Terminada a meia hora de espera, Tertuliano Máximo Afonso ainda não via com claridade os termos em que conviria debitar a mensagem, havia começado por pensar que estaria bem um recado simples, em estilo simpático e natural, mas, como todos sabemos, os matizes entre simpático e antipático e entre natural e artificial são pouco menos que infinitos, geralmente o tom justo para cada circunstância sai-nos de forma espontânea, porém, quando já se vai de pé atrás, como é o caso de agora, tudo quanto num primeiro momento se nos tinha afigurado suficiente e adequado, irá parecer-nos curto ou excessivo no momento seguinte. Aquilo a que certa literatura preguiçosa chamou durante muito tempo silêncio eloquente não existe, os silêncios eloquentes são apenas palavras que ficaram atravessadas na garganta, palavras engasgadas que não puderam escapar ao aperto da glote. Depois de muito puxar pela cabeça, Tertuliano Máximo Afonso achou que, para maior segurança, o mais prudente seria escrever a mensagem e lê-la para o telefone. Eis o que lhe saiu depois de alguns papéis rasgados, Maria da Paz, cá ouvi as tuas mensagens, e o que tenho para te dizer é que devemos agir com calma, tomar as decisões certas para um e para outro, sabendo que a única coisa que dura toda a vida é a vida, o resto é sempre precário, instável, fugidio, a mim o tempo já me ensinou esta grande verdade, mas uma coisa tenho por certa, que somos amigos e amigos vamos continuar a ser, o que necessitamos é de uma longa conversa, então já verás como tudo se resolverá pelo melhor, telefono-te um destes dias. Hesitou um segundo, o que ia a dizer não estava escrito, e terminou, Um beijo. Depois de desligar o telefone, releu o que escrevera e deu pela presença importuna de alguns matizes a que não prestara bastante atenção, menos subtis uns que outros, por exemplo, o insuportável nariz-de-cera de amigos somos, amigos seremos, é o pior que há para quem queira pôr ponto final numa relação de tipo amoroso, de contrário julgamos que tínhamos fechado a porta e afinal ficámos entalados nela, e também, para já não citar o beijo com que teve a debilidade de se despedir, aquele erro crasso de admitir que precisavam de ter uma longa conversa, mais do que obrigação tinha ele de saber, por experiência adquirida e contínua lição da História da Vida Privada através dos Séculos, que as longas conversas, em situações como estas, são terrivelmente perigosas, quantas vezes se tinha principiado com vontade de matar o outro e se acabou nos braços dele. Que mais poderia eu fazer, lamentou-se, está claro que não lhe podia dizer que tudo entre nós continuaria como antes, amor eterno e essas coisas, mas também não poderia, assim pelo telefone e sem que ela lá estivesse a ouvir, disparar-lhe o golpe final, zás, acabou-se, minha rica, seria uma atitude demasiado cobarde, e eu a esse ponto espero não chegar nunca. Com esta reflexão conciliatória, do género uma no cravo, outra na ferradura, decidiu Tertuliano Máximo Afonso contentar-se, sabendo, no entanto, ai dele, que o mais difícil ainda estava para vir. Fiz o melhor que pude, rematou.