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— Estas partes não são bem conhecidas, e ficam muito próximas das montanhas. Hoje raramente passam viajantes por aqui. Os velhos mapas não ajudam em nada: as coisas mudaram para pior e a estrada não é vigiada. Raramente se ouviu falar no rei por aqui, e quanto menos curioso você for enquanto passa por aqui, menos chance terá de encontrar problemas. — Outros diziam: — Afinal de contas, somos quatorze. — Outros ainda diziam: — Onde Gandalf se meteu? — Essa frase era repetida por todos. Então a chuva começou a cair mais forte do que nunca, e Oin e Gloin começaram a brigar. Isso resolveu a questão.

— Afinal de contas, temos conosco um ladrão — disseram eles, e assim partiram, conduzindo os pôneis (com todo o devido e necessário cuidado) na direção da luz. Atingiram a colina e logo estavam na floresta. Foram subindo a colina, mas não se encontrava uma trilha adequada, que pudesse levar a uma casa ou fazenda, e por mais que tentassem evitar houve muito farfalhar, estalar e ranger (e também resmungar e praguejar) enquanto avançavam por entre as árvores naquela escuridão de breu.

De repente, não muito distante, a luz vermelha brilhou intensamente através dos troncos das árvores.

— Agora é a vez do ladrão — disseram eles, referindo-se a Bilbo. — Você deve ir lá e descobrir tudo sobre aquela luz, e para o que ela serve, e se tudo está perfeitamente seguro e sob controle — Thorin disse ao hobbit. — Agora, vá depressa e volte logo, se tudo estiver bem. Caso contrário, volte se puder! Se não puder, pie duas vezes como uma coruja, e uma vez como um mocho, e faremos o que estiver ao nosso alcance.

Bilbo teve de ir, antes que pudesse explicar que podia piar como coruja tanto quanto podia voar como um morcego. Mas, de qualquer forma, os hobbits conseguem se movimentar em silêncio nas florestas, absolutamente em silêncio. Têm orgulho disso, e Bilbo, mais de uma vez enquanto avançavam, torcera o nariz para o que ele chamava “toda essa barulheira de anões”, embora eu ache que nem vocês nem eu teríamos notado qualquer coisa naquela noite de vento, nem que toda a comitiva tivesse passado a dois pés de distância. Quanto a Bilbo, caminhando com todo o cuidado na direção da luz vermelha, acho que nem mesmo uma doninha teria movido sequer um fio de bigode à sua passagem. Dessa forma, naturalmente, ele foi até a fogueira — pois era de fato uma fogueira — sem incomodar ninguém. E foi isto o que viu:

Três pessoas muito grandes sentadas em volta de uma fogueira muito grande de troncos de faia. Estavam assando pedaços de carneiro em longos espetos de madeira e lambendo o caldo dos dedos. Havia um cheiro agradável, de comida saborosa. Também havia um barril de boa bebida por perto, e eles estavam bebendo em canecas. Mas eram trolls. Obviamente trolls. Até Bilbo, apesar de sua vida pacata, podia perceber isso: pelas grandes caras pesadas, pelo tamanho, pelo formato de suas pernas, para não falar no linguajar, que estava longe de ser adequado para uma sala de visitas, muito longe.

— Carneiro ontem, carneiro hoje e raios me partam se não vai ser carneiro amanhã de novo — disse um dos trolls.

— Não comemos nem sombra de carne de homem faz um tempão — disse um segundo. — Que raios o William tinha na cabeça quando trouxe a gente pra este lugar, não consigo imaginar. E a bebida está acabando, o que é pior — disse ele, batendo no cotovelo de William, que estava dando uma golada em sua caneca.

William engasgou.

— Cale a boca! — disse ele, assim que conseguiu.

— Você não acha que o pessoal vai ficar aqui parado esperando para sempre, só para ser devorado por você e Bert. Vocês dois já devoraram uma aldeia e meia desde que descemos das montanhas. Quanto mais vão querer? E já teve um tempo na nossa vida em que vocês diriam: “Obrigado, Bill” por um belo pedaço gordo de carneiro do vale como este aqui. — Arrancou um enorme pedaço da perna de carneiro que estava assando. E limpou os beiços na manga.

Sim, receio que os trolls realmente se comportem assim, até mesmo os que só tem uma cabeça. Depois de ouvir tudo isso, Bilbo devia ter feito alguma coisa imediatamente. Voltar em silêncio e avisar seus amigos que havia três grandes trolls mal-humorados por perto, que muito provavelmente gostariam de experimentar anão assado ou até mesmo pônei, para variar, ou então praticar um roubo rápido e eficiente. Um lendário ladrão de primeira classe, àquela altura, já teria saqueado os bolsos dos trolls — quase sempre vale a pena, se você consegue —, arrancado a carne dos espetos, afanado a cerveja e partido sem que ninguém notasse. Outros, mais práticos mas com menos orgulho profissional, teriam talvez enfiado um punhal em cada um deles antes que percebessem. Aí então a noite poderia passar alegremente.

Bilbo sabia disso. Já lera muitas coisas que nunca tinha visto ou feito. Estava muito alarmado, além de enojado, desejou estar a uma centena de milhas de distância e apesar disso, de alguma forma, não podia voltar para Thorin e Companhia de mãos vazias. Assim, ficou parado, hesitando, nas sombras. Dos vários procedimentos de ladroagem sobre os quais ouvira falar, saquear os bolsos dos trolls parecia o menos difícil, então finalmente arrastou-se para trás de uma árvore bem atrás de William.

Bert e Tom dirigiram-se para o barril. William estava tomando mais um trago. Então Bilbo reuniu toda a sua coragem e enfiou mãozinha no enorme bolso de William. Havia uma bolsa nele, grande como um saco para Bilbo. “Ha!”, pensou ele, pegando gosto pelo novo trabalho, enquanto retirava a bolsa com cautela, “isto é um grande começo!”.

E foi! Bolsas de trolls são endiabradas, e esta não era exceção.

— Ei, quem é você? — guinchou ela ao sair do bolso. William virou-se imediatamente e agarrou Bilbo pelo pescoço, antes que este pudesse se esconder atrás da árvore.

— Caramba, Bert! Olha o que eu apanhei! — disse William.

— O que é? — perguntaram os outros, aproximando-se.

— Não sei, não! O que é você?

— Bilbo Bolseiro, um ladr... hobbit — disse o pobre Bilbo, todo tremendo e perguntando-se como poderia emitir sons de coruja antes que eles o enforcassem.

— Um ladrhobbit? — indagaram eles, um pouco assustados. Os trolls demoram para entender as coisas e são muito desconfiados do que não conhecem.

— De qualquer maneira, o que um ladrhobbit tem a ver com meu bolso? — perguntou William.

— E não se cozinham eles? — perguntou Tom.

— A gente pode tentar — disse Bert, apanhando um espeto.

— Não ia render mais que um bocado — disse William, que já tivera uma boa ceia — não quando estiver esfolado e desossado.

— Talvez tenha mais deles por aqui, e podemos fazer uma torta — disse Bert. — Ei, você, tem mais do seu tipo espreitando por aqui nestas florestas, seu coelhinho sujo? — disse ele, olhando para os pés peludos do hobbit, pegou-o pelos pés e o sacudiu.

— Sim, um monte — disse Bilbo, antes de lembrar que não devia entregar os amigos. — Nenhum, nenhum — disse logo em seguida.

— Que quer dizer? — disse Bert, segurando-o de cabeça para cima, pelos cabelos, desta vez.

— O que estou dizendo — disse Bilbo ofegante. — É, por favor, não me cozinhem, bondosos senhores! Sou um bom cozinheiro, e cozinho melhor do que sou cozinhado, se entendem o que quero dizer. Vou cozinhar muito bem para os senhores, um perfeito desjejum para os senhores, basta que não me sirvam na ceia.

— Pobre coitado — disse William, que já tinha comido até não poder mais e tomado um monte de cerveja. — Pobre coitado! Deixe ele ir!

— Não até que ele diga o que quer dizer com um monte e nenhum — disse Bert. — Não quero que me cortem a garganta enquanto durmo! Segure os pés dele no fogo, até que fale!