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Da escuridão surgiu de repente a forma de um veado correndo. Avançou na direção dos anões e derrubou-os, e depois preparou-se para pular. Saltou bem alto e atravessou a água num salto poderoso. Mas não atingiu a salvo o outro lado. Thorin fora o único que se mantivera calmo e de pé. Logo depois de chegarem na outra margem, preparara o arco e flecha para o caso de surgir algum guardião oculto do barco. Agora desferira um tiro rápido e certeiro na direção do animal saltador. No momento em que atingia a margem oposta, o veado tropeçou. As sombras o engoliram, mas eles ainda ouviram o som de cascos logo vacilando e depois silêncio.

Antes que pudessem aclamar o tiro, entretanto, um terrível lamento de Bilbo fez desaparecer de suas mentes qualquer pensamento sobre carne de veado.

— Bombur caiu na água! Bombur está se afogando! — gritou ele.

Era a pura verdade. Bombur estava apenas com um pé na terra quando o veado o derrubou ao saltar. Havia tropeçado, empurrando o barco para longe da margem, e depois caiu dentro da água escura, as mãos tentando agarrar as raízes escorregadias da borda, enquanto o barco lentamente se afastava e desaparecia.

Ainda conseguiram ver seu capuz boiando na água quando correram para a margem. Jogaram depressa uma corda com um gancho em sua direção.

Ele a agarrou e foi puxado até a margem. Estava encharcado do cabelo até as botas, é claro, mas isso não era o pior. Quando o deitaram na margem, já estava num sono profundo, uma mão segurando a corda com tanta força que era impossível tirá-la dali, e num sono profundo permaneceu, apesar de tudo o que fizeram.

Ainda estavam ao lado dele, amaldiçoando sua má sorte e a inabilidade de Bombur, lamentando a perda do barco, que os impossibilitava de voltar e apanhar o veado, quando perceberam o som enfraquecido de trompas na floresta e de cães latindo na distância. Todos ficaram quietos, e ali, sentados, tiveram a impressão de ouvir o barulho de uma grande caçada ao norte da trilha, embora não pudessem ver nenhum sinal dela.

Ali permaneceram por um bom tempo, sem ousar se mexer. Bombur continuava dormindo com um sorriso na cara gorda, como se não mais se preocupasse com todos os problemas que os afligiam. De repente, na trilha à frente apareceram alguns veados brancos, uma fêmea e alguns filhotes tão brancos como o outro era preto. Reluziam nas sombras. Antes que Thorin pudesse gritar, três dos anões já se haviam levantado de um salto e disparado flechas de seus arcos. Nenhuma pareceu acertar o alvo. Os veados viraram-se e desapareceram entre as árvores tão silenciosamente como tinham surgido, e em vão os anões continuaram atirando flechas.

— Parem! Parem! — gritou Thorin, mas era tarde demais, os anões entusiasmados tinham desperdiçado as últimas flechas, e agora os arcos que Beom tinha lhes dado eram inúteis.

Naquela noite o grupo esteve tristonho, e a tristeza tornou-se ainda mais forte em seus corações nos dias seguintes. Tinham atravessado o rio encantado, mas, além dele, a trilha parecia continuar como antes, e na floresta não se via nenhuma mudança. Mas, se soubessem mais sobre ela e considerassem o significado da caçada e dos veados brancos que haviam aparecido na trilha, saberiam que estavam finalmente aproximando-se da borda leste e que logo encontrariam, se pudessem manter a coragem e a esperança, árvores mais esparsas e lugares onde a luz do sol voltava a penetrar.

Mas não sabiam disso, e havia o pesado corpo de Bombur, que tinham de carregar da melhor forma possível, e nessa exaustiva tarefa eles se revezavam de quatro em quatro, enquanto os outros dividiam as mochilas.

Se estas não se tivessem tornado leves demais nos últimos dias, nunca teriam conseguido, mas um Bombur adormecido e sorridente por mochilas cheias de comida era uma permuta pobre, por mais pesado que fosse. Em poucos dias chegou um momento em que não havia praticamente mais nada que comer ou beber. Não se via nada comestível crescendo na floresta, apenas fungos e ervas com folhas amareladas e cheiro desagradável.

A uns quatro dias de distância do rio encantado chegaram a uma região onde a maioria das árvores eram faias. A princípio sentiram-se inclinados a alegrar-se com a mudança, pois não havia vegetação rasteira e a sombra não era tão densa. Ao redor deles havia uma luz esverdeada, e em alguns trechos conseguiam enxergar até certa distância dos dois lados da trilha. Mesmo assim, a luz mostrava-lhes apenas fileiras íntermináveis de troncos cinzentos e retos, como os pilares de algum enorme salão ao crepúsculo. Havia um sopro de ar e barulho de vento, mas o som era triste. Algumas folhas caíam farfalhando para lembrá-los de que lá fora o outono se aproximava. Seus pés afundavam nas folhas mortas de outros incontáveis outonos, trazidas pelo vento dos espessos tapetes rubros da floresta para as margens da trilha.

Bombur ainda dormia, e eles estavam ficando muito cansados. As vezes ouviam um riso perturbador. Outras, também cantoria na distância. O riso era o riso de vozes belas, não de orcs, e a cantoria era bonita, mas soava misteriosa e estranha, e eles não se sentiam consolados, ao invés disso, apressavam-se a deixar a região com toda a força que lhes restava.

Dois dias mais tarde viram que a trilha começava a descer, e logo estavam num vale quase que inteiramente coberto por uma vigorosa mata de carvalhos.

— Será que esta maldita floresta não tem fim? — perguntou Thorin. — Alguém precisa subir numa árvore e ver se consegue enxergar por cima das copas. A única maneira é escolher a árvore mais alta sobre a trilha.

É claro que “alguém” queria dizer Bilbo. Eles o escolheram porque, para obter algum sucesso, quem subisse precisaria erguer a cabeça acima das folhas mais altas, e, portanto, tinha de ser leve o suficiente para que os galhos mais altos e finos pudessem sustentá-lo. O pobre Sr. Bolseiro nunca tivera muita prática em subir em árvores, mas eles o levantaram até os galhos mais baixos de um enorme carvalho que crescia bem na trilha e, assim, ele subiu da melhor maneira que pôde. Abriu caminho através dos galhos entrelaçados, levando muitos golpes nos olhos, a casca envelhecida dos galhos maiores deixou-o esverdeado e encardido, mais de uma vez escorregou e quase não conseguiu segurar-se a tempo, e, finalmente, depois de uma terrível batalha, num ponto difícil onde parecia não haver nenhum galho conveniente, Bilbo chegou perto do topo.

Todo o tempo imaginava se não havia aranhas nas árvores, e como iria descer de novo (se não fosse caindo). No fim, enfiou a cabeça acima do teto de folhas e aí, sim, encontrou aranhas. Mas eram só aranhas pequenas, de tamanho comum, e estavam caçando borboletas. A luz quase cegou os olhos de Bilbo. Podia Ouvir os anões gritando para ele lá de baixo, mas não conseguia responder, conseguia apenas ficar ali piscando.

O sol brilhava muito, e demorou um longo tempo até que conseguisse suportá-lo. Quando conseguiu, viu por toda a volta um mar verde-escuro, agitado aqui e ali pela brisa, e centenas de borboletas por todos os lados. Acho que eram uma espécie de “imperador purpúreo”, uma borboleta que adora as copas das matas de carvalho, mas aquelas não eram nem um pouco purpúreas, eram de um negro aveludado muito profundo, sem qualquer marca que se pudesse ver.

Bilbo ficou observando os “imperadores negros” por longo tempo, e apreciando a sensação da brisa em seu cabelo e seu rosto, mas, por fim, os gritos dos anões, que agora simplesmente sapateavam de impaciência lá embaixo, fizeram-no lembrar de sua verdadeira missão. Não adiantava. Por mais que olhasse, não via o fim das árvores e das folhas em nenhuma direção. Seu coração, que se alegrara com a visão do sol e a sensação do vento, voltou a mergulhar no mais profundo desânimo: não haveria comida lá embaixo quando descesse.

Na verdade, como eu já lhes disse, não estavam longe da borda da floresta e, se Bilbo tivesse o bom senso de perceber, a árvore na qual subira, embora fosse alta , erguia-se perto do fundo de um amplo vale, de modo que de seu topo as árvores pareciam elevar-se por toda a volta, formando como que uma grande tigela, e ele não conseguiria ver até que distância ainda se estendia a floresta. Mas não percebeu, e desceu tomado pelo desespero. Finalmente chegou lá embaixo, arranhado, com calor e arrasado, e, depois de descer, não conseguia ver nada na escuridão. Seu relato logo deixou os outros tão arrasados quanto ele.