— Queremos o Rei Bard! — gritaram em resposta as pessoas que estavam perto. — Já estamos fartos dos velhos e dos contadores de dinheiro! — E as pessoas que estavam mais longe juntaram-se ao coro: — Queremos o Arqueiro, abaixo o Avarento. — até o clamor ecoar ao longo da margem.
— Sou o último homem a subestimar o valor de Bard, o Arqueiro — disse o Senhor com cautela (pois Bard estava bem ao lado dele). — Esta noite ele conquistou um lugar eminente entre os benfeitores de nossa cidade, e merece inúmeras canções eternas. Mas por que, ó, meu Povo? — , nesse ponto, o Senhor levantou-se e falou numa voz bem alta e clara —, por que jogam toda a culpa em mim? Por qual falta devo ser deposto? Quem acordou o dragão de seu sono, se me permitem perguntar? Quem obteve de nós ricos presentes e grande ajuda, fazendo-nos acreditar que canções antigas tornar-se-iam verdade? Quem tirou vantagem de nossos corações moles e nossas fantasias de felicidade? Que tipo de ouro nos enviaram pelo rio como recompensa? Fogo de dragão e ruína! A quem devemos reclamar compensação por nossos prejuízos e ajuda para nossas viúvas e órfãos?
Como vocês podem ver, não era á toa que o Senhor conseguira aquela posição. O resultado de suas palavras foi que, por um momento, o povo esqueceu inteiramente a idéia de um novo rei e voltou seus pensamentos enfurecidos para Thorin e sua companhia. Palavras rudes e amargas foram proferidas em todos os lados, e alguns dos que haviam cantado mais alto as antigas canções agora gritavam na mesma altura que os anões tinham deliberadamente incitado o dragão contra eles!
— Tolos! — disse Bard. — Por que desperdiçar palavras e ódio com aquelas infelizes criaturas? Sem dúvida eles pereceram no fogo, antes que Smaug avançasse sobre nós. — Então, no momento em que falava, chegou-lhe ao coração a idéia do lendário tesouro da Montanha, que lá continuava, sem guarda ou dono, e ele se calou. Pensou nas palavras do Senhor, e em Vaíle reconstruída, cheia de sinos de ouro, se ao menos pudesse encontrar os homens para tanto. Por fim, falou novamente: — Não é hora para palavras de ódio, Senhor, ou para considerar grandes planos de mudança. Há trabalho a fazer. Vou servi-lo ainda, embora, depois de algum tempo, possa pensar outra vez nas suas palavras e ir para o norte com qualquer um que esteja disposto a me seguir.
Então avançou em largos passos para ajudar na organização dos acampamentos e no cuidado dos doentes e feridos. Mas o Senhor, pelas costas, fechou o semblante enquanto ele se afastava, e permaneceu sentado no chão. Pensava muito, mas dizia pouco, a não ser para pedir em voz alta que alguém lhe trouxessem fogo e comida.
Agora, por toda a parte, Bard ouvia conversas, alastrando-se como labaredas entre o povo, a respeito do vasto tesouro que a gora não era guardado por ninguém. Os homens falavam sobre a compensação que em breve teriam por todo o prejuízo, e sobre riqueza, para dar e vender, com a qual poderiam comprar coisas do suclass="underline" e isso os animava muito em sua desgraça. Tanto melhor, pois a noite era amarga e deprimente. Foi possível improvisar abrigo para uns poucos (o Senhor conseguiu um) e havia pouca comida (até o Senhor teve pouco). Muitos ficaram doentes por causa da umidade, do frio e da tristeza daquela noite e depois morreram, eles que haviam escapado ilesos da destruição da cidade. Nos dias que se seguiram houve muita doença e fome.
Enquanto isso, Bard assumiu a liderança, organizando as coisas como queria, embora sempre em nome do Senhor, e teve a dura tarefa de governar o povo e dirigir os preparativos para protegê-los e alojá-los.
Provavelmente a maioria deles teria morrido no inverno que agora perseguia rápido o outono, se não tivesse ajuda a seu alcance. Mas a ajuda chegou depressa, pois Bard imediatamente enviou mensageiros velozes rio acima até a Floresta, pedindo a ajuda do Rei dos Elfos da Floresta, e esses mensageiros haviam encontrado uma tropa já a caminho, embora fosse apenas o terceiro dia após a queda de Smaug.
O Senhor Élfico recebera noticias de seus próprios mensageiros e dos pássaros que amavam seu povo, e já sabia muito do que havia acontecido. Era grande a comoção entre os seres alados que viviam nas fronteiras da Desolação de Smaug. Grandes bandos voavam em círculos, e seus mensageiros de asas ligeiras voavam pelo céu de um lado para o outro. Sobre as fronteiras da Floresta houve assobios, gritos e pios. Pela Floresta das Trevas a noticia se espalhava: “Smaug está morto!” Folhas farfalhavam e orelhas assustadas se empinavam. Mesmo antes que o Rei Élfico partisse, a notícia havia passado para o oeste através dos pinheirais das Montanhas Sombrias, Beorn a recebera em sua casa de madeira, e os orcs estavam em conselho em suas cavernas.
— Esta será a última vez que ouvimos falar de Thorin Escudo de Carvalho, receio eu — disse o rei. — Teria feito melhor se permanecesse como meu hóspede. De qualquer forma — acrescentou ele —, a desgraça de uns é a sorte de outros. — Pois ele também não se havia esquecido da lenda da riqueza de Thror. Por isso o mensageiro de Bar d encontrava-o agora avançando com muitos lanceiros e arqueiros, e corvos se juntavam aos montes acima dele, pois pensavam que a guerra despertava novamente, uma guerra como não houvera naquelas partes por longo tempo.
Mas o rei, quando recebeu os pedidos de Bard, condoeu-se, pois era o senhor de um povo bondoso e gentil, então, mudando o rumo de sua marcha, que a principio se dirigia para a Montanha, apressava-se agora rio abaixo, rumo ao Lago Comprido. Não tinha barcos ou jangadas em número suficiente para seu exército, e eles foram obrigados a seguir um caminho mais lento, a pé, mas uma grande quantidade de mantimentos foi enviada na frente, pela água. Mesmo assim, os elfos têm os pés ligeiros e, embora naqueles tempos não estivessem muito acostumados com os pântanos e com as terras traiçoeiras entre a Floresta e o Lago, seu avanço foi rápido.
Apenas cinco dias depois da morte do dragão eles chegaram as margens e contemplaram as ruínas da cidade. Foram bem recebidos, e os homens e seu Senhor estavam prontos a fazer qualquer acordo para o futuro em troca da ajuda do rei.
Os planos logo foram feitos. Com as mulheres e as crianças, os velhos e os incapacitados, o Senhor ficou para trás, e com ele também ficaram alguns artesãos e muitos elfos habilidosos, e ocuparam-se derrubando árvores e coletando a madeira enviada da Floresta. Começaram depois a erguer muitas cabanas perto da margem, como proteção contra o inverno iminente, e, também, sob a liderança do Senhor, começaram a planejar uma nova cidade, mais bela e maior que a anterior, mas não no mesmo lugar. Foram para o norte, mais longe da margem, pois, daquela época em diante, tomaram-se de pavor pela água na qual o dragão jazia. Ele nunca mais retornaria ao seu leito de ouro, mas estava frio como pedra, retorcido sobre o fundo dos baixios. Ali, durante eras, seus enormes ossos podiam ser vistos quando o tempo era bom, em meio às pilastras arruinadas da velha cidade. Mas poucos ousavam atravessar o ponto amaldiçoado, e ninguém atrevia-se a mergulhar na água gelada ou resgatar as pedras preciosas que caíam de sua carcaça putrefata.
Mas todos os combatentes que ainda eram capazes e a maioria do grupo do Rei Élfico aprontavam-se para marchar para o norte, na direção da Montanha. Foi assim que, onze dias depois da ruína da cidade, o líder de seu exército passou pelos portões de pedra, na extremidade do lago, e entrou nas terras desoladas.