Quanto a Bilbo, poderia com facilidade passar por baixo das pernas dele, sem abaixar a cabeça para desviar da franja de sua túnica marrom.
— Sou Gandalf — disse o mago.
— Nunca ouvi falar dele — resmungou o homem. — E o que é esse sujeitinho? — perguntou ele, abaixando-se e franzindo as sobrancelhas negras e hirsutas diante do hobbit.
— Este é o Sr. Bolseiro, um hobbit de boa família e reputação inatacável — respondeu Gandalf. Bilbo fez uma reverência. Não tinha chapéu para tirar e estava dolorosamente consciente dos botões que lhe faltavam. — Sou um mago — continuou Gandalf. — Ouvi falar de você, embora não tenha ouvido falar de mim, mas quem sabe ouviu falar em meu primo, Radagast, que mora perto da fronteira sul da Floresta das Trevas?
— Sim, não é um mau sujeito, mesmo sendo um mago, eu acho. Costumava vê-lo de vez em quando — disse Beorn. — Bem, agora sei quem são vocês, ou quem dizem que são. O que querem?
— Para falar a verdade, perdemos nossa bagagem e quase perdemos o caminho, precisamos muito de ajuda, ou pelo menos de conselhos. Posso dizer que passamos maus bocados com os orcs nas montanhas.
— Orcs? — disse o homem grande num tom menos rude. — Ah, ha! Então vocês estiveram tendo problemas com eles, é? Por que se aproximaram deles?
— Não era nossa intenção. Eles nos surpreenderam durante a noite numa passagem que tínhamos de atravessar, estávamos vindo das Terras a Oeste para cá, é uma longa história.
— Então é melhor entrarem e contarem uma parte dela, se não for levar o dia todo — disse o homem mostrando o caminho através de uma porta escura que se abria do pátio para o interior da casa.
Indo atrás dele, os dois viram-se num salão amplo com uma lareira no meio. Embora fosse verão, havia lenha queimando e a fumaça subia até as vigas enegrecidas procurando a saída através de uma abertura no teto.
Atravessaram esse salão escuro, iluminado apenas pelo fogo e pela abertura acima dele, e passaram por uma outra porta menor, por onde entraram num tipo de varanda escorada em postes feitos de grandes troncos de árvores. A varanda dava para o sul e ainda estava quente e cheia da luz do sol, que caia a oeste e a invadia com seus raios oblíquos, deitando-se dourado sobre o jardim cheio de flores que avançava até a escada.
Ali sentaram-se em bancos de madeira enquanto Gandalf começava sua história, e Bilbo balançava as pernas penduradas e olhava as flores no jardim, perguntando-se como seriam seus nomes, pois nunca vira antes metade delas.
— Eu estava atravessando as montanhas com um ou dois amigos... — disse o mago.
— Ou dois? Só estou vendo um, e bem pequeno — disse Beorn.
— Bem, para lhe dizer a verdade, não quis incomodá-lo chegando em turma, até descobrir se estava ocupado. Vou chamar, se puder.
— Vamos, chame!
Então Gandalf soltou um assobio longo e agudo, e logo Thorin e Dori contornaram a casa pelo caminho do jardim, pararam diante deles e curvaram-se.
— Um ou três, você quer dizer, pelo que vejo! — disse Beorn. — Mas estes não são hobbits, são anões!
— Thorín Escudo de Carvalho, ao seu serviço! Dori, ao seu serviço! — disseram os dois anões curvando-se outra vez.
— Não preciso do serviço de vocês, obrigado — disse Beom —, mas desconfio de que precisam do meu. Não morro de amores por anões mas se é verdade que você é Thorin (filho de Thrain, filho de Thror, acho eu), e que esse seu companheiro é respeitável, e que vocês são inimigos dos orcs e não estão fazendo nenhuma maldade em minhas terras, por falar nisso, o que estão fazendo aqui?
— Eles estão a caminho para visitar a terra de seus antepassados, lá no leste além da Floresta das Trevas — interrompeu Gandalf —, e o fato de estarmos em suas terras é um mero acidente. Estávamos atravessando a Passagem Alta que nos deveria ter levado até a estrada que fica ao sul de seu território, quando fomos atacados por orcs malignos, como eu ia lhe contar.
— Então continue contando! — disse Beorn, que nunca era muito educado.
— Houve uma terrível tempestade, gigantes de pedra jogavam rochas, e no topo da passagem buscamos refugio numa caverna, o hobbit e eu e vários de nossos companheiros...
— Você chama dois de vários?
— Bem, não. Na realidade, havia mais de dois.
— Onde estão eles? Mortos, devorados, foram para casa?
— Bem, não. Parece que não vieram todos quando eu assobiei. Tímidos, acho eu. Você entende, estamos com um grande receio de sermos muitos para você receber.
— Vamos, assobie de novo! Acho que vou participar de uma festa, ao que parece, e um ou dois a mais não vão fazer diferença — resmungou Beorn.
Gandalf assobiou de novo, mas Nori e Ori já estavam lá, quase antes do assobio terminar, pois, se vocês se lembram, Gandalf tinha lhes dito que chegassem aos pares a cada cinco minutos.
— Olá! — disse Beorn. — Chegaram bem rápido, onde estavam escondidos? Aproximem-se, meus bonecos-de-caixa-de-surpresa!
— Nori, ao seu serviço. Ori a... — começaram eles, mas Beorn interrompeu-os.
— Obrigado! Quando precisar de vocês eu peço. Sentem-se e vamos continuar com a história, ou já será hora da ceia quando tiver terminado.
— Assim que adormecemos — continuou Gandalf —, uma fenda se abriu no fundo da caverna, orcs surgiram e agarraram o hobbit, os anões e nossa tropa de pôneis...
— Tropa de pôneis? O que são vocês um circo itinerante? Ou estavam carregando um monte de mercadorias? Ou será que sempre chamam seis de uma tropa?
— Oh, não! Na verdade, havia mais de seis pôneis, pois havia mais de seis de nós, e, bem, aqui estão mais dois! — Justo nesse momento Balin e Dwalin apareceram e curvaram-se tanto que suas barbas roçaram o chão de pedra. O homenzarrão franziu a testa no início, mas eles estavam fazendo o possível para ser tremendamente educados, e ficaram balançando as cabeças, curvando-se, fazendo reverências e sacudindo os capuzes diante dos joelhos (bem à moda dos anões), até que ele parou de franzir a testa e explodiu numa gargalhada: eles estavam tão engraçados.
— Tropa, estava certo — disse ele. — Uma tropa bem engraçada. Entrem, alegres homenzinhos, e quais são os seus nomes? Não quero seu serviço agora, só quero seus nomes, depois sentem-se e parem de se balançar!
— Balin e Dwalin — disseram eles, sem ousarem ficar ofendidos, e caíram sentados no chão com um ar bastante surpreso.
— Agora continue outra vez! — disse Beorn para o mago.
— Onde eu estava? Ah, sim! Eu não fui agarrado. Matei um ou dois orcs com um clarão...
— Bem! — resmungou Beorn. — Então ser mago tem algo de bom.
— ... e escorreguei para dentro da fenda antes que ela se fechasse. Fui descendo e cheguei ao salão principal, que estava abarrotado de orcs. O Grão-Orc estava lá com trinta ou quarenta guardas armados. Pensei comigo: “ainda se não estivessem todos acorrentados, o que poderia uma dúzia contra tantos?”
— Uma dúzia! É a primeira vez que ouço um grupo de oito ser chamado de uma dúzia. Ou será que você ainda tem mais bonecos que não saíram das caixas de surpresa?
— Bem, sim, agora parece haver mais dois deles aqui.. Fili e Kilí eu acho — disse Gandalf, no momento em que os dois apareceram e postaram-se diante dele sorrindo e fazendo reverências.
— Já basta! — disse Beorn. — Sentem-se e fiquem quietos! Agora continue, Gandalf.
Então Gandalf prosseguiu com a história, até chegar a luta no escuro, a descoberta do portão inferior e ao horror que sentiram ao descobrirem que o Sr. Bolseiro se perdera.