Fiquem vigiando a porta — urrou o capitão. Soavam assobios, armaduras se chocavam, espadas tilintavam, orcs praguejavam, xingavam e corriam de um lado para o outro, caindo uns sobre os outros, cada vez mais furiosos. Azáfama terrível, tumulto e desordem.
Bilbo estava terrivelmente amedrontado, mas teve o bom senso de compreender o que acontecera e de se esconder atrás de um grande barril que continha bebida para os guardas-orcs, saindo assim do caminho e evitando que tropeçassem nele, que o pisoteassem até a morte ou que o capturassem pelo tato.
— Preciso chegar até a porta, preciso chegar até a porta! — dizia a si mesmo, mas demorou muito até que se arriscasse a tentar. E então foi como um terrível jogo de cabra-cega. O lugar estava cheio de orcs correndo de lá para cá, e o pobrezinho do hobbit, esquivando-se para um lado e para o outro, foi derrubado por um orc, que não conseguiu descobrir no que tropeçara, afastou-se de quatro, passou entre as pernas do capitão no último momento, levantou-se e correu para a porta.
Ainda estava aberta, mas um orc a havia empurrado e ela quase se fechara. Bilbo fez força, mas não conseguiu movê-la. Tentou esgueirar-se pela fresta. Espremeu-se, espremeu-se e entalou. Foi horrível. Os botões de sua roupa se engancharam entre a borda da porta e o batente. Ele podia ver lá fora, o ar livre: havia alguns degraus que desciam para um vale estreito entre altas montanhas, o sol surgia por trás de uma nuvem e brilhava por trás da porta — mas ele não conseguia passar.
De repente, um dos orcs gritou lá dentro:
— Há uma sombra ao lado da porta. Tem alguma coisa lá fora!
Bilbo ficou com o coração na boca. Fez uma tremenda contorção. Os botões voaram em todas as direções. Passou, com um casaco e um colete rasgados, descendo os degraus aos saltos como um cabrito, enquanto orcs perplexos ainda catavam seus belos botões de latão na soleira da porta.
É claro que logo vieram atrás dele, gritando, chamando e caçando em meio às árvores. Mas eles não gostam do soclass="underline" ele deixa suas pernas bambas e sua cabeça tonta. Não conseguiram encontrar Bilbo, que estava usando o anel, e entrava e saia furtivamente das sombras das árvores, depressa e em silêncio, e mantendo-se fora do alcance do sol, assim, logo voltaram, resmungando e praguejando, para guardar a porta. Bilbo tinha escapado.
CAPITULO VI
Da frigideira para o fogo
BILBO escapara dos orcs, mas não sabia onde estava. Perdera capuz, capa, comida, pônei, seus botões e seus amigos.
Foi seguindo em frente a esmo, até que o sol começou a descer para o oeste — atrás das montanhas. A sombra delas atravessava o caminho de Bilbo, e ele olhou para trás. Depois olhou para frente e só conseguiu ver cordilheiras e taludes descendo na direção de baixadas e planícies que vislumbrava ocasionalmente em meio às árvores.
— Céus! — exclamou ele. — Parece que cheguei ao outro lado das Montanhas Sombrias, bem no limite da Terra Além! Onde será que se meteram Gandalf e os anões? Só espero que não estejam ainda lá em poder dos orcs! Continuou avançando, saiu do vale alto e estreito, e desceu as ladeiras além, mas, o tempo todo, um pensamento muito incômodo crescia dentro dele. Perguntava-se se não deveria, agora que tinha o anel mágico, voltar para os horríveis, horríveis túneis e procurar os amigos. Acabara de decidir que esse era o seu dever, que devia voltar — e sentia-se arrasado com a decisão — quando ouviu vozes.
Parou para escutar. Não pareciam vozes de orcs, então, Bilbo avançou cautelosamente. Estava numa trilha de pedra que serpeava ao longo de uma muralha rochosa à esquerda, do outro lado o chão inclinava-se e havia vales abaixo do nível da trilha, cobertos de arbustos e árvores baixas. Em um desses vales, sob os arbustos, havia gente conversando.
Bilbo aproximou-se mais ainda, e de repente viu, espreitando entre dois rochedos, uma cabeça coberta com um capuz vermelho: era Balin em seu posto de sentinela. Poderia ter batido palmas e gritado de alegria, mas não fez nada disso. Ainda estava usando o anel, devido ao medo de encontrar algo inesperado e desagradável, e percebeu que Balin olhava na sua direção sem notá-lo.
“Vou fazer uma surpresa a todos”, pensou ele, enquanto se arrastava para dentro dos arbustos na borda do vale. Gandalf estava discutindo com os anões. Ponderavam tudo o que acontecera nos túneis, perguntando-se e discutindo o que deveriam fazer. Os anões estavam resmungando, e Gandalf dizia que não podiam continuar a viagem deixando o Sr. Bolseiro nas mãos dos orcs, sem tentar descobrir se ele estava vivo ou morto, e sem tentar resgatá-lo.