Pela resposta que lhe dei já ficou a saber que mora, Sim, mas o modo como o disse deixou-me confuso, desconcertado, Não foi minha intenção, julguei que era uma brincadeira do meu marido, Pode ter a certeza de que não sou o seu marido, Custa-me a crer, Que eu não seja o seu marido, Refiro-me à voz, a sua voz é exactamente igual à dele, É uma coincidência, Não há coincidências destas, duas vozes, tal como duas pessoas, podem ser mais ou menos semelhantes, mas iguais até este ponto, não, Talvez não passe de uma impressão sua, Cada palavra está a chegar-me aqui como se saísse da boca dele, Realmente custa a crer, Quer dar-me o seu nome para lhe dizer quando ele vier, Deixe lá, não vale a pena, aliás o seu marido nem me conhece, É um admirador, Não precisamente, Mesmo assim, ele há-de querer saber, Telefonarei num outro dia, Mas ouça. A comunicação foi cortada, lentamente Tertuliano Máximo Afonso tinha pousado o telefone no descanso.
Os dias passaram e Tertuliano Máximo Afonso não telefonou. Estava satisfeito com a maneira como tinha decorrido a conversação com a mulher de António Claro, sentia-se portanto com a confiança suficiente para voltar à carga, mas, pensando bem, havia decidido optar pelo silêncio. Por duas razões. A primeira porque percebera que lhe agradava a ideia de alongar e aumentar a atmosfera de mistério que a sua chamada devia ter criado, divertia-se mesmo a imaginar o diálogo entre o marido e a mulher, as dúvidas dele sobre a suposta igualdade absoluta das duas vozes, a insistência dela em que nunca as teria confundido se essa igualdade não existisse, Oxalá tu estejas em casa quando telefonar, julgarás então por ti próprio, diria ela, e ele, Se é que telefonará, aquilo que queria saber já tu lho disseste, que moro aqui, Sem esquecer que perguntou por Daniel Santa-Clara, e não por António Claro, É isso que é estranho. A segunda e mais forte razão foi ter considerado definitivamente justificada a sua anterior ideia sobre as vantagens de despejar o terreno antes de dar o segundo passo, isto é, esperar que acabem as aulas e os exames para, com a cabeça tranquila, traçar novas estratégias de aproximação e cerco. É certo que tem à sua espera aquela aborrecida tarefa que o director lhe encomendou, mas, nos quase três meses de férias que vai ter pela frente, há-de poder achar uma aberta de tempo e a indispensável disposição de espírito para os estudos áridos. Cumprindo a promessa que havia feito, é até provável que resolva ir passar alguns dias, poucos, com a mãe, sob condição, no entanto, de descobrir a forma segura de confirmar a sua quase certeza de que o actor e a mulher não sairão para férias tão cedo, bastará que recordemos a pergunta feita por ela quando julgava estar a falar com o marido, A filmagem atrasou-se, é isso, para concluirmos, por a + b, que Daniel Santa-Clara está a participar num novo filme, e que, se a sua carreira se encontra em fase ascendente como A Deusa do Palco já mostrava, o seu tempo de ocupação profissional excederá em muito, por força de necessidade, a do pouco mais que figurante que havia sido nos seus princípios. As razões de Tertuliano Máximo Afonso para retardar a chamada são, portanto, como se acaba de ver, convincentes e substantivas. Não o obrigam, porém, nem condenam, à inactividade. A sua ideia de ir ver a rua onde reside Daniel Santa-Clara, apesar do revés daquele bruto balde de água fria lançado pelo senso comum, não tinha sido posta de parte. Considerava mesmo que essa observação, por assim dizer prospectiva, seria indispensável ao êxito das operações seguintes, porquanto constituía como um apalpar de pulso, algo parecido, nas guerras clássicas ou fora de moda, ao envio de uma patrulha de reconhecimento com a missão de avaliar as forças do inimigo. Felizmente para a sua segurança, não se lhe tinham varrido da memória os providenciais sarcasmos do senso comum sobre os mais do que prováveis efeitos de um aparecimento a cara descoberta. É certo que poderia deixar crescer o bigode e a barba, cavalgar o nariz com uns óculos escuros, enfiar um boné na cabeça, mas, excluindo o boné e os óculos, que são coisas de pôr e tirar, tinha a certeza de que os ornamentos pilosos, a barba e o bigode, fosse por caprichosa determinação da produtora, fosse por modificação de última hora no guião, começariam, nesse mesmo instante, a crescer na cara de Daniel Santa-Clara. Por conseguinte, o disfarce, indubitavelmente forçoso, teria de recorrer aos postiços de todas as mascaradas antigas e modernas, não valendo contra esta irrespondível necessidade os temores que tinha experimentado no outro dia, quando se pusera a imaginar as catástrofes que poderiam suceder se, assim dissimulado, tivesse ido à empresa pedir informações sobre o actor Santa-Clara. Como toda a gente, sabia da existência de estabelecimentos especializados na venda e aluguer de trajes, adereços e toda a restante parafernália indispensável tanto às artes do fingimento cénico como aos proteiformes avatares do ofício de espia. A hipótese de ser confundido com Daniel Santa-Clara na ocasião da compra só teria de ser tomada seriamente em consideração se fossem os próprios actores a andar por aí a comprar postiços de barba, bigode e sobrancelhas, perucas e cabeleiras, palas para olhos falsamente cegos, verrugas e sinaizinhos, enchimentos internos para dilatar as bochechas, chumaços de todo o tipo e para ambos os sexos, sem falar das cosméticas capazes de fabricar variações cromáticas à vontade do freguês. Não faltaria mais. Uma produtora de filmes que se preze deverá ter nos seus armazéns tudo quanto necessite, se algo lhe falta irá comprar, e, em caso de dificuldades orçamentais, ou simplesmente por não valer a pena, pois então que alugue, que não será por isso que lhe cairão os parentes na lama. Honestas mulheres de sua casa iam pôr os cobertores e os abafos no prego quando os primeiros calores chegavam com a primavera, e nem por isso a sua vida deveria ter sido menos merecedora do respeito da sociedade, que tem obrigação de saber o que são necessidades. Há dúvidas sobre se o que acaba de ser escrito, desde a palavra Honestas até à palavra necessidades, tenha sido obra efectiva do pensamento de Tertuliano Máximo Afonso, mas representando elas, e as que entre uma e outra se podem ler, a mais santa e pura das verdades, mal parecia deixar passar a ocasião. O que finalmente nos deve tranquilizar, aclarados já os passos a dar, é a certeza de que Tertuliano Máximo Afonso poderá deslocar-se sem nenhum receio à loja dos disfarces e enfeites, escolher e adquirir o modelo de barba que melhor condiga com a sua cara, observando, no entanto, a cláusula incondicional de que uma barbica do género geralmente conhecido por passa-piolho, mesmo que o transformasse num árbitro de elegâncias, teria de ser firmemente rejeitada, sem regateio nem cedência às tentações de uma redução de preço, pois o desenho de orelha a orelha e a relativa curteza do pêlo, sem falar da nudez do lábio superior, deixariam pouco menos que à luz crua do dia as feições que justamente se pretende levar ocultas. Por ordem inversa de razões, ou seja, porque iria chamar demasiado a atenção dos curiosos, também deverá ser excluída qualquer espécie de barba longa, mesmo não pertencendo ao tipo apostólico. O conveniente será, portanto, uma barba cheia, bastamente povoada, tirando, porém, mais para o lado do curto que para o lado do comprido. Tertuliano Máximo Afonso passará horas fazendo experiências diante do espelho da casa de banho, pegando e despegando a finíssima película em que os pêlos se encontram implantados, ajustando-a com precisão às patilhas naturais e aos contornos dos maxilares, das orelhas e dos lábios, estes em especial, porque terão de mover-se para falar e até, quem sabe, para comer, ou, sabe-se lá ainda, para beijar. Quando pela primeira vez olhou a sua nova fisionomia sentiu um fortíssimo impacte interior, aquela íntima e insistente palpitação nervosa do plexo solar que tão bem conhece, porém, o choque não tinha sido o resultado, simplesmente, de se ver distinto do que era antes, mas sim, e isso é muito mais interessante se tivermos em conta a peculiar situação em que tem vivido nos últimos tempos, uma consciência também distinta de si mesmo, como se, finalmente, tivesse acabado de encontrar-se com a sua própria e autêntica identidade. Era como se, por aparecer diferente, se tivesse tomado mais ele mesmo. Tão intensa foi a impressão do choque, tão extrema a sensação de força que dele se apoderou, tão exaltada a incompreensível alegria que o invadiu, que uma necessidade angustiosa de conservar a imagem o fez sair de casa, usando de todas as cautelas para não ser visto, e dirigir-se a um estabelecimento fotográfico longe do bairro onde vivia, para que lhe tirassem o retrato. Não queria sujeitar-se à mal estudada iluminação e aos maquinismos cegos de um fotomaton, queria um retrato cuidado, que lhe desse gosto guardar e contemplar, uma imagem de que pudesse dizer a si mesmo, Este sou eu. Pagou uma sobretaxa de urgência e sentou-se à espera. Ao empregado que lhe sugeriu que desse uma volta, a fazer tempo, Ainda demora um bocado, respondeu que não, que preferia esperar ali, e desnecessariamente acrescentou, É para oferecer. De vez em quando levava as mãos à barba, como se a cofiasse, certificava-se pelo tacto de que tudo parecia estar no seu lugar e regressava às revistas de fotografia que estavam expostas numa mesa. Quando saiu levava consigo meia dúzia de retratos de formato médio, que já tinha decidido destruir para não ter de ver-se multiplicado, e a respectiva ampliação. Entrou num centro comercial próximo, meteu-se numa privada, e ali, fora de vistas indiscretas, retirou o postiço. Se alguém tinha visto entrar nas retretes um homem barbado, dificilmente será capaz de jurar que fosse este, de cara rapada, que acaba de sair cinco minutos depois. Em geral, num homem com barba não se repara no que leva posto, e aquele sobrescrito eventualmente denunciador que antes havia entrado na mão, está agora escondido entre o casaco e a camisa. Tertuliano Máximo Afonso, até estes dias pacífico professor de História do ensino secundário, demonstra ser dotado de suficiente talento para o exercício de qualquer destas duas actividades profissionais, ou a de disfarçado delinquente, ou a do polícia que o investiga. Dêmos nós tempo ao tempo, e saberemos qual das duas vocações prevalecerá. Quando chegou a casa começou por queimar no lava-louça os seis duplicados menores da fotografia ampliada, fez correr a água que arrastou as cinzas para o ralo do desaguadouro, e, depois de contemplar complacente a sua nova e clandestina imagem, restituiu-a ao sobrescrito, que foi esconder numa prateleira da estante, por trás de uma História da Revolução Industrial que ele próprio nunca havia lido.
Alguns dias mais decorreram, o ano lectivo chegou ao fim com o último exame e a afixação da última pauta de classificações, o colega de Matemática despediu-se, Vou para férias, mas depois, se precisar de alguma coisa, telefone-me, e ande com cuidado, com muito cuidado, o director recordou-lhe, Não se esqueça do que combinámos, quando eu regressar de férias telefono-lhe para saber como vai o trabalho, se resolver sair da cidade, também tem direito a descanso, deixe-me o seu número no gravador. Num destes dias Tertuliano Máximo Afonso convidou Maria da Paz para jantar, pesara-lhe finalmente na consciência a incorrecção com que estava a portar-se com ela, sem ao menos a delicadeza formal de um agradecimento, sem uma explicação sobre os resultados da carta, mesmo tendo que inventá-la. Encontraram-se no restaurante, ela chegou um pouco atrasada, sentou-se logo e desculpou-se com a mãe, ninguém diria, olhando-os, que são amantes, ou talvez se note que o foram até há pouco tempo e que ainda não se habituaram ao seu novo estado de indiferentes um ao outro, ou a parecer que o são. Pronunciaram algumas frases de circunstância, Como estás, Como tens passado, Muito trabalho, Eu também, e quando Tertuliano Máximo Afonso uma vez mais hesitava no rumo que lhe conviria dar à conversa, ela antecipou-se e saltou a pés juntos sobre o assunto, Satisfez a carta os teus desejos, perguntou, deu-te todas as informações de que tinhas necessidade, Sim, disse ele, demasiado consciente de que a sua resposta era, ao mesmo tempo, falsa e verdadeira, A mim, na altura, não me deu essa impressão, Porquê, Seria de esperar que fosse mais volumosa, Não compreendo, Se mal não recordo, os dados de que precisavas eram tantos e tão minuciosos que não poderiam caber numa única folha de papel, e dentro do sobrescrito não havia mais que isso, E tu como o sabes, abriste-o, perguntou Tertuliano Máximo Afonso com súbita aspereza e sabendo antecipadamente que resposta iria receber a gratuita provocação. Maria da Paz fitou-o a direito nos olhos e disse serena, Não, e tu tinhas obrigação de o saber, Peço-te por favor que me desculpes, saiu-me da boca sem pensar, disse ele, Poderei desculpar-te, se fazes nisso questão, mas temo não poder ir mais longe, Mais longe aonde, Por exemplo, esquecer que me consideraste capaz de abrir uma carta que te vinha dirigida, No fundo de ti mesma, sabes que não é isso que penso, No fundo de mim mesma, sei que nada sabes de mim, Se desconfiasse do teu carácter, não te teria pedido que a carta fosse enviada com o teu nome, Ali, o meu nome não foi mais que uma máscara, a máscara do teu nome, a máscara de ti, Expliquei-te as razões por que considerei mais próprio o procedimento que seguimos, Explicaste, E tu estiveste de acordo, Sim, estive de acordo, Então, Então, a partir de agora ficarei à espera de que me mostres as informações que dizes ter recebido, e não é porque tenha qualquer interesse nelas, é simplesmente porque entendo ser teu dever mostrar-mas, Agora és tu que desconfias de mim, Sim, mas deixarei de desconfiar se me disseres como foi possível caberem numa simples folha de papel todos aqueles dados que pediste, Não mos deram todos, Ah, não tos deram todos, Foi o que eu disse, Então hás-de mostrar-me o que tiveres. A comida arrefecia nos pratos, o molho da carne coalhava, o vinho dormia esquecido nos copos e havia lágrimas nos olhos de Maria da Paz. Por um instante Tertuliano Máximo Afonso pensou que lhe daria um alívio infinito contar a história toda desde o começo, este estranhíssimo, singular, assombroso e nunca antes visto caso do homem duplicado, o inimaginável convertido em realidade, o absurdo conciliado com a razão, a demonstração acabada de que a Deus nada é impossível e que a ciência deste século é realmente, como disse o outro, uma tola. Fizesse-o ele, tivesse ele tido essa franqueza, que as suas desconcertantes acções anteriores se encontrariam explicadas por si mesmas, incluindo aquelas que para Maria da Paz haviam sido agressivas, grosseiras ou desleais, ou que, numa palavra, foram ofensivas do mais elementar senso comum, isto é, quase todas. Então a concórdia regressaria, os erros e faltas seriam perdoados sem condições nem reservas, Maria da Paz pedir-lhe-ia Não sigas com essa loucura, que pode vir a dar mau resultado, e ele responderia Pareces a minha mãe a falar, e ela perguntaria Já lhe contaste, e ele diria Só lhe dei a entender que andava com certos problemas, e ela concluiria Agora que desabafaste comigo, vamos resolvê-los juntos, São poucas as mesas que estão ocupadas, eles foram postos num canto e ninguém lhes dá particular atenção, situações como esta, de casais que vêm esgrimir os seus conflitos sentimentais ou domésticos entre o peixe e a carne ou, pior ainda, por levarem mais tempo a dirimir, entre o aperitivo e o pagamento da conta, fazem parte integrante do quotidiano histórico da hotelaria, modalidade restaurante ou casa de pasto. O bem intencionado pensamento de Tertuliano Máximo Afonso, assim como apareceu, assim se foi embora, o criado veio perguntar se tinham terminado e retirou os pratos, os olhos de Maria da Paz estão quase secos, já foi dito mil vezes que é inútil chorar o leite derramado, o pior neste caso foi o que aconteceu à vasilha que o levava, feita em cacos no chão. O criado trouxe o café e a conta que Tertuliano Máximo Afonso havia pedido, daí a poucos minutos estavam dentro do carro. Levo-te a casa, tinha dito ele, Pois sim, se fazes favor, respondera ela. Não falaram até entrarem na rua em que morava Maria da Paz. Antes de chegarem à altura da porta em frente da qual ela deveria descer, Tertuliano Máximo Afonso encostou o carro ao passeio e desligou o motor. Surpreendida pelo inopinado do gesto, ela olhou-o de relance, mas continuou calada. Sem virar a cara, sem a olhar, numa voz decidida, mas tensa, ele disse, Tudo quanto nas últimas semanas ouviste da minha boca, incluindo a conversa que tivemos agora no restaurante, foi mentira, mas não percas tempo a perguntar qual é a verdade porque não te poderei responder, Portanto, o que de facto querias da produtora não eram esclarecimentos estatísticos, Exactamente, Presumo que será inútil da minha parte esperar que digas qual era o verdadeiro motivo do teu interesse, Assim é, Terá algo que ver com os vídeos que lá tens, imagino, Contenta-te com o que disse e deixa-te de perguntas e suposições, Perguntas, posso prometer que não as farei, mas sou livre de fazer as suposições que quiser, mesmo que viessem a parecer-te disparatadas, É curioso que não tenhas ficado surpreendida, Surpreendida com quê, Sabes a que me refiro, não me obrigues a repeti-lo, Mais tarde ou mais cedo terias de mo dizer, o que não esperava era que fosse hoje, E por que teria eu de dizer-to, Porque és mais honesto do que julgas, Em todo o caso, não o suficiente para te contar a verdade, Não creio que a razão seja a falta de honestidade, o que te cerra a boca é outra coisa, Quê, Uma dúvida, uma angústia, um temor, Que te leva a pensar assim, Tê-lo lido na tua cara, tê-lo percebido nas tuas palavras, Já te disse que mentiam, Elas, sim, mas não como soavam, É a altura de usar a frase dos políticos, não confirmo nem desminto, Esse é um daqueles truques de baixa retórica que não enganam ninguém, Porquê, Porque qualquer pessoa vê logo que a frase se inclina mais para o lado da confirmação do que para o lado do desmentido, Nunca tinha dado por isso, Eu também não, ocorreu-me agora mesmo, e foi graças a ti, Não confirmei nem o temor, nem a angústia, nem a dúvida, Sim, mas não os desmentiste, O momento não é para nos entretermos a jogar com palavras, Melhor isso que ter lágrimas nos olhos à mesa de um restaurante, Desculpa, Desta vez não tenho nada que desculpar-te, já sei metade do que havia para saber, não me posso queixar, Só confessei que era mentira o que te tinha dito, É essa a metade que já sei, a partir de agora espero dormir melhor, Talvez perdesses o sono se conhecesses a outra metade, Não me assustes, por favor, Nem há razão para isso, tranquiliza-te, aqui não há morte de homem, Não me assustes, Sossega, como a minha mãe costuma dizer, tudo acaba por se resolver, Promete-me que terás cuidado, Está prometido, Muito cuidado, Sim, E que se em todos esses segredos que não sou capaz de imaginar achasses algo que me pudesses dizer, mo dirias, mesmo que a ti te parecesse insignificante, Prometo, mas, neste caso, o que não for tudo, é nada, Mesmo assim, esperarei. Maria da Paz inclinou-se, deu-lhe um beijo rápido na cara e fez um movimento para sair. Ele deitou-lhe a mão ao braço e reteve-a, Fica, vamos para minha casa. Ela desprendeu-se suavemente e disse, Hoje não, não poderias dar-me mais do que já deste, Salvo se te contasse o que falta, Nem sequer isso, imagina tu. Abriu a porta, virou ainda a cabeça para despedir-se com um sorriso e saiu. Tertuliano Máximo Afonso ligou o motor, esperou que ela entrasse no prédio e depois, com um gesto cansado, pôs o carro em movimento e foi para casa, lá onde, paciente e segura do seu poder, o estava esperando a solidão.