A águia voltou, pegou-o pelo casaco com as garras e levantou vôo.
Desta vez foi apenas uma viagem curta. Logo depois Bilbo era colocado, tremendo de medo, numa ampla plataforma de pedra na encosta da montanha.
Não havia um caminho até o alto, a não ser voando, e nenhum caminho para baixo, a não ser pulando do precipício. Ali encontrou todos os outros, recostados na parede da montanha. O Senhor das Águias também estava lá e conversava com Gandalf. Parecia que, afinal de contas, Bilbo não seria devorado.
O mago e o senhor-águia pareciam conhecer-se ligeiramente, e davam até a impressão de que mantinham relações amistosas. Na realidade, Gandalf, que estivera várias vezes nas montanhas, outrora prestara um serviço às águias, curando o seu o senhor de um ferimento de flecha.
Então, como vocês podem perceber, “prisioneiros” queria dizer apenas “prisioneiros resgatados dos orcs”, e não cativos das águias. Ouvindo a conversa de Gandalf, Bilbo percebeu que finalmente iriam escapar de verdade das terríveis montanhas. O mago estava discutindo com a Grande Águia planos para carregar para longe os anões, ele mesmo e Bilbo, e deixá-los prosseguir sua viagem através das planícies lá embaixo.
O Senhor das Águias não estava disposto a levá-los a nenhum lugar onde houvesse homens.
— Eles atirariam em nós com seus grandes arcos de teixo — disse ele —, pois pensariam que estamos atrás de suas ovelhas. E, em outra ocasião, estariam certos. Não! Estamos satisfeitos por atrapalhar as brincadeiras dos orcs e satisfeitos por retribuir o que nos fez, mas não vamos nos arriscar por anões nas planícies do sul.
— Muito bem — disse Gandalf. — Levem-nos para onde e até onde quiserem! Já estamos profundamente agradecidos a vocês. Mas, enquanto isso, estamos com uma fome terrível!
— Estou quase morto de fome — disse Bilbo numa vozinha fraca que ninguém ouviu.
— Talvez possa dar-se um jeito nisso — disse o Senhor das Águias.
Mais tarde vocês poderiam ver uma fogueira brilhando no patamar de pedra e os vultos dos anões ao redor dela, cozinhando e produzindo um cheiro agradável de assado. As águias haviam trazido galhos secos para o fogo, coelhos, lebres e uma ovelha pequena. Os anões fizeram todos os preparativos. Bilbo estava fraco demais para ajudar, e, de qualquer forma, não era muito bom para esfolar coelhos e picar carne, acostumado que estava a recebê-la do açougueiro prontinha para cozinhar. Gandalf também estava deitado, depois de ter feito a sua parte acendendo o fogo, já que Oin e Gloin tinham perdido suas pederneiras. (Os anões ainda não usavam fósforos.)
Assim terminaram as aventuras nas Montanhas Sombrias. Logo o estômago de Bilbo estava cheio e confortável de novo. E ele tinha a impressão de que poderia dormir satisfeito, embora, na verdade, preferisse pão com manteiga a pedaços de carne assada em espetos. Dormiu na rocha dura, mais profundamente do que jamais dormira na cama de penas em sua pequena toca. Mas toda a noite sonhou com a própria casa e em seu sonho caminhou em todos os cômodos, procurando algo que não conseguia encontrar nem lembrar como era.
CAPITULO VII
Estranhos alojamentos
NO DIA seguinte Bilbo acordou com os primeiros raios do sol batendo em seus olhos. Levantou-se num salto para ver as horas e pôr a chaleira no fogo — e percebeu que não estava em casa. Sentou-se e desejou em vão poder se lavar e pentear. Não conseguiu nem uma coisa nem outra, nem chá nem torradas, nem toucinho para o desjejum, apenas carne fria de carneiro e coelho. E depois daquilo teve de aprontar-se para enfrentar outro dia.
Desta vez permitiram que subisse no dorso de uma águia e se segurasse no meio das asas. O vento batia-lhe no rosto e ele fechou os olhos. Os anões gritavam adeus e prometiam recompensar o Senhor das Águias se algum dia tivessem a oportunidade, enquanto quinze grandes aves alçavam vôo da encosta da montanha. O sol ainda estava perto da borda leste das coisas. A manhã estava fria, e a névoa enchia os vales e recôncavos, enrolando-se aqui e ali ao redor dos picos e pináculos das montanhas. Bilbo abriu um olho para dar uma espiada e viu que as aves já voavam alto, o mundo ficava distante, e as montanhas sumiam na distância.
Fechou os olhos de novo e segurou mais forte.
— Não belisque! — disse a sua águia. — Não precisa ficar amedrontado feito um coelho, mesmo parecendo um. A manhã está bonita, com pouco vento. O que pode ser melhor que voar?
Bilbo teria gostado de dizer: “Um banho quente e depois um desjejum tardio no gramado”, mas achou melhor não dizer nada, e afrouxou as mãos só um pouquinho.
Depois de um bom tempo as águias devem ter avistado o ponto para onde se dirigiam, mesmo da altura em que se encontravam, pois começaram a descer, desenhando grandes espirais. Fizeram isso por um longo período, e por fim o hobbit abriu os olhos de novo. A terra estava bem mais próxima, e embaixo deles havia árvores que pareciam carvalhos e olmos, amplos descampados e um rio que atravessava tudo. Mas, surgindo da terra, bem no caminho do rio que a contornava, havia uma grande rocha, quase uma colina de pedra, como que um último posto avançado das distantes montanhas, ou um enorme pedaço de rocha jogado a milhas de distância planície adentro por algum gigante entre gigantes.
As águias desceram rápidas para o topo da rocha, uma a uma, e apearam seus passageiros.
— Boa viagem! — gritaram elas —, por onde quer que viajem antes que seus ninhos os recebam no fim do caminho! — É a coisa educada que se deve dizer entre as águias.
— Que o vento sob suas asas possa levá-las para onde o sol navega e a lua caminha — respondeu Gandalf, que sabia a resposta correta.
E assim se despediram. E embora o Senhor das Águias, nos tempos que se seguiram, tenha se transformado no Senhor de Todas as Aves, usando uma corôa de ouro, e seus quinze líderes, colares dourados (feitos do ouro que os anões lhes deram), Bilbo nunca chegou a revê-los — a não ser ao longe, nas alturas, na batalha dos Cinco Exércitos. Mas como isso aparece no fim desta história, não vamos contar mais nada agora.
Havia um espaço plano no topo da colina de pedra e uma trilha gasta com muitos degraus, que conduzia para o rio lá embaixo, através do qual um vau de enormes pedras chatas levava ao prado além das águas. Via-se uma pequena caverna (um lugar acolhedor, com o chão de seixos ao pé dos degraus e perto da extremidade do vau rochoso. Ali o grupo se reuniu e discutiu o que deveria ser feito.
— Minha intenção sempre foi fazê-los atravessar a salvo (se possível) as montanhas — disse o mago — e agora, graças ao bom planejamento e á boa sorte, consegui. Na verdade, agora estamos muito mais ao leste do que jamais pensei em vir com vocês, pois, afinal de contas, esta aventura não é minha. Posso envolver-me nela outra vez antes do fim, mas, enquanto isso, tenho alguns negócios urgentes para resolver.
Os anões gemeram e pareciam extremamente abatidos, Bilbo chorou.
Tinham começado a pensar que Gandalf iria acompanhá-los o tempo todo, e sempre estaria ali para ajudá-los a se livrarem das dificuldades.
— Não vou desaparecer neste instante — disse ele. — Posso lhes conceder mais um ou dois dias. Provavelmente posso ajudá-los a sair desta situação, e eu mesmo preciso de alguma ajuda. Estamos sem comida, sem bagagem e sem pôneis para montar, e vocês não sabem onde estão. Posso lhes dizer agora. Estão ainda algumas milhas ao norte da trilha que deveríamos estar seguindo, se não tivéssemos deixado a passagem das montanhas às pressas. Pouquíssimas pessoas vivem nestas partes, a não ser que tenham vindo para cá depois da última vez que estive por aqui, o que já faz alguns anos. Mas existe alguém que eu conheço, e que não mora muito longe. Esse Alguém fez os degraus na grande rocha, a Carrocha, creio que ele a chama assim. Não vem aqui com freqüência, com certeza não durante o dia, e não adianta ficarmos esperando que venha. Na verdade, seria muito perigoso. Precisamos ir procurá-lo e, se tudo correr bem no nosso encontro, acho que vou embora e desejar, como as águias, “boa viagem, por onde quer que viajem!”