Foi assim que ficou sabendo onde Gandalf estivera, pois ouviu as palavras do mago a Elrond. Ao que parecia, Gandalf estivera num grande conselho dos magos brancos, mestres de tradição e boa mágica, e que, por fim, haviam expulsado o Necromante de sua escura fortaleza, ao sul da Floresta das Trevas.
— Em breve, agora — Gandalf estava dizendo —, a Floresta ficará, de certo modo, mais segura. O norte estará livre daquele horror por muitos longos anos, espero. Mesmo assim, gostaria que ele fosse banido do mundo.
— Seria realmente bom — disse Elrond —, mas receio que isso não venha a acontecer nesta era do mundo, ou em muitas eras seguintes.
Terminada a história de suas viagens, contaram-se outras histórias, e ainda outras histórias, histórias de antigamente, e histórias de coisas novas, e histórias fora do tempo, até que a cabeça de Bilbo caiu para frente, e ele ficou roncando confortavelmente num canto.
Ao acordar viu-se numa cama branca, e a lua brilhava através de uma janela aberta. Sob ela muitos elfos cantavam com vozes altas e cristalinas, nas margens do rio.
— Bem, Povo Alegre! — disse Bilbo, olhando para fora. — Que horas são, pela lua? Sua cantiga acordaria um orc bêbado! Mesmo assim, agradeço.
— E seus roncos acordariam um dragão de pedra, e, mesmo assim, agradecemos — responderam eles, rindo. — Está chegando a alvorada, e você dormiu desde o início da noite. Amanhã, talvez, esteja curado de seu cansaço.
— Um pouco de sono traz uma grande cura na casa de Elrond — disse ele —, mas cura o mais que puder. Um segundo boa-noite, belos amigos! — E, dizendo isso, voltou para a cama e dormiu até o final da manhã.
O cansaço logo o abandonou naquela casa, e ele dançou e divertiu-se, de manhã e de noite, com os elfos do vale. Mas, agora, mesmo aquele lugar não poderia detê-lo por muito tempo e ele sempre pensava em sua casa. Depois de uma semana, portanto, disse adeus a Elrond e, deixando-lhe alguns pequenos presentes que ele não poderia recusar, partiu na companhia de Gandalf.
No momento em que abandonavam o vale, o céu escureceu no oeste, diante deles, e vento e chuva vieram ao seu encontro.
— A época de maio é alegre! — disse Bilbo, enquanto a chuva batia em seu rosto. — Mas demos as costas às lendas e estamos voltando para casa. Acho que este é o primeiro gostinho dela.
— Ainda temos uma longa estrada pela frente — disse Gandalf.
— Mas é a última estrada — respondeu Bilbo.
Chegaram ao rio que marcava a fronteira do Ermo e ao vau abaixo da margem íngreme, do qual vocês talvez se lembrem. O rio estava caudaloso, por causa da neve que se derretia com a aproximação do verão e da chuva, que durara todo o dia, atravessaram com certa dificuldade e seguiram em frente, enquanto caía a noite, na última etapa de sua viagem.
Esta foi bem parecida com a primeira, a não ser pelo fato de que a companhia era menor e mais silenciosa, além disso, desta vez não havia trolls. Em cada ponto da estrada, Bilbo recordava os acontecimentos e as palavras de um ano atrás — para ele, mais pareciam dez —, tanto que, é claro, percebeu rapidamente o lugar onde o pônei caíra dentro do rio e onde desviaram-se do caminho e tiveram a desagradável aventura com Tom, Bert e Bill.
Não muito longe da estrada, encontraram o ouro dos trolls, que eles haviam enterrado, ainda escondido e intacto.
— Tenho o suficiente para toda a vida — disse Bilbo, depois que o desenterraram. — E melhor você ficar com este, Gandalf. Aposto que pode achar utilidade para ele.
— É verdade, eu posso! — disse o mago. — Mas metade para cada um! Você pode descobrir que tem mais necessidades do que imagina.
Guardaram então o ouro em sacos e colocaram-nos sobre os pôneis, que não gostaram nem um pouco da idéia. Depois disso, avançaram mais devagar, pois caminhavam a maior parte do tempo. Mas a terra estava verde e havia muita grama pela qual o hobbit caminhava alegremente. Limpava o rosto com um lenço de seda vermelho — não, nenhum dos seus sobrevivera, e ele havia tomado aquele emprestado de Elrond — pois junho trouxera o verão, e o tempo estava claro e quente outra vez.
Como todas as coisas chegam a um fim, até mesmo esta história, houve um dia em que finalmente avistaram a terra onde Bilbo nascera e fora criado, onde os contornos da paisagem e das árvores eram-lhe tão familiares quanto suas mãos e os dedos dos seus pés. Chegando a uma elevação, pode ver na distância a Colina, parou de repente e disse:
Gandalf olhou para ele.
— Meu querido Bilbo! — disse ele — Há algo errado com você! Não é mais o hobbit que era.
E, assim, atravessaram a ponte, passaram pelo moinho perto do rio, e chegaram à porta de Bilbo.
— Céus! O que está acontecendo? — gritou ele. Havia grande confusão, e pessoas de todos os tipos, respeitáveis e não respeitáveis, amontoavam-se diante da porta, e muitos entravam e saiam — sem, nem ao menos, limpar os pés no capacho, como notou Bilbo irritado.
Se ele ficou surpreso, eles ficaram ainda mais. Tinha chegado no meio de um leilão. Havia um grande aviso em preto e vermelho pendurado no portão, dizendo que, no dia vinte e dois de junho, os senhores Fossador, Fossador e Covas venderiam em leilão os pertences do falecido e ilustríssimo Senhor Bilbo Bolseiro, de Bolsão, Sob a Colina, Vila dos Hobbits. A venda começaria às dez horas em ponto. Era quase hora do almoço, e a maioria das coisas já fora vendida por vários preços, que variavam de quase nada a pouquíssima coisa (como é comum acontecer em leilões). Os primos de Bilbo, os Sacola-Bolseiros, estavam, na verdade, ocupados medindo os cômodos da casa para ver se sua mobília caberia. Em resumo, Bilbo estava supostamente Morto, e nem todos que diziam isto ficaram tristes ao perceber que a suposição estava errada.
A volta do Sr. Bilbo Bolseiro criou enorme distúrbio, sob a Colina e sobre a Colina, e na outra margem do Água, foi muito mais que um prodígio. O incômodo legal, na verdade, durou anos. Demorou muito tempo até que se admitiu que o Sr. Bilbo Bolseiro estava vivo novamente. Foi muito difícil convencer as pessoas que tinham feito barganhas especialmente boas na Liquidação, e, no fim, para ganhar tempo, Bilbo teve de comprar de volta muitas peças de sua própria mobília. Muitas de suas colheres de prata desapareceram misteriosamente, e nunca se explicou o fato. Pessoalmente, ele suspeitava dos Sacola-Bolseiros. De sua parte, estes nunca admitiram que o Bolseiro que voltara era o genuíno e nunca mais tiveram boas relações com Bilbo. Realmente, eles queriam muito viver na sua agradável toca-hobbit.