Não se via nenhuma estendida no meio da trilha, mas se era alguma mágica que mantinha o caminho limpo ou algum outro motivo, eles não sabiam dizer.
Não demorou muito para que começassem a odiar a floresta com a mesma intensidade com que haviam odiado os túneis dos orcs, e ela parecia oferecer ainda menos esperanças de chegar ao fim. Mas tinham de avançar sempre, mesmo muito depois de começarem a morrer de vontade de ver o sol e o céu e de ansiarem pelo vento em seus rostos. O ar não se movimentava sob o teto da floresta, era eternamente parado, escuro e abafado. Até mesmo os anões, que estavam acostumados a escavar túneis e algumas vezes viviam por longos períodos sem a luz do sol, sentiam isso, mas o hobbit, que gostava de tocas para morar, mas não de passar dias de verão dentro delas, sentia que estava sendo lentamente sufocado.
As noites eram a pior parte. Tudo ficava escuro como breu — não o que vocês chamam cor de breu, mas breu de verdade: tão negro que realmente não se podia ver nada. Bilbo experimentou abanar a mão na frente do nariz mas não conseguiu enxergá-la de jeito nenhum. Bem, talvez não seja verdade que não pudessem ver nada: podiam ver olhos. Dormiam todos juntos, aconchegados um ao outro, revezando-se para montar guarda, e, quando era a vez de Bilbo, ele via clarões na escuridão ao redor e às vezes pares de olhos amarelos, vermelhos ou verdes observavam-no a certa distância, e depois lentamente se apagavam e desapareciam, para lentamente surgirem brilhando de novo em outro lugar. Algumas vezes brilhavam nos galhos logo acima dele, e isso era aterrorizante. Mas os olhos de que menos gostava eram de um tipo horrível, pálido e bulboso.
“Olhos de insetos”, pensou ele, “e não de animais, só que são muito grandes”.
Embora ainda não estivesse muito frio, tentaram acender fogueiras de vigia durante a noite, mas logo desistiram. O fogo parecia atrair centenas de olhos ao redor deles, embora as criaturas, o que quer que fossem, tomassem o cuidado de nunca exibir seus corpos no bruxuleio das chamas. Pior ainda, atraía também milhares de mariposas cinza-escuras e negras, algumas quase do tamanho de uma mão, que batiam as asas e zumbiam em volta de seus ouvidos. Não podiam aguentar aquilo, nem os enormes morcegos, negros como uma cartola, por isso desistiram das fogueiras e à noite sentavam-se e cochilavam na escuridão enorme e sinistra.
Tudo isso se estendeu por um tempo que para o hobbit parecia séculos, e ele estava sempre com fome, pois todos tornavam extremo cuidado com as provisões. Mesmo assim, conforme os dias passavam e, ainda assim, a floresta parecia sempre a mesma, começaram a ficar apreensivos.
A comida não duraria para sempre: na verdade, já estava começando a minguar. Tentaram atirar nos esquilos e desperdiçaram muitas flechas até conseguirem abater um na trilha. Mas, quando o assaram, viram que o gosto da carne era horrível, e não mataram mais nenhum esquilo.
Sentiam sede também, pois tinham muito pouca água, e durante aquele tempo todo não haviam visto nem fonte nem riacho. Era esse o seu estado quando um dia viram seu caminho bloqueado por um curso de água. Corria rápido e forte. Mas não era muito largo, e era negro, ou assim parecia na escuridão. Foi bom que Beorn os tivesse avisado sobre esse rio, ou teriam bebido de sua água, qualquer que fosse a sua cor, e enchido alguns dos odres já vazios. Naquela situação, pensavam apenas em como atravessar o rio sem se molharem. Outrora uma ponte de madeira o atravessava, mas havia apodrecido e caíra, deixando apenas as vigas quebradas nas margens.
Bilbo, ajoelhando-se na borda e fixando os olhos à frente, gritou:
— Há um barco na margem oposta! Por que não podia estar deste lado?
— A que distância acha que está? — perguntou Thorin, pois agora sabiam que Bilbo era o que melhor enxergava entre eles.
— Não está longe, acho que umas doze jardas, no máximo.
— Doze jardas! Eu teria pensado que eram no mínimo trinta, mas meus olhos não enxergam tão bem como cem anos atrás. Mesmo assim, doze jardas é a mesma coisa que uma milha. Não podemos saltar, e não nos arriscaremos a andar nesta água ou nadar.
— Algum de vocês consegue jogar uma corda?
— De que adiantaria isso? Mesmo que pudéssemos enganchá-lo, o que duvido, é claro que o barco está amarrado.
— Não acho que esteja amarrado — disse Bilbo —, mas é claro que não posso ter certeza nesta luz, mas parece que foi apenas arrastado para a margem, que é baixa ali onde a trilha desce até a água.
— Dori é o mais forte, mas Fili é o mais jovem e ainda tem a visão melhor — disse Thorin. — Venha aqui, Fili, e veja se consegue enxergar o barco de que o Sr. Bolseiro está falando.
Fili achava que podia, então, quando tinha observado um longo tempo para ter uma idéia da direção, os outros trouxeram-lhe uma corda. Levavam muitas consigo, e na extremidade da mais longa fixaram um dos grandes ganchos de ferro que usavam para prender as mochilas nas tiras em seus ombros. Fili pegou o gancho, balançou-o por um momento e então lançou-o através do rio.
— Caiu na água! Não foi longe o suficiente! — disse Bilbo, olhando para a frente. — Um pouco mais á frente e teria caído dentro do barco. Tente de novo. Não acho que a mágica seja forte o suficiente para machucá-lo, se você apenas tocar num pedaço de corda molhada.
De qualquer forma, depois de puxar o gancho de volta, Fili apanhou-o cheio de dúvidas. Desta vez arremessou-o com mais força.
— Vá com calma! — disse Bilbo. — Agora você jogou o gancho bem no meio do mato do outro lado. Puxe com cuidado. — Fili puxou a corda devagar, e, depois de algum tempo, Bilbo disse: — Cuidado! Já está no barco, tomara que enganche.
Enganchou. A corda ficou tesa, e Fili puxou em vão. Kili veio ajudá-lo, e depois Oin e Gloin. Puxaram e puxaram, e de repente todos caíram para trás. Mas Bilbo estava atento, pegou a corda e com um pedaço de galho desviou o pequeno barco preto no momento em que vinha veloz pela correnteza.
— Socorro! — gritou ele, e Balin chegou bem na hora para agarrar o barco antes que ele flutuasse correnteza abaixo.
— Estava amarrado, afinal de contas — disse ele, observando o cabo de atracação rompido, ainda pendurado no barco.
— Foi um belo puxão, meus rapazes, e ainda bem que nossa corda era a mais forte.
— Quem atravessa primeiro? — perguntou Bilbo.
— Eu — disse Thorin —, e você vem comigo, e Fili e Balin. É tudo o que o barco aguentará de cada vez. Depois disso Kili, Oin, Dori e Gloin, depois Ori e Nori, Bifur e Bofur, por último Dwalin e Bombur.
— Sou sempre o último e não gosto disso! — disse Bombur. — Hoje é a vez de outra pessoa.
— Você não deveria ser tão gordo. Do jeito que é, deve ir com o último carregamento, o mais leve. Não comece a resmungar contra as ordens, ou algo ruim lhe acontecera.
— Não temos nenhum remo. Como vocês vão empurrar o barco até a outra margem? — perguntou o hobbit.
— Dê-me mais um pedaço de corda e outro gancho — disse Fili, e quando estava tudo pronto, jogou-o na escuridão, tão alto e distante quanto pôde. Como o gancho não caiu de novo, perceberam que devia ter se prendido nos galhos.
— Entrem agora — disse Fili — e um de vocês puxa a corda que está presa a uma árvore do outro lado. Um dos outros deve segurar o gancho que usamos primeiro e, quando estivermos a salvo do outro lado, poderemos enganchá-lo no barco, e vocês podem puxá-lo de volta.
Dessa forma, logo estavam todos sãos e salvos do outro lado do rio encantado. Dwalin acabara de descer com a corda enrolada no braço, e Bombur (ainda reclamando) aprontava-se para desembarcar quando algo ruim realmente aconteceu. Ouviu-se na trilha à frente o som de cascos velozes.