Naquele exato momento os lobos invadiram a clareira uivando. De repente, havia centenas de olhos fixados sobre eles. Mesmo assim, Dori não abandonou Bilbo. Esperou que ele se desprendesse de seus ombros e subisse na árvore, e depois ele mesmo saltou para os galhos. Por um triz! Um lobo tentou abocanhar sua capa no momento em que subia, e quase conseguiu. Em um minuto já havia um bando inteiro ganindo em volta da árvore e saltando contra o tronco, os olhos flamejantes e línguas à mostra.
Mas nem mesmo os Wargs selvagens (pois esse era o nome dos lobos malignos que habitavam o Limiar do Ermo) conseguem subir em árvores. Por algum tempo o grupo estava a salvo. Felizmente, o tempo estava quente e sem vento. Não é muito confortável ficar sentado numa árvore por muito tempo. Em qualquer ocasião, mas, no frio e no vento, com lobos por toda a volta esperando a gente lá embaixo, as árvores podem se transformar em lugares absolutamente deploráveis.
Aquela clareira no círculo de árvores era evidentemente um local de encontro dos lobos. Mais e mais continuavam a chegar. Deixaram guardas no pé da árvore em que estavam Dori e Bilbo, e depois foram farejando até descobrirem cada árvore que abrigava alguém. Estas também ficaram sob vigia, enquanto todos os outros lobos (ao que parecia, centenas e centenas) foram sentar-se num grande circulo na clareira, e no meio do círculo havia um enorme lobo cinzento. Dirigiu-se a eles na terrível língua dos Wargs. Gandalf a entendia. Bilbo não, mas aquilo lhe pareceu horrível, como se toda a conversa fosse sobre coisas cruéis e malvadas, e de fato era. De quando em quando todos os Wargs no circulo respondiam ao chefe cinzento numa só voz, e seu clamor medonho quase fazia com que o hobbit caísse de seu pinheiro.
Vou lhes contar o que Gandalf ouviu, embora Bilbo não tenha entendido. Os Wargs e os orcs freqüentemente se ajudavam uns aos outros em feitos maldosos. Os orcs geralmente não se arriscam a ir muito longe de suas montanhas, a não ser que sejam expulsos e estejam procurando novas moradias, marchando para a guerra (o que, alegro-me em dizer, não acontece há muito tempo). Mas, naquela época, eles às vezes organizavam ataques, especialmente para conseguir comida ou escravos que trabalhassem para eles. Nessas ocasiões, muitas vezes chamavam os Wargs para ajudá-los e dividiam o espólio com eles. Às vezes montavam nos lobos como os homens montam em cavalos. Aparentem ente um grande ataque orc fora planejado para aquela noite. Os Wargs tinham vindo encontrar-se com os orcs e os orcs estavam arrasados. O motivo, sem dúvida, era a morte do Grão-Orc, além de toda a confusão causada pelos anões, Bilbo e o mago, que eles provavelmente ainda estavam caçando.
Apesar dos perigos daquela terra longínqua, homens corajosos ultimamente retornavam do sul, cortando árvores e construindo moradias nas florestas mais agradáveis dos vales e ao longo das margens dos rios.
Havia muitos deles, eram corajosos e estavam bem-armados, e mesmo os Wargs não ousavam atacá-los quando estavam em grupos grandes, ou em plena luz do dia. Mas, dessa vez, tinham planejado, com a ajuda dos orcs, atacar de noite algumas vilas mais próximas das montanhas. Se o plano fosse levado até o fim, não teria sobrado ninguém no dia seguinte, todos teriam sido mortos, exceto os poucos que os orcs protegessem dos lobos e levassem como prisioneiros para suas cavernas.
Era uma conversa horrível de ouvir, não só por causa dos bravos homens da florestas, suas mulheres e crianças, mas também devido ao perigo que agora ameaçava Gandalf e seus amigos. Os Wargs estavam furiosos e perplexos por tê-los encontrado exatamente em seu local de encontro. Achavam que eram amigos dos homens da floresta, que tinham vindo espioná-los, e levariam noticias de seus planos para os vales, e então os orcs e os lobos teriam de travar uma terrível batalha em vez de capturar prisioneiros e devorar pessoas surpreendidas durante o sono. Assim, os Wargs não tinham intenção de ir embora e deixar escapar as pessoas em cima das árvores, pelo menos não até de manhã. E, muito antes disso, diziam eles, soldados orcs viriam das montanhas, e orcs podem subir em árvores ou cortá-las.
Agora vocês podem entender por que Gandalf, ouvindo aqueles rosnados e ganidos, começou a ficar terrivelmente amedrontado, mesmo sendo um mago, e a sentir que estavam num lugar muito ruim e que ainda não tinham escapado. Mesmo assim, não estava disposto a permitir que eles fizessem tudo como desejavam, embora não pudesse fazer muita coisa pendurado numa árvore alta e com lobos por toda a volta no chão lá embaixo. Apanhou as grandes pinhas dos galhos de sua árvore. Então, ateou em uma delas um fogo azul e brilhante e arremessou-a zunindo no meio do círculo de lobos. Acertou um nas costas, e imediatamente seu pêlo emaranhado pegou fogo, e ele começou a saltar de um lado para o outro com ganidos horríveis. Então veio outra, e mais outra, uma com fogo azul, outra com fogo vermelho, outra ainda com chamas verdes. Explodiam no chão no meio do círculo e se apagavam em faíscas coloridas e fumaça. Uma especialmente grande acertou o focinho do chefe dos lobos, que deu um pulo de dez pés e depois começou a correr em volta do círculo, mordendo e tentando abocanhar até mesmo os outros lobos em sua fúria e medo.
Os anões e Bilbo gritavam e aplaudiam. Era terrível a fúria dos lobos, e o tumulto que faziam enchia toda a floresta. Os lobos têm medo do fogo em todas as ocasiões, mas aquele fogo era terrível e estranho demais. Quando uma faísca atingia o pêlo, grudava nele e queimava-lhes a carne e, a menos que rolassem rápido no chão, logo estavam completamente em chamas. Em pouco tempo, havia por toda a clareira lobos rolando no chão tentando apagar as faíscas das costas, enquanto os que estavam queimando corriam por todos os lados, uivando e ateando fogo aos outros, até que seus próprios amigos passaram a acossá-los, e eles fugiram descendo as encostas, gritando e gemendo à procura de água.
— Que alvoroço é este na floresta? — perguntou o Senhor das Águias. Estava pousado, negro ao luar, no topo de um solitário pináculo de pedra na borda leste das montanhas. — Ouço vozes de lobos! Será que os orcs estão aprontando alguma maldade na floresta?
Ergueu-se no ar, e imediatamente dois de seus guardas, das rochas dos dois lados, saltaram atrás dele. Voavam em círculos e olhavam o circulo dos Wargs, um pequeno ponto distante, bem lá embaixo. Mas as águias têm olhos penetrantes e podem enxergar coisas pequenas a uma grande distância. O senhor das águias das Montanhas Sombrias tinha olhos que podiam contemplar o sol sem piscar e enxergar um coelho movendo-se no solo uma milha abaixo, mesmo á luz da lua. Assim, embora não conseguisse ver as pessoas nas árvores, pôde perceber a confusão entre os lobos, ver os pequenos clarões de fogo e ouvir os uivos e ganidos que lhe chegavam fracos lá de baixo. Também pôde ver o reflexo da luz nas lanças e capacetes dos orcs, quando longas fileiras do povo maligno desciam pelas encostas, saindo de seus portões e entrando na floresta.
As águias não são pássaros amigáveis. Algumas são covardes e cruéis. Mas as da raça antiga das montanhas do norte eram as mais nobres de todas as aves, eram altivas, fortes e de coração nobre. Não gostavam de orcs, nem tinham medo deles. Quando lhes davam alguma atenção (o que era raro, pois não comiam tais criaturas), precipitavam-se sobre eles num vôo rasante e os empurravam, aos gritos, de volta para suas cavernas, interrompendo qualquer maldade que estivessem fazendo. Os orcs odiavam as águias e tinham medo delas, mas não conseguiam alcançar seus altos domínios, ou expulsá-las das montanhas.
Naquela noite, o Senhor das Águias estava cheio de curiosidade para saber o que estava se passando, então reuniu muitas outras águias e todas alçaram vôo das montanhas, e lentamente, voando em espiral, foram descendo, descendo na direção do círculo de lobos e do local de encontro dos orcs.