O estômago de Tertuliano Máximo Afonso deu outra vez sinal, este homem recusa-se a perceber que as emoções são sábias, que se preocupam connosco, amanhã lembrarão, Nós bem te tínhamos avisado, mas nessa altura, segundo todas as probabilidades, já será demasiado tarde. Tertuliano Máximo Afonso tem a lista nas mãos, trémulas procuram a letra S, folheiam para trás e para diante, aqui está. São três os Santa-Clara, e nenhum é Daniel.
A decepção não foi grande. Uma tão trabalhosa busca não podia terminar assim sem mais nem menos, seria ridiculamente simples. É verdade que as listas telefónicas sempre foram um dos primeiros instrumentos de investigação de qualquer detective particular ou polícia de bairro dotado de luzes básicas, uma espécie de microscópio de papel capaz de trazer a bactéria suspeita até à curva de percepção visual do pesquisador, mas também é verdade que este método de identificação tem tido os seus espinhos e fracassos, são os nomes que se repetem, são os gravadores sem compaixão, são os silêncios desconfiados, é aquela frequente e desanimadora resposta Esse senhor já não mora aqui. O primeiro e, por lógico, acertado pensamento de Tertuliano Máximo Afonso foi que o tal Daniel Santa-Clara não tinha querido que o seu nome constasse da lista telefónica. Algumas pessoas influentes, de mais relevante evidência social, adoptam esse procedimento, chama-se a isso defesa do sagrado direito à privacidade, fazem-no, por exemplo, os empresários e os financeiros, os politicantes de primeira grandeza, as estrelas, os planetas, os cometas e os meteoritos do cinema, os escritores geniais e meditabundos, os craques do futebol, os corredores de fórmula um, os modelos da alta e média costura, também os da baixa, e, por razões bastante mais compreensíveis, igualmente os delinquentes das distintas especialidades do crime têm preferido o recato, a discrição e a modéstia de um anonimato que até certo ponto os protege de curiosidades malsãs. No caso destes, mesmo se as suas façanhas vierem a tomá-los famosos, poderemos ter a certeza de que nunca os encontraremos no anuário telefónico. Ora, não sendo Daniel Santa-Clara, pelo que dele viemos conhecendo até agora, um delinquente, não sendo também, e quanto a este ponto não pode restar-nos qualquer dúvida, apesar de à mesma profissão pertencer, uma estrela de cinema, o motivo da não presença do seu nome no reduzido grupo dos apelidados Santa-Clara teria de causar uma viva perplexidade, da qual só será possível sair reflectindo. Foi essa precisamente a ocupação a que se entregou Tertuliano Máximo Afonso enquanto nós, com reprovável frivolidade, discorríamos sobre a variedade sociológica daquelas pessoas que, no fundo, apreciariam estar presentes numa lista telefónica particular, confidencial, secreta, uma espécie de outro almanaque de Gotha que registasse as novas formas de nobilitação nas sociedades modernas. A conclusão a que Tertuliano Máximo Afonso chegou, ainda que pertencendo à classe das que saltam à vista, nem por isso é menos merecedora de aplauso, porquanto demonstra que a confusão mental que tem trazido atormentados os últimos dias do professor de História ainda não se transformou em impedimento a um livre e recto pensar. É certo que o nome de Daniel Santa-Clara não se encontra na lista telefónica, mas isso não significa que não possa haver uma relação, digamos assim, de parentesco, entre uma das três pessoas que nela figuram e o Santa-Clara actor de cinema. Não menos será de admitir a probabilidade de que todos eles pertençam à mesma família, ou até mesmo, se por este caminho vamos, que Daniel Santa-Clara, afinal, more numa daquelas casas e que o telefone de que ele se serve esteja ainda, por exemplo, em nome do seu falecido avô. Se, como às crianças antigamente se contava, para ilustração das relações entre as pequenas causas e os grandes efeitos, uma batalha foi perdida por se ter soltado uma das ferraduras a um cavalo, a trajectória das deduções e induções que trouxeram Tertuliano Máximo Afonso à conclusão que acabamos de expor não se nos afigura mais duvidosa e problemática que aquele edificante episódio da história das guerras cujo primeiro agente e final responsável teria sido, no fim de contas e sem margem para objecções, a incompetência profissional do ferrador do exército vencido. Que passo irá dar agora Tertuliano Máximo Afonso, essa é a candente questão. Talvez o satisfaça haver desbastado o problema com vista ao estudo ulterior das condições para a definição de uma táctica de aproximação não frontal, daquelas prudentes que procedem por pequenos avanços e mantêm sempre um pé atrás. Quem o vê, sentado na cadeira em que teve começo esta que é já, a todos os títulos, uma nova fase da sua vida, de dorso curvado, cotovelos assentes nos joelhos e cabeça entre as mãos, não imagina o duro trabalho que vai dentro daquele cérebro, pesando alternativas, medindo opções, estimando variantes, antecipando lances, como um mestre de xadrez. Já passou meia hora, e ele não se mexe. E outra meia hora terá ainda de passar até que de repente o veremos levantar-se para ir sentar-se à secretária com a lista telefónica aberta na página do enigma. É manifesto que tomou uma viril decisão, admiremos a coragem de quem afinal deitou a prudência para trás das costas e resolveu atacar de frente. Marcou o número do primeiro Santa-Clara e esperou, Ninguém respondeu e não havia atendedor de chamadas. Marcou o segundo e uma voz de mulher atendeu, Diga, Boas tardes, minha senhora, peço desculpa se a venho importunar, mas gostaria de falar com o senhor Daniel Santa-Clara, tenho indicação de que vive nessa morada, Está equivocado, esse senhor não mora nesta casa, nem morou nunca, Mas o apelido, O apelido é uma coincidência, como tantas outras, Julguei que ao menos fosse da família dele e me pudesse ajudar a encontrá-lo, Nem sequer o conheço, A ele, A ele e a si, Perdoe, devia ter-lhe dito o meu nome, Não diga, não me interessa saber, Pelos vistos, informaram-me mal, Assim é, pelos vistos, Muito obrigado pela sua atenção, De nada, Boas tardes, desculpe tê-la incomodado, Boas tardes. Seria natural, depois desta troca de palavras, inexplicavelmente tensa, que Tertuliano Máximo Afonso fizesse uma pausa para recuperar a serenidade e a normalidade do pulso, mas tal não aconteceu. Há situações na vida em que já tanto nos dá perder por dez como perder por cem, o que queremos é conhecer rapidamente a última soma do desastre, para depois, se tal for possível. não voltarmos a pensar mais no assunto. O terceiro número foi pois marcado sem hesitação, uma voz de homem perguntou de lá, bruscamente, Quem fala. Tertuliano Máximo Afonso sentiu-se como apanhado em falta, balbuciou um nome qualquer, Que deseja, tornou a voz a perguntar, o tom continuava a ser desabrido, mas, curiosamente, não se percebia nele nenhuma hostilidade, há pessoas assim, a voz sai-lhes de tal maneira que parece que estão irritadas com toda a gente e, afinal, vai-se ver e têm um coração de ouro. Desta vez, por causa da brevidade do diálogo, não iremos chegar a saber se o coração da pessoa é realmente feito daquele nobilíssimo metal. Tertuliano Máximo Afonso manifestou o desejo de falar com o senhor Daniel Santa-Clara, o homem da voz irritada respondeu que não morava ali ninguém com esse nome, e a conversa não parecia poder avançar muito mais, não valia a pena repisar a curiosa coincidência dos apelidos nem a possível casualidade de uma relação familiar que encaminhasse o interessado ao seu destino, em casos destes as perguntas e as respostas repetem-se, são as mesmas de sempre, Fulano está, Fulano não mora aqui, mas desta vez surgiu uma novidade, e foi ela ter-se recordado o homem das cordas vocais destemperadas de que havia mais ou menos uma semana outra pessoa tinha telefonado a fazer idêntica pergunta, Suponho que não terá sido o senhor, pelo menos a voz não se parece, tenho muito bom ouvido para distinguir vozes, Não, não fui eu, disse Tertuliano Máximo Afonso, subitamente perturbado, e essa pessoa era quem, um homem, ou uma mulher, Era um homem, claro. Sim, um homem, que cabeça a sua, pois não se está mesmo a ver que por muitas diferenças que possam existir entre as vozes de dois homens, muitas mais as haveria entre uma voz feminina e uma voz masculina, Ainda que, acrescentou o interlocutor à informação, agora que o penso, houve um momento em que me pareceu que se esforçava por disfarçá-la. Depois de ter agradecido, como devia, a atenção, Tertuliano Máximo Afonso pousou o auscultador no descanso e ficou a olhar os três nomes da lista. Se o tal homem telefonara a perguntar por Daniel Santa-Clara, a simples lógica de procedimento obrigava a que, tal como ele próprio havia acabado de fazer, tivesse ligado para os três números. Tertuliano Máximo Afonso desconhecia, obviamente, se da primeira das casas lhe teria respondido alguém, e tudo indicava que a maldisposta mulher com quem falara, essa, sim, pessoa grosseira apesar do tom neutro da voz, ou não se recordava, ou não considerara necessário mencionar o facto, ou, mais naturalmente, não tinha sido ela quem atendera a chamada. Talvez porque viva sozinho, disse Tertuliano Máximo Afonso consigo mesmo, tenho tendência a imaginar que os outros vivem da mesma maneira. Da fortíssima perturbação que lhe causara a notícia de que um desconhecido andava também à procura de Daniel Santa-Clara ficara-lhe uma inquieta sensação de desconcerto como se se encontrasse diante de uma equação do segundo grau depois de se ter esquecido de como se resolvem as do primeiro. Provavelmente seria algum credor, pensou, é o mais certo, um credor, isto de artistas e literatos é gente que quase sempre leva uma vida irregular, deve ter ficado a dever dinheiro em algum desses sítios onde se joga e agora querem fazê-lo pagar. Tertuliano Máximo Afonso tinha lido em tempos passados que as dívidas de jogo são as mais sagradas de todas, há até quem lhes chame dívidas de honra, e embora não percebesse por que teria a honra que ver nestes casos mais que nos outros, aceitara o código e a prescrição como algo que não lhe dizia respeito, É lá com eles, pensara. No entanto, hoje, teria preferido que de sagrado não tivessem essas tais dívidas tanto, que fossem das comuns, daquelas que se perdoam e olvidam, como no antigo padre-nosso não só se rogava como também se prometia. Para desanuviar o espírito, foi à cozinha preparar um café e, enquanto o tomava, deu balanço à situação, Ainda me falta fazer aquela chamada, duas coisas poderão suceder quando a fizer, ou me dizem de lá que desconhecem o nome e a pessoa e por este lado fica arrumado o assunto, ou me respondem que sim, que vive ali, e então o que farei é desligar, nesta altura só me importa saber onde ele mora.
Com o ânimo fortalecido pelo impecável raciocínio lógico que acabara de produzir e pela sua não menos impecável conclusão, voltou à sala. A lista telefónica continuava aberta em cima da secretária, os três Santa-Clara não tinham mudado de sítio. Marcou o número do primeiro e esperou. Esperou e continuou à espera mesmo depois de já estar certo de que não viriam atender. Hoje é sábado, pensou, provavelmente estão fora. Desligou o telefone, tinha feito tudo quanto estava ao seu alcance, de irresolução ou timidez ninguém o poderia acusar.
Olhou o relógio, eram muito boas horas de sair para jantar, mas a tétrica recordação das toalhas do restaurante, brancas como sudários, as míseras jarras de florzinhas de plástico sobre as mesas, e, sobretudo, a permanente ameaça do tamboril, fizeram-no mudar de ideias. Numa cidade de cinco milhões de habitantes há, evidentemente, restaurantes em proporção, pelo menos alguns milhares, e mesmo tendo de excluir, por uma razão, os luxuosos, e por outra, os insofríveis, ainda lhe restaria um amplíssimo campo de escolha, por exemplo, aquele lugar simpático em que almoçou hoje com Maria da Paz, um acaso ao passar, porém a Tertuliano Máximo Afonso não lhe agradou a perspectiva de que o vissem agora entrar sozinho quando antes tinha aparecido tão bem acompanhado. Decidiu, portanto, não sair, comeria, conforme a expressão consagrada, qualquer coisa, e iria para a cama cedo. Nem precisaria de abri-la, estava ainda como a tinham deixado, os lençóis enrodilhados, as almofadas calcadas, o cheiro do amor frio. Pensou que seria conveniente telefonar a Maria da Paz, dar-lhe uma palavra simpática, um sorriso que ela com certeza sentiria do outro lado, é verdade que a relação destes está para acabar mais dia menos dia, mas há obrigações tácitas de delicadeza que não podem nem devem ser menosprezadas, seria dar mostras de uma grave insensibilidade, para não dizer de indesculpável grosseria moral, comportar-se como se, nesta casa, esta manhã, não tivessem ocorrido algumas dessas acções aprazíveis, beneficiosas e distractivas que, além do dormir, soem passar-se na cama. Ser-se homem não deveria significar nunca impedimento a proceder como cavalheiro. Não temos dúvidas de que Tertuliano Máximo Afonso iria actuar como tal se, por singular que pareça a primeira vista, a lembrança precisamente de Maria da Paz não o tivesse feito voltar à sua obsessiva preocupação dos últimos dias, isto é, como encontrar Daniel Santa-Clara. O nulo resultado das tentativas que havia feito pelo telefone não lhe deixara outro caminho que escrever uma carta à empresa produtora, uma vez que estaria fora de questão apresentar-se ele próprio, em carne e osso, arriscando-se a que a pessoa a quem estivesse a pedir a informação lhe perguntasse, Como está, senhor Daniel Santa-Clara. O recurso ao disfarce, aos clássicos postiços de barba, bigode e peruca, além de superlativamente ridículo, seria mais do que estúpido, iria fazê-lo sentir-se como um mau intérprete de melodrama oitocentista, como um pai nobre ou um cínico de quarto acto, e, como sempre havia temido que a vida se lembrasse dele para alvo das partidas de mau gosto em que não é raro esmerar-se, tinha a certeza de que o bigode e a barba lhe cairiam no justo momento em que perguntasse pelo senhor Daniel Santa-Clara e de que a pessoa interrogada desataria a rir e chamaria ao divertimento os colegas, Boa piada, boa piada, venham cá ver o senhor Daniel Santa-Clara a perguntar por si mesmo. A carta era, portanto, o único meio, e credivelmente o mais seguro, de chegar aos seus conspirativos desígnios, sob a condição sine qua non de nela não inscrever o seu nome nem mencionar a sua morada. Nesta meada de tácticas podemos jurar que havia reflectido ultimamente, embora de tão difusa e confusa maneira que a esse trabalho mental não se lhe deveria chamar com inteira propriedade pensamento, mais se tratou de um flutuar, de um vagabundear de fragmentos vacilantes de ideias que só agora lograram ajustar-se e organizar-se com pertinência suficiente, pelo que também só agora se deixam aqui registadas. A decisão que Tertuliano Máximo Afonso acaba de tomar é realmente de uma simplicidade desconcertante, de uma meridiana e transparente clareza. Não tem a mesma opinião o senso comum, que acaba de entrar pela porta dentro, perguntando, indignado, Como é possível que semelhante ideia tenha nascido na tua cabeça, E a única e é a melhor, respondeu Tertuliano Máximo Afonso friamente, Talvez seja a única, talvez seja a melhor, mas, se te interessa a minha opinião, seria uma vergonha para ti escreveres essa carta com o nome da Maria da Paz e dando o seu endereço para a resposta, Vergonha, porquê, Pobre de ti se precisas que te expliquem, Ela não se importará, E como sabes tu que não se importará, se ainda não lhe falaste do assunto, Cá tenho as minhas razões, As tuas razões, meu caro amigo, são sobejamente conhecidas, chamam-se presunção de macho, vaidade de sedutor, jactância de conquistador, Macho sou, realmente, é esse o meu sexo, mas a tal sedutor nunca o vi reflectido no espelho, e quanto a conquistador, melhor não falar, se a minha vida é um livro, esse é um dos capítulos que lhe faltam, Grande surpresa, Eu não conquisto, sou conquistado, E que explicação lhe vais dar para o facto de escreveres uma carta a pedir informações sobre um actor, Não direi que estou interessado em saber dados de um actor, Que dirás, então, Que a carta trata do estudo de que lhe tinha falado, Que estudo, Não me obrigues a repeti-lo, Seja como for, pensas que basta dar um estalinho com os dedos para que a Maria da Paz venha a correr satisfazer-te os caprichos, Limito-me a pedir-lhe um favor, No ponto em que se encontra a vossa relação perdeste o direito de lhe pedires favores, Poderia ser inconveniente assinar a carta com o meu próprio nome, Porquê, Não se sabe que consequências viria a ter no futuro, E por que não usas um nome falso, O nome seria falso, mas a direcção teria de ser a autêntica, Continuo a pensar que deverias acabar com esta maldita história de sósias, gémeos e duplicados, Talvez devesse, mas não consigo, é mais forte do que eu, Tenho a impressão de que puseste em marcha uma máquina trituradora que avança para ti, avisou o senso comum, e, como o interlocutor não lhe respondesse, retirou-se abanando a cabeça, triste com o resultado da conversa. Tertuliano Máximo Afonso marcou o número do telefone de Maria da Paz, provavelmente atendê-lo-ia a mãe, e o breve diálogo seria mais uma pequena comédia de fingimentos, grotesca e com um ligeiro toque de patético, A Maria da Paz está, perguntaria, Quem quer falar com ela, Um amigo, Como é o seu nome, Diga-lhe que é um amigo, ela saberá de quem se trata, A minha filha tem outros amigos, Não creio que tenha assim tantos, Sejam muitos, sejam poucos, aqueles que tem, têm nome, Está bem, diga-lhe então que sou Máximo. Ao longo dos seis meses da sua relação com Maria da Paz não foram muitas as vezes que Tertuliano Máximo Afonso precisou de telefonar-lhe para casa e menos as que foi atendido primeiramente pela mãe, mas sempre, por parte dela, o teor das palavras e o tom da voz haviam sido de suspicácia, e sempre, por parte dele, de uma mal refreada impaciência, ela talvez por não saber do caso tanto quanto gostaria, ele de certeza pela contrariedade de que tanto se soubesse. Os diálogos anteriores não haviam diferido muito do exemplo que aqui se deixa, apenas uma amostra mais encrespada do que poderia ter sido e afinal não foi, uma vez que a chamada a atendeu Maria da Paz, porém, todos eles, este e os outros, sem excepção, teriam tido perfeito cabimento na referência Incompreensão Mútua de um breviário de Relações Humanas. Já pensava que não me telefonarias, disse Maria da Paz, Como vês, enganaste-te, aqui estou, O teu silêncio teria querido dizer que o dia de hoje não havia representado para ti o mesmo que para mim, O que tenha representado, representou-o para ambos, Mas talvez não da mesma maneira nem pelas mesmas razões, Faltam-nos os instrumentos para medir essas diferenças, se as houve, Contínuas a gostar de mim, Sim, continuo a gostar de ti, Não o expressas com muito entusiasmo, não fizeste mais que repetir as palavras que eu disse, Explica-me por que não deveriam elas servir-me a mim, se a ti te serviram, Porque ao serem repetidas perdem uma parte do poder de convencimento que teriam se tivessem sido ditas em primeiro lugar, Claro, palmas ao engenho e à subtileza da analista, Sabê-lo-ias também se te dedicasses mais à leitura de ficções, Como queres tu que me ponha a ler ficções, romances, contos, ou lá o que for, se para a História, que é o meu trabalho, não me chega o tempo, agora mesmo ando eu aqui às voltas com um livro fundamental sobre as civilizações mesopotâmicas, Reparei nele, estava em cima da mesa-de-cabeceira, Já vês, Em todo o caso, não creio que andes assim tão apertado de tempo, Se conhecesses a minha vida, não o dirias, Conhecê-la-ia se tu ma desses a conhecer, Não é disso que falamos, mas sim da minha vida profissional, Muito mais do que um romance que estivesses a ler nas tuas horas vagas, suponho que a estará prejudicando esse famoso estudo em que andas empenhado, com tantos filmes para ver.