Выбрать главу

Os anões esqueceram a alegria e os arroubos confiantes de um momento atrás e encolheram-se de medo. Ainda tinham de acertar as contas com Smaug. Não se pode excluir dos cálculos um dragão vivo que mora ao lado. Os dragões podem não fazer muito uso de toda a sua riqueza, mas geralmente conhecem cada peça dela, em especial depois de possui-la por muito tempo, e Smaug não era exceção. Passara de um sonho ruim (no qual um guerreiro, absolutamente insignificante em tamanho, mas provido de uma espada afiada e grande coragem, figurava da maneira mais desagradável) para um cochilo, e do cochilo para o completo despertar. Havia um ar estranho na caverna. Seria uma corrente vinda daquele pequeno buraco? Nunca gostara muito dele, embora fosse tão pequeno, e agora olhava naquela direção, cheio de suspeitas, e perguntava-se por que nunca o bloqueara. Ultimamente chegara a imaginar que ouvia ecos abafados de batidas, que pareciam descer por ele até seu covil. Virou-se e esticou o pescoço para farejar. Então, deu pela falta da taça! Ladrões! Fogo! Assassínio! Uma coisa assim não acontecia desde que viera para a Montanha! Sua fúria ultrapassava qualquer descrição — o tipo de fúria que só se vê quando pessoas ricas, que têm mais do que podem apreciar, de repente perdem algo que possuem há muito tempo, mas que nunca usaram ou quiseram. Arrotou fogo, o salão encheu-se de fumaça, ele sacudiu as raízes da montanha. Em vão forçou a cabeça contra a pequena abertura, depois, enrolando o corpo, rugindo como um trovão subterrâneo, saiu de seu covil profundo pela grande porta, pelos enormes corredores do palácio da montanha, subindo na direção do Portão Dianteiro.

Caçar por toda a montanha até capturar o ladrão, despedaçá-lo e pisoteá-lo, era seu único pensamento. Saiu portão afora, as águas erguendo-se num vapor feroz e sibilante, subiu em chamas pelos ares e foi pousar no topo da montanha, um jato flamejante verde e escarlate. Os anões ouviram o rumor horripilante de seu vôo e encolheram-se contra as paredes do terraço relvoso, escondendo-se debaixo das rochas, esperando de alguma forma escapar dos olhos temíveis do dragão caçador.

Ali teriam todos sido mortos, não fosse por Bilbo, mais uma vez.

— Depressa! Depressa! — disse ele ofegante. — A porta! O túnel! Aqui não adianta.

Instigados por essas palavras, estavam a ponto de entrar no túnel quando Bifur soltou um grito:

— Meus primos! Bombur e Bofur! Nós esquecemos, estão lá embaixo, no vale! Serão mortos, e nossos pôneis também, e todas as nossas provisões vão se perder — gemeram os outros. — Não podemos fazer nada.

— Bobagem! — disse Thorin, recuperando a dignidade. — Não podemos abandoná-los. Entrem, Sr. Bolseiro e Balin e vocês dois também, Fili e Kili, o dragão não vai nos pegar a todos. Agora, vocês outros, onde estão as cordas? Sejam rápidos! Aqueles foram talvez os piores momentos pelos quais já tinham passado. Os horríveis sons da fúria de Smaug ecoavam nas concavidades rochosas acima, a qualquer momento ele poderia descer em chamas, ou voar em redor e encontrá-los ali, perto da perigosa borda de penhasco, puxando as cordas como loucos. Bofur subiu, ainda em segurança. Bombur subiu, bufando e ofegando enquanto as cordas rangiam, e ainda em segurança.

Içaram algumas ferramentas e pacotes de provisões e, então, o perigo estava em cima deles.

Ouviu-se um zumbido. Uma luz vermelha tocou as pontas das rochas. O dragão chegava.

Mal tiveram tempo de correr de volta para o túnel, puxando e arrastando seus pacotes, quando Smaug chegou zunindo pelo lado norte, lambendo as encostas da montanha com chamas, as grandes asas rugindo como vento. Seu hálito quente esturricou a grama diante da porta, entrou pela fenda que os anões haviam deixado e chamuscou a pele deles enquanto se escondiam. Chamas bruxuleantes subiam, as sombras negras das rochas dançavam. Depois tudo ficou escuro, enquanto o dragão passava novamente.

Os pôneis rincharam aterrorizados, romperam as cordas e fugiram galopando. O dragão arremeteu para baixo, virou-se para persegui-los e depois sumiu.

— É o fim de nossos pobres animais! — disse Thorin. — O que Smaug vê não lhe escapa. Aqui estamos e aqui teremos de ficar, a não ser que alguém esteja disposto a percorrer desprotegido as longas milhas de volta ao rio com Smaug vigiando!

Não era um pensamento agradável! Desceram mais pelo túnel, e ali ficaram deitados, tremendo, embora estivesse quente e abafado, até a aurora brilhar palidamente pela fenda da porta. De vez em quando, durante a noite, podiam ouvir o rugido do dragão alado aumentar e depois sumir enquanto ele caçava ao redor das encostas da montanha.

Ele adivinhava, pelos pôneis e pelos vestígios dos acampamentos que descobrira, que homens tinham subido pelo rio e pelo Lago e escalado a encosta da montanha pelo vale onde estavam os pôneis, mas a porta resistia aos seus olhos perscrutadores, e a pequena reentrância, com suas paredes altas, havia detido suas chamas mais violentas. Já caçara em vão por muito tempo, quando a aurora esfriou sua fúria e ele voltou ao seu leito de ouro para dormir — e para juntar novas forças. Não iria esquecer ou perdoar o furto, nem que mil anos o transformassem numa pedra fumegante, e ele podia esperar. Lenta e silenciosamente, voltou à sua toca e semicerrou os olhos.

Quando chegou a manhã, o terror dos anões diminuiu. Perceberam que perigos daquele tipo eram inevitáveis quando se lidava com tal guardião, e que ainda não adiantava desistirem da busca. Tampouco podiam sair dali agora, como observara Thorin. Os pôneis estavam perdidos ou mortos, e teriam de esperar algum tempo até que Smaug relaxasse a vigilância o suficiente para que pudessem arriscar-se a fazer o longo caminho a pé.

Por sorte, tinham salvado uma quantidade de provisões que ainda duraria algum tempo.

Debateram longamente o que deviam fazer, mas não conseguiram pensar em nenhuma maneira de se livrarem de Smaug — o que sempre fora um ponto fraco em seus planos. Como Bilbo sentia-se inclinado a observar. Então, como é da natureza de pessoas que estão completamente perplexas, começaram a reclamar do hobbit, culpando-o pelo que no inicio agradara tanto: por trazer uma taça e despertar tão cedo a ira de Smaug.

— O que mais vocês acham que um ladrão deve fazer? — perguntou Bilbo, furioso. — Eu não fui contratado para matar dragões, que é trabalho para guerreiros, mas para roubar tesouros. Comecei da melhor maneira que pude. Vocês esperavam que eu voltasse com toda a riqueza de Thror nas costas? Se há alguma reclamação a fazer, acho que eu posso falar. Vocês deveriam ter trazido quinhentos ladrões, não um. Tenho certeza de que isso reflete a capacidade de seu avô, mas vocês não podem dizer que me informaram claramente sobre a vasta extensão de sua riqueza. Eu precisaria de centenas de anos para trazer tudo para cima, mesmo que fosse cinquenta vezes maior, e Smaug, manso como um coelho.

Depois disso é claro que os anões lhe pediram desculpas.

— O que propõe que façamos, Sr. Bolseiro? — perguntou Thorin, num tom polido.

— Não tenho nenhuma idéia no momento, se você se refere à remoção do tesouro. Isso, é claro, depende inteiramente de alguma virada da sorte e de nos livrarmos de Smaug. Dar cabo de dragões não é minha especialidade, mas vou fazer o possível para pensar no assunto. Pessoalmente não tenho esperança nenhuma, e gostaria de estar em casa, são e salvo.

— Não pense nisso agora. O que devemos fazer agora, hoje?

— Bem, se realmente querem meu conselho, eu diria que não podemos fazer nada além de ficar onde estamos. Durante o dia, sem dúvida, podemos sair com segurança suficiente para tomarmos ar. Talvez, em pouco tempo, um ou dois possam ser escolhidos para voltar à margem do rio e reabastecer nossas provisões. Mas, por enquanto, todo mundo deve ficar dentro do túnel durante a noite. Agora, vou fazer-lhes uma oferta. Tenho meu anel e vou descer hoje, ao meio-dia, pois a essa hora Smaug deve estar cochilando, e ver o que ele está preparando. Talvez algo aconteça. “Todo dragão tem seu ponto fraco”, como dizia meu pai, embora tenha certeza de que não era por experiência própria.