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Os pensamentos de Maria da Paz eram confusos, oscilavam entre o mole bem-estar do corpo e um desassossego do espírito para o qual não encontrava explicação. A luz cada vez mais intensa que vinha penetrando pelas frinchas das rústicas portadas das janelas iluminava a pouco e pouco o quarto. Maria da Paz suspirou e virou a cabeça para o lado de Tertuliano Máximo Afonso. A mão esquerda dele quase lhe encobria o rosto. O dedo anelar mostrava a marca circular e esbranquiçada que as alianças longamente usadas deixam na pele. Maria da Paz estremeceu, julgou que estava a ver mal, que estava a sonhar o pior dos pesadelos, este homem igual a Tertuliano Máximo Afonso não é Tertuliano Máximo Afonso, Tertuliano Máximo Afonso não usa anéis desde que se divorciou, a marca do seu dedo há muito tempo que se desvaneceu. O homem dormia placidamente. Maria da Paz deslizou com mil cautelas para fora da cama, recolheu as suas roupas dispersas e saiu do quarto. Vestiu-se na sala de entrada, ainda demasiado aturdida para pensar com lucidez, impotente para encontrar uma resposta à pergunta que lhe dava voltas na cabeça, Estarei louca. Que o homem que a tinha trazido aqui e com quem passara a noite não era Tertuliano Máximo Afonso, disso tinha completa certeza, mas, se não era ele, quem seria então, e como é possível que neste mundo existam duas pessoas exactamente iguais, ao ponto de em tudo se confundirem, no corpo, nos gestos, na voz. Pouco a pouco, como quem vai procurando e descobrindo as peças certas para o puzzle, começou a relacionar acontecimentos e acções, recordou palavras equívocas que havia escutado a Tertuliano Máximo Afonso, as suas evasivas, a carta recebida da produtora de cinema, a promessa que ele fizera de que um dia lhe contaria tudo. Não podia ir mais longe, continuaria a não saber quem era este homem, salvo se ele próprio o dissesse. A voz de Tertuliano Máximo Afonso ouviu-se lá de dentro, Maria da Paz. Ela não respondeu, e a voz insistiu, insinuante, cariciosa, Ainda é cedo, vem para a cama. Ela levantou-se da cadeira onde se havia deixado cair e dirigiu-se ao quarto. Não passou da entrada. Ele disse, Que ideia foi essa de te vestires, vá, tira a roupa e salta para aqui, a festa ainda não acabou, Quem é você, perguntou Maria da Paz, e antes que ele respondesse, De que anel é a marca que tem no dedo. António Claro olhou a mão e disse, Ah, isto, Sim, isso, você não é o Tertuliano, Não sou, de facto não sou o Tertuliano, Quem é, então, Por agora, contenta-te com saber quem não sou, mas quando estiveres com o teu amigo podes perguntar-lhe, Perguntarei, preciso de saber por quem fui enganada, Por mim, em primeiro lugar, mas ele ajudou, ou melhor, o pobre homem não teve outro remédio, o teu noivo não é propriamente um herói. António Claro saiu da cama completamente despido e veio para Maria da Paz a sorrir, Que importância tem que eu seja um ou seja outro, deixa-te de perguntas e vem para a cama. Desesperada, Maria da Paz deu um grito, Canalha, e fugiu para a sala. António Claro apareceu daí a pouco, já vestido e pronto para sair. Disse com indiferença, Não tenho paciência para mulheres histéricas, vou-te pôr à porta de casa, e adeus. Trinta minutos depois, a grande velocidade, o automóvel chocava com o camião, Não havia óleo na estrada. A única testemunha presencial declarou à polícia que, embora não pudesse ter a certeza absoluta por causa dos reflexos dos pára-brisas, lhe tinha parecido ver que os dois ocupantes do carro forcejavam um com o outro.