Estavam ansiosos demais para se preocuparem com as runas ou com as letras-da-lua e tentavam sem descanso descobrir onde, exatamente, na superfície lisa da rocha, estava escondida a porta. Haviam trazido da Cidade do Lago picaretas e ferramentas de vários tipos, e a princípio tentaram usá-las. Mas, quando golpeavam a rocha, os cabos estilhaçavam-se, seus braços estremeciam dolorosamente, e as peças de ferro quebravam-se ou entortavam como chumbo. O trabalho de mineração, perceberam claramente, de nada adiantava contra a mágica que mantinha fechada aquela porta, além disso, ficaram apavorados com o barulho dos ecos.
Bilbo achava que ficar sentado na soleira da porta era solitário e cansativo — na verdade, não havia uma soleira, é claro, mas, por brincadeira, costumavam chamar de soleira o pequeno espaço gramado entre a muralha e a abertura, lembrando as palavras de Bilbo muito tempo atrás, na festa inesperada em sua toca hobbit, quando dissera que podiam ficar sentados à porta até pensarem em alguma coisa. E sentar-se e pensar foi o que fizeram, ou vagar sem destino, e foram ficando mais e mais carrancudos.
Os humores haviam melhorado um pouco com a descoberta da trilha, mas agora todos afundavam no desânimo, apesar disso, recusavam-se a desistir e partir. O hobbit já não estava mais animado que os anões. Não fazia nada, a não ser sentar-se, recostado na rocha, e ficar olhando para o oeste pela abertura, por sobre o penhasco por sobre as amplas terras, até à muralha negra da Floresta das Trevas, e as distâncias além, nas quais às vezes tinha a impressão de vislumbres das Montanhas Sombrias, pequenas e longínquas. Quando os anões lhe perguntavam o que estava fazendo, ele respondia:
— Mas receio que não estivesse pensando muito no trabalho, mas sim no que estava além da distância azul, a pacifica Terra Ocidental e a Colina, com sua toca hobbit embaixo.
Havia uma grande rocha cinzenta no meio da relva e ele, taciturno, olhava para ela ou observava os grandes caracóis. Eles pareciam adorar a pequena reentrância, com suas frescas paredes de pedras, e havia vários deles, de tamanho avantajado, arrastando-se lenta e pegajosamente ao longo delas.
— Amanhã começa a última semana do outono — disse Thorin um dia.
— E o inverno vem depois do outono — disse Bifur.
— E depois disso o próximo ano — disse Dwalin —, e nossas barbas vão crescer e cair pelo penhasco e chegar ao vale antes que aconteça qualquer coisa aqui. O que o nosso ladrão está fazendo por nós? Já que tem um anel invisível, e deveria ser um ator especialmente bom além disso, começo a pensar que ele poderia ir pelo Portão Dianteiro e espionar um pouco as coisas!
Bilbo ouviu aquilo, pois os anões estavam nas pedras logo acima da reentrância em que o hobbit estava sentado: “Céus!”, pensou ele, “então é isso que estão começando a pensar, não é? É sempre o coitado aqui que tem de livrá-los de suas dificuldades, pelo menos desde que o mago foi embora. O que é que eu vou fazer? Eu devia saber que algo pavoroso me aconteceria no final. Não acho que aguentaria ver a tristonha Vaíle outra vez, e quanto àquele portão fumegante!!!” Naquela noite estava arrasado e mal conseguiu dormir. No dia seguinte todos os anões saíram em várias direções, alguns exercitavam os pôneis lá embaixo, outros perambulavam pela encosta da montanha. Bilbo ficou todo o dia sentado na reentrância relvosa, melancólico, olhando para a pedra ou para o oeste através da estreita abertura. Tinha uma estranha sensação de estar esperando alguma coisa. “Talvez o mago volte hoje de repente”, pensou ele.
Quando levantava a cabeça, podia ver uma nesga da floresta longínqua. À medida que o sol caminhava para oeste, via-se um brilho amarelo por sobre as copas distantes, como se a luz atingisse suas últimas folhas pálidas. Logo viu a bola alaranjada do sol descer até o nível de seus olhos. Caminhou até a abertura e ali, pálida e tênue, uma lua nova esmaecida erguia-se por sobre a borda da Terra.
Naquele exato momento ouviu um estalido agudo atrás de si. Ali, na rocha cinzenta no meio da relva, estava um enorme tordo, negro como carvão, o peito amarelo-claro salpicado de pintas pretas. Craque! Capturara um caracol e o batia contra a pedra. Craque! Craque! De repente, Bilbo entendeu. Esquecendo todo o perigo, postou-se sobre a saliência e chamou os anões, gritando e acenando. Os que estavam mais próximos vieram tropeçando pelas rochas, caminhando ao longo da saliência com toda a rapidez possível, imaginando que diabos estaria acontecendo, os outros gritavam, pedindo para serem içados pelas cordas (exceto Bombur, é claro: estava dormindo).
Bilbo explicou rapidamente. Todos ficaram em silêncio: o hobbit, de pé, ao lado da pedra cinzenta, e os anões balançando as barbas, observando impacientes. O sol descia cada vez mais, e todos perdiam as esperanças. Afundou atrás de um cinturão de nuvens avermelhadas e desapareceu. Os anões resmungavam, mas, mesmo assim, Bilbo ficou ali, quase sem se mover. A pequena lua mergulhava na direção do horizonte. A noite chegava. Então, de repente, quando quase não o restava mais esperança, um raio vermelho do sol escapou como um dedo através de um rasgo de nuvem. Um fulgor de luz atravessou a abertura, entrou na reentrância e caiu sobre a superfície lisa da rocha. O velho tordo, que estivera empoleirado observando do alto, os olhos redondos, a cabeça pendendo para um lado, soltou um trinado repentino. Ouviu-se um forte estalido.
Uma lasca da rocha separou-se da parede e caiu. Um buraco apareceu de repente a uns três pés do chão.
Depressa, tremendo, com medo de que a oportunidade desaparecesse, os anões correram para a pedra e a empurraram em vão.
— A chave! A chave! — gritou Bilbo. — Onde está Thorin? — Thorin correu.
— A chave! — gritou Bilbo. — A chave que acompanhava o mapa! Tente agora enquanto ainda há tempo!
Então Thorin aproximou-se e tirou do pescoço a corrente que prendia a chave. Colocou-a no buraco. Serviu e girou! Snap! O brilho se apagou, o sol sumiu, a lua se foi e a noite tomou conta do céu.
Agora todos empurraram juntos e, lentamente, uma parte da muralha rochosa cedeu. Fendas longas e retas surgiram e foram se alargando. Uma porta de cinco pés de altura e três de largura foi se desenhando e, devagar, sem nenhum ruido, abriu-se para dentro. Foi como se a escuridão fluísse como um vapor do buraco na encosta da montanha, e uma escuridão profunda, na qual nada se via, abriu-se diante de seus olhos, uma boca escancarada que conduzia para dentro e para baixo.
CAPÍTULO XII
Informação de dentro
Por um longo tempo ficaram discutindo, parados no escuro, diante da porta, até que por fim Thorin falou:
— Agora é a vez de nosso estimado Sr. Bolseiro, que provou ser um bom companheiro em nossa longa estrada e um hobbit cheio de coragem e capacidade, que em muito excedem seu tamanho, e, se me permitem dizer, que tem uma sorte que excede em muito o quinhão normal, agora é a vez de ele desempenhar o serviço pelo qual foi incluído em nossa Companhia, agora é a hora de fazer por merecer sua recompensa.
Vocês já estão familiarizados com o estilo de Thorin em ocasiões importantes, então vou poupá-los do resto do discurso, embora ele tenha se prolongado bastante. Com certeza era uma ocasião importante. Mas Bilbo sentia-se impaciente. Àquelas alturas, ele também estava bastante familiarizado com Thorin e sabia onde o anão queria chegar.
— Se está querendo dizer que acha que é serviço meu entrar em primeiro lugar pela passagem secreta, ó, Thorin, filho de Thrain, Escudo de Carvalho, que suas barbas nunca deixem de crescer — disse ele irritado. — Diga de uma vez por todas! Eu poderia recusar. Já livrei vocês de duas confusões que não estavam no acordo inicial, portanto, já mereço, acho eu. Alguma recompensa. Mas “a terceira vez vale por todas”, como costumava dizer meu pai, e, de certo modo, acho que não vou recusar. Talvez eu tenha começado a confiar mais em minha sorte do que nos dias antigos. — E, com isso, ele se referia à última primavera, antes de deixar sua casa, o que, no entanto parecia ter ocorrido séculos atrás. — Mas, de qualquer modo acho que vou dar uma espiada para acabar logo com isso. Agora, quem vem comigo?