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Bilbo não esperava um coro de voluntários, e por isso não ficou desapontado. Fili e Kili pareciam incomodados e hesitaram, mas os outros nem fingiram se oferecer: exceto o velho Balin, o sentinela, que gostava bastante do hobbit. Disse que pelo menos entraria e talvez fizesse um pouco do caminho, pronto para chamar por socorro se necessário. O máximo que se pode dizer em favor dos anões é isto: pretendiam pagar a Bilbo uma soma realmente alta por seus serviços, haviam-no trazido para fazer um serviço sujo por eles, e não se opunham a que o pobre sujeitinho o fizesse, se estivesse disposto, mas todos teriam dado o melhor de si para livrá-lo de qualquer enrascada em que pudesse se envolver, como fizeram no caso dos trolls no início das suas aventuras, antes que tivessem qualquer motivo especial para se sentirem agradecidos a ele. Em suma: os anões não são heróis, mas um povo calculista, que têm em alta conta o valor do dinheiro, alguns são ladinos e traiçoeiros, pessoas muito más, outros, não, são decentes o bastante como Thorin e Companhia, se não se espera muito deles.

As estrelas surgiam atrás dele, num céu pálido manchado de negro, quando o hobbit passou pela porta encantada e enfiou-se na montanha. Era mais fácil do que ele imaginara. Não não era uma entrada de orcs, nem uma caverna rústica dos Elfos da Floresta. Era uma passagem feita por anões, no auge de sua riqueza e talento: reta como uma régua, o chão e as paredes aplainados, avançando numa inclinação suave, constante, para algum fim distante na escuridão lá embaixo.

Depois de algum tempo, Balin desejou boa sorte a Bilbo e parou onde ainda era possível ver a silhueta esmaecida da porta e, por um truque dos ecos do túnel, ouvir o murmúrio das vozes dos outros lá fora. Então o hobbit colocou o anel e, advertido pelos ecos de que deveria tomar mais cuidado do que os hobbits normalmente tomam para não fazer nenhum barulho, prosseguiu silenciosamente, descendo, descendo, na escuridão. Tremia de medo, mas tinha o rosto sério e resoluto. Já era um hobbit muito diferente daquele que saíra de Bolsão, muito tempo atrás, sem um lenço no bolso. Agora não tinha um lenço havia séculos. Soltou o punhal na bainha, apertou o cinto e foi em frente.

— Agora você finalmente conseguiu, Bilbo Bolseiro — disse consigo mesmo. — Você se meteu na encrenca naquela noite da festa, agora deve sair dela e pagar por isso! Céus! Que idiota eu fui e sou! — disse a sua parte menos Túk. — Não tenho absolutamente nenhuma necessidade de tesouros guardados por dragões, e ele poderia ficar aqui para sempre, se eu pudesse acordar e descobrir que este túnel horroroso era o corredor de entrada de minha casa!

É claro que ele não acordou, e continuou sempre em frente, até que qualquer sinal da porta lá atrás desaparecesse por completo. Ele estava completamente sozinho. Logo teve a impressão de que começava a ficar quente: “Será mesmo uma espécie de brilho que vejo vindo lá embaixo?”, pensou ele.

Era. À medida que seguia em frente, crescia cada vez mais, até que não restaram mais dúvidas. Era uma luz vermelha, que ia ficando cada vez mais vermelha. Além disso, não havia dúvida de que o túnel estava quente.

Nuvens de vapor passavam flutuando e ele começou a suar. Um som, também, começou a pulsar em seus ouvidos. Uma espécie de borbulhar, como o de uma grande panela no fogo, misturado com um ronco que parecia o ronronar de um gato gigante. Esse som cresceu, até transformar-se no gorgolejo inconfundível de um animal enorme, roncando lá embaixo, no clarão vermelho à frente do hobbit.

Foi nesse ponto que Bilbo parou. Ultrapassá-lo foi o gesto mais corajoso de toda a sua vida. As coisas tremendas que aconteceram depois não eram quase nada comparadas aquilo.

Lutou a verdadeira batalha sozinho no túnel, antes mesmo de perceber o enorme perigo que estava á sua espera. De qualquer forma, depois de uma breve parada, ele avançou, e vocês podem imaginá-lo chegando ao fim do túnel, uma abertura do mesmo tamanho e da mesma forma da porta de cima.

Através dela espia a cabecinha do hobbit. Diante dele está o grande e mais profundo porão ou calabouço dos anões antigos, bem na raiz da Montanha. Está quase escuro, de modo que sua vastidão pode ser apenas vagamente imaginada: mas, no chão de pedra junto à porta, ergue-se um grande clarão, O clarão de Smaug!

Lá estava ele, um enorme dragão vermelho-dourado, ferrado no sono, um ruído palpitante vinha de suas narinas e mandíbulas, junto com tufos de fumaça, mas, no sono, o fogo estava arrefecido. Embaixo dele, sob os membros e a grande cauda enrolada, e em torno dele, por todos os lados, espalhando-se pelo chão invisível, jaziam incontáveis pilhas de objetos preciosos, ouro trabalhado e ouro bruto, pedras e jóias, e prata, que a luz rubra tingia de vermelho.

Lá estava Smaug. As asas recolhidas como as de um morcego incomensurável, virado parcialmente para um lado, de modo que o hobbit podia ver a parte inferior de seu corpo, a barriga comprida e clara cravejada de pedras e fragmentos de ouro, de passar tanto tempo sobre leito tão precioso. Atrás dele, junto às paredes mais próximas, podiam-se entrever cotas de malha, elmos e machados, espadas e lanças penduradas e em fileiras, grandes jarros e vasos cheios de uma riqueza incalculável.

Dizer que Bilbo perdeu o fôlego não é uma descrição adequada. Não sobraram palavras para expressar a sua vertigem desde que os Homens mudaram a língua que aprenderam dos elfos, no tempo em que todo o mundo era maravilhoso. Bilbo já ouvira contar e cantar sobre tesouros de dragões. Mas o esplendor. A cobiça e a glória de um tesouro assim eram desconhecidos para ele. Seu coração foi penetrado e dominado pelo encantamento e pelo desejo dos anões, ele observava, imóvel, quase esquecendo o temível guardião, o ouro além de qualquer preço ou conta.

Ficou observando durante o que pareceu um século, até que, arrastado quase contra a vontade, esgueirou-se da sombra da entrada e foi até a ponta mais próxima dos montes de tesouro. Acima dele, jazia o dragão adormecido, uma ameaça medonha mesmo dormindo. Agarrou uma grande taça de duas alças, tão pesada quanto podia carregar, e lançou um olhar amedrontado para cima. Smaug mexeu uma asa, abriu uma garra e seu ronco mudou de tom.

Então Bilbo fugiu. Mas o dragão não acordou — não ainda —, teve outros sonhos, de ganância e de violência, deitado ali, no salão roubado, enquanto o pequeno hobbit voltava pelo longo túnel. Seu coração palpitava, e dominava-lhe as pernas um tremor ainda mais febril do que quando descera, mas, mesmo assim, agarrava a taça, e seu principal pensamento era: “Eu consegui! Isso vai mostrar a eles.” Mais parecido com um dono de armazém do que com um ladrão, pois sim! Bem, ninguém mais falará no assunto.

E ninguém falou mesmo. Balin ficou exultante ao ver o hobbit novamente, e tão feliz quanto surpreso. Ergueu Bilbo e carregou-o para o ar livre. Era meia-noite e as nuvens haviam coberto as estrelas, mas Bilbo ficou deitado com os olhos fechados, tomando fôlego e deliciando-se com a sensação de ar fresco, quase sem notar o alvoroço dos anões ou como eles o elogiavam e lhe davam tapinhas nas costas, colocando-se ao seu dispor, com toda a família, por inúmeras gerações vindouras.

Os anões ainda passavam a taça de mão em mão e conversavam deliciados sobre a recuperação de seu tesouro quando, de repente, um enorme estrondo subiu pela montanha como se um velho vulcão tivesse decidido entrar em erupção novamente. A porta atrás deles foi quase arrancada, impedida de fechar pela pedra que a calçava, mas, pelo longo túnel. Vinham das profundezas os horríveis ecos, de urros e passos que faziam tremer o chão sob os pés deles.