Bilbo fez tudo o que pôde para acompanhar as tochas, pois os elfos forçavam os anões a avançarem na maior velocidade possível, mesmo doentes e exaustos como estavam. O rei havia lhes ordenado que se apressassem. De repente, as tochas pararam, e o hobbit teve apenas o tempo suficiente para alcançá-las antes que começassem a atravessar a ponte. Era a ponte que cruzava o rio na direção dos portais do rei. A água corria escura, rápida e forte lá embaixo, na extremidade oposta havia portões diante da abertura de uma enorme caverna incrustada no flanco de urna encosta íngreme coberta de árvores. Ali as grandes faias desciam para a margem, até suas raízes tocarem o rio.
Pela ponte os elfos foram empurrando seus prisioneiros, mas Bilbo hesitava lá atrás. Não gostava nem um pouco da aparência da abertura da caverna, e decidiu não abandonar os amigos apenas a tempo de sair correndo atrás dos últimos elfos antes que os grandes portões do rei se fechassem atrás deles com um estrondo.
Lá dentro os corredores eram iluminados pela luz vermelha das tochas, e os guardas-élficos cantavam em sua marcha ao longo das passagens sinuosas, entrecruzadas e ecoantes. Essas passagens não eram como as das cidades dos orcs: eram menores, menos entranhadas na terra, e continham um ar mais limpo. Num grande salão com pilares talhados na pedra estava sentado o Rei Élfico, num tronco de madeira esculpida. Em sua cabeça via-se uma corôa de bagas e folhas vermelhas, pois mais uma vez chegara o outono. Na primavera usava uma corôa de flores silvestres.
Na mão segurava um cajado entalhado de carvalho. Os prisioneiros foram trazidos à sua presença, e embora lhes lançasse um olhar severo, o rei ordenou aos seus homens que os desamarrassem, pois estavam esfarrapados e cansados.
— Além disso, eles não precisam de cordas aqui — disse ele. — Quem é trazido para dentro de minhas portas mágicas não tem como escapar.
Fez um interrogatório longo e rigoroso, perguntando aos anões sobre seus feitos, onde estavam indo e de onde vinham: mas não conseguiu deles mais noticias do que conseguira de Thorin.
Estavam carrancudos e zangados, e nem mesmo fingiram ser educados.
— O que fizemos, ó, rei? — disse Balin, que era o mais velho dos que estavam ali. — Seria crime estar perdido na floresta, com fome e sede, e ser capturado por aranhas? Será que as aranhas são seus animais de estimação, já que o fato de as termos matado o deixa zangado?
É claro que tal pergunta só deixou o rei mais zangado que nunca, e ele respondeu:
— É crime perambular por meu reino sem permissão. Esquecem-se de que estavam em meu reino, usando a estrada feita por meu povo? Não é verdade que por três vezes vocês perseguiram e incomodaram meu povo na floresta, despertando as aranhas com toda a confusão que fizeram? Depois de todo o incômodo que causaram, tenho o direito de saber o que os traz aqui, e se não me disserem agora, vou mantê-los todos presos até que tenham aprendido bom senso e boas maneiras.
Ordenou então que os anões fossem colocados cada um numa cela separada, e que recebessem comida e bebida, mas não deviam ultrapassar a porta de suas pequenas prisões, até que pelo menos um deles estivesse disposto a contar tudo o que ele queria saber. Mas não lhes disse que Thorin também estava preso ali. Foi Bilbo quem descobriu.
Pobre Sr. Bolseiro — durante um tempo longo e cansativo ele viveu completamente sozinho naquele lugar, sempre se escondendo, nunca ousando tirar o anel do dedo, mal atrevendo-se a dormir, mesmo quando estava enfiado nos cantos mais escuros e remotos que podia encontrar. Para ter algo a fazer, começou a circular pelo palácio do Rei Élfico. Os portões fechavam-se por mágica, mas algumas vezes, quando agia com rapidez, conseguia sair. De quando em quando, companhias de Elfos da Floresta, algumas vezes sob a liderança do rei, saíam para caçar e para fazer outras coisas na floresta e nas terras ao leste. Nessas ocasiões, se Bilbo conseguia ser bem ligeiro, podia esgueirar-se bem atrás deles, embora isso fosse perigoso. Mais de uma vez quase ficou preso nas portas, no momento em que elas se fechavam com um baque depois da passagem do último elfo, apesar disso, Bilbo não ousava marchar em meio a eles por causa de sua sombra (mesmo sendo ela trêmula e tênue na luz das tochas), ou por medo de que alguém tropeçasse nele e o descobrisse. E quando saia, o que não era muito freqüente, não tirava nenhum proveito. Não queria abandonar os anões e, na verdade, não sabia para onde ir sem eles. Não conseguia acompanhar os elfos caçadores o tempo todo em que estes estavam fora e, assim, nunca descobria os caminhos para fora da mata e ficava vagando infeliz pela floresta, morrendo de medo de se perder, até que tivesse uma oportunidade de retornar. Também sentia fome do lado de fora, pois não era um caçador, mas dentro da caverna conseguia sobreviver de uma maneira ou outra, roubando comida de despensas ou mesas, quando não havia ninguém por perto.
“Sou como um ladrão que não consegue escapar, e precisa continuar roubando miseravelmente a mesma casa dia após dia”, pensava ele. Esta é a parte mais melancólica e monótona desta aventura maldita, cansativa e desconfortável! Gostaria de estar em minha toca hobbit, ao pé do fogo acolhedor de minha própria lareira, com a lamparina brilhando! Muitas vezes também desejava poder enviar uma mensagem de socorro ao mago, mas isso era obviamente impossível, logo percebeu que se havia algo a fazer, teria de ser feito pelo Sr. Bolseiro, sozinho e sem ajuda.
Finalmente, depois de uma ou duas semanas daquela vida furtiva, ele conseguiu, observando e seguindo os guardas, aproveitando todas as oportunidades possíveis, descobrir onde cada anão estava preso. Encontrou todas as doze celas em diferentes partes do palácio e, depois de algum tempo, aprendeu a movimentar-se por ali com facilidade. Qual não foi sua surpresa quando um dia ouviu uns guardas conversando e ficou sabendo que havia um outro anão também preso, num lugar especialmente profundo e escuro. Adivinhou imediatamente, é claro, que se tratava de Thorin, depois de algum tempo descobriu que sua suspeita estava correta. Por fim, depois de muitas dificuldades, conseguiu encontrar o lugar quando não havia ninguém por perto, e trocar algumas palavras com o líder dos anões.
Thorin estava por demais arrasado para continuar zangado diante de seus infortúnios, e até começava a pensar em dizer ao rei tudo sobre seu tesouro e sua busca (o que mostra como estava desanimado), quando ouviu a vozinha de Bilbo pelo buraco da fechadura. Mal pôde acreditar no que ouvia. Logo, porém, decidiu que não podia estar enganado, aproximou-se da porta e, aos sussurros, teve uma longa conversa com o hobbit.
Foi assim que Bilbo conseguiu levar em segredo o recado de Thorin a cada um dos anões aprisionados, dizendo-lhes que Thorin, seu líder, também estava preso ali no palácio, e que ninguém deveria revelar sua missão ao rei, não por enquanto, não antes que Thorin se manifestasse.
Pois Thorin sentia-se outra vez encorajado, depois de ouvir como o hobbit resgatara seus companheiros das aranhas, e estava mais uma vez determinado a não obter o próprio resgate prometendo ao rei uma parte do tesouro, até que toda e qualquer esperança de escaparem de alguma outra maneira tivesse desaparecido, na verdade, até que o notável Sr. Invisível Bolseiro (de quem passara a ter um conceito realmente muito alto) desistisse por completo de pensar em algo mais inteligente.
Os outros anões concordaram totalmente quando receberam o recado.
Todos achavam que suas partes do tesouro (que consideravam suas, apesar da situação e do dragão ainda não vencido) sofreriam sérios danos se os Elfos da Floresta reivindicassem para si uma quota, e todos confiavam em Bilbo. Exatamente o que Gandalf dissera que aconteceria, como vocês podem ver. Talvez esse fosse um de seus motivos para ir embora e abandoná-los.