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Foi isto o que leu:

Thorin e Companhia para o Ladrão Bilbo, saudações! Pela sua hospitalidade, nossos mais sinceros agradecimentos, e pela sua oferta de ajuda profissional, nossa agradecida aceitação. Condições: pagamento contra entrega, até e não acima do valor de um quatorze avos do lucro total (se houver algum), todas as despesas de viagem garantidas em qualquer situação, despesas funerárias a serem custeadas por nós ou nossos representantes, se a ocasião se apresentar e se o assunto não se resolver de outra forma.

Julgando desnecessário perturbar seu precioso repouso, partimos na frente para fazer os preparativos necessários, e estaremos no aguardo de sua respeitável pessoa na Estalagem Dragão Verde, em Beirágua, às onze horas da manhã em ponto. Contamos com a sua pontualidade.

Reiterando nossos protestos de elevada estima, respeitosamente, Thorin e Cia.

— Restam-lhe apenas dez minutos. Você vai ter de correr — disse Gandalf.

— Mas... — disse Bilbo.

— Não há tempo para isso — disse o mago.

— Mas... — disse Bilbo de novo.

— Também não há tempo para isso! Vamos indo!

Até o fim de seus dias Bilbo nunca pôde lembrar como se viu fora de casa, sem chapéu, bengala ou qualquer dinheiro, e sem nada do que geralmente levava quando saía, sem terminar o desjejum e muito menos lavar a louça, entregando as chaves de casa nas mãos de Gandalf e correndo o máximo que seus pés peludos conseguiam ladeira abaixo, passando pelo grande Moinho, atravessando o Água e depois continuando por uma milha ou mais.

Estava muito esbaforido quando chegou a Beirágua, bem no instante em que o relógio batia onze horas, e descobriu que viera sem um lenço no bolso!

— Bravo! — disse Balin, que estava na porta da estalagem aguardando a chegada dele. Naquele mesmo momento todos os outros apareceram na curva da estrada que vinha da vila. Estavam montados em pôneis, e pendurados em cada pônei vinham todos os tipos de bagagens, pacotes, embrulhos e parafernália. Havia um pônei muito pequeno, aparentemente destinado a Bilbo.

— Subam, e vamos indo! — disse Thorin.

— Sinto imensamente — disse Bilbo —, mas vim sem o meu chapéu, e deixei para trás meu lenço e não trago nenhum dinheiro. Para ser preciso, só vi o seu bilhete às 10h45.

— Não seja preciso — disse Dwalin — e não se preocupe! Vai ter de se virar sem lenços, e sem mais um monte de coisas, antes de chegar ao fim da viagem. Quanto ao chapéu, tenho um capuz e uma capa a mais em minha bagagem.

Foi assim que todos vieram a partir, saindo da estalagem numa bela manhã de fim de abril, em pôneis carregados. Bilbo vestia um capuz verde — escuro (um pouco manchado pelo tempo) e uma capa verde-escura emprestados de Dwalin. Eram grandes demais para ele, que ficou com uma aparência bastante cômica, O que teria pensado seu pai, Bungo, não me atrevo a imaginar. Seu único consolo era que não poderia ser confundido com um anão, já que não tinha barba.

Não tinham cavalgado muito quando apareceu Gandalf, esplêndido num cavalo branco. Trouxera um monte de lenços, e também o cachimbo e o fumo de Bilbo. Assim, depois disso, o grupo continuou avançando muito alegre, e contavam histórias ou cantavam canções enquanto iam cavalgando durante todo o dia, exceto, é claro, quando paravam para as refeições. Estas não vinham com a freqüência de que Bilbo gostaria, mas, apesar disso, ele começou a sentir que aventuras, afinal de contas, não eram tão ruins assim. Primeiro tinham passado através das terras dos hobbits, uma ampla e respeitável região, habitada por gente decente, com boas estradas, uma estalagem ou duas, e, de vez em quando, um anão ou um fazendeiro viajando a negócios. Depois chegaram a terras onde as pessoas falavam de modo estranho, e cantavam canções que Bilbo nunca ouvira antes. Agora tinham atingido as Terras Solitárias, onde não restava ninguém, nem estalagens, e as estradas ficavam cada vez piores. Não muito adiante havia montanhas desoladas, que subiam cada vez mais alto, cheias de árvores. Em algumas delas havia velhos castelos de aparência maligna, como se tivessem sido construídos por pessoas malvadas. Tudo parecia tristonho, pois naquele dia o tempo havia ficado ruim. Durante a maior parte do tempo, estivera tão bom como podia estar em maio, mesmo nas histórias alegres, mas agora estava frio e úmido. Nas Terras Solitárias eram obrigados a acampar, quando podiam, mas pelo menos não chovera.

— E pensar que logo estaremos em junho — resmungou Bilbo, chapinhando atrás dos outros numa trilha muito lamacenta. Já passara da hora do chá e chovia a cântaros, como chovera durante todo o dia, do capuz pingavam gotas que lhe entravam nos olhos, a capa estava cheia de água, o pônei estava cansado e tropeçava nas pedras, os outros estavam amuados demais para conversar. “Com certeza a chuva penetrou na roupa seca e nas mochilas de comida”, pensou Bilbo. “Maldita ladroagem e tudo o que tem a ver com ela! Gostaria de estar em casa, na minha gostosa toca, ao lado do fogo, com a chaleira começando a cantar!” Não foi a última vez que desejou tal coisa!

Ainda os anões avançavam, nunca se voltando para trás ou prestando qualquer atenção ao hobbit. Em algum ponto atrás das nuvens cinzentas o sol devia ter se posto, pois começou a ficar escuro quando desciam um vale profundo em cujo leito corria um rio, O vento começou a soprar, e os salgueiros ao longo das margens curvavam-se e suspiravam. Por sorte a estrada passava por uma velha ponte de pedra, pois o rio, volumoso devido à chuva, descia em enxurrada das colinas e montanhas ao norte.

Já era quase noite quando atravessaram a ponte. O vento rompeu as nuvens cinzentas e uma lua surgiu vagando sobre as colinas entre os chumaços flutuantes. Então eles pararam e Thorin murmurou alguma coisa sobre cear e “onde vamos achar um canto seco para dormir?” Foi só nessa hora que deram pela falta de Gandalf. Até aquele momento, ele os tinha acompanhado por todo o caminho, sem nunca dizer se estava participando da aventura ou apenas fazendo-lhes companhia por algum tempo. Era ele quem tinha comido mais, conversado mais e rido mais. Mas agora simplesmente desaparecera!

— E bem na hora em que um mago seria da maior utilidade — rosnaram Dori e Nori (que partilhavam com o hobbit a opinião sobre refeições regulares, fartas e freqüentes).

Por fim decidiram que teriam de acampar onde estavam. Dirigiram-se a um maciço de árvores e, embora estivesse mais seco embaixo delas, o vento derrubava a chuva das folhas, e o pinga-pinga era extremamente irritante.

E também o azar parecia ter contaminado o fogo. Os anões conseguem fazer fogo em praticamente qualquer lugar, usando praticamente qualquer coisa, com ou sem vento, mas naquela noite não conseguiram, nem mesmo Oin e Gloin, que eram muito bons nisso.

Então um dos pôneis se assustou por nada e disparou. Entrou no rio antes que pudessem detê-lo, e, antes que pudessem retirá-lo da água, Fili e Kili estavam quase se afogando, e toda a bagagem que o pônei levava fora carregada pelas águas. É claro que a maior parte era comida, e restou muitíssimo pouco para a ceia, e menos ainda para o desjejum.

Lá estavam eles sentados, carrancudos, molhados e resmungando, enquanto Oin e Gloin continuavam tentando acender o fogo, e brigando por causa disso. Bilbo refletia tristemente que nas aventuras nem tudo são passeios de pônei ao sol de maio quando Balin, que sempre fazia o papel de vigia do grupo, disse:

— Há uma luz lá adiante! — Havia uma colina a certa distância, com árvores nela, muito espessas em algumas partes.

Saindo da massa escura das árvores podiam ver uma luz brilhante, uma luz avermelhada que prometia aconchego, pois podia vir de uma fogueira ou de tochas.

Depois de olharem por algum tempo, começaram a discutir. Alguns diziam “não” e outros diziam “sim”. Alguns diziam que tinham mesmo de ir lá ver, e que qualquer coisa era melhor que pouca ceia, menos desjejum e roupas molhadas a noite toda. Uns diziam: