Arthur C. Clarke e Gentry Lee
O jardim de Rama
Tradução de Barbara Heliodora
Editora Nova Fronteira
Título originaclass="underline" The Garden of Rama
Arthur C. Clarke e Gentry Lee 1991
SUMÁRIO
O DIÁRIO DE NICOLE
DENTRO DO NODO
ENCONTRO MARCADO EM MARTE
EPITALÂMIO
O JULGAMENTO
Contracapa
No ano 2130, uma misteriosa espaçonave, Rama, chegou ao sistema solar.
Era imensa — suficientemente grande para conter uma cidade e um mar em seu cilindro de cinquenta quilometros — e vazia, aparentemente abandonada por seu construtores. Quando Rama partiu para seu destino seguinte e desconhecido, muitas maravilhas haviam sido descobertas, mas poucos mistérios solucionados.
Só uma coisa ficara esclarecida: tudo o que os enigmáticos construtores de Rama faziam, o faziam em grupos de três.
Oitenta anos mais tarde, a segunda nave alienígena chegou ao sistema solar. Desta vez, a Terra a observara e estava à sua espera. Mas nem todos aqueles anos de preparação foram suficientes para que se penetrasse no enigma ramaiano. A cada descoberta o mistério mais se adensava e a nova expedição terminou em tragédia — e com uma tentativa da Terra de destruir a nave alienígena.
Agora, Rama II está caminhando para fora do sistema solar. A bordo estão três humanos, dois homens e uma mulher, deixados para trás quando a expedição partiu. À frente, o desconhecido, uma viagem que humano algum jamais experimentara. E ao final desta podia estar a verdade a respeito de Rama.
Em O jardim de Rama Arthur C. Clarke e Gentry Lee produziram um estonteante episódio na história que começou no clássico Encontro com Rama, de Clarke, o único romance de ficção científica a abocanhar todos os principais prêmios do gênero.
Agradecimentos
Muitas pessoas fizeram contribuições valiosas para este romance. A primeira dentre essas, em termos de impacto geral, foi nosso editor Lou Aronica.
Seus comentários, logo no inicio, deram forma à estrutura de todo o romance e sua percuciente editoração final fortaleceu de modo significativo a fluência do livro.
Nosso bom amigo e polimatemático Gerry Snyder foi novamente de imensa ajuda, enfrentando todos os problemas técnicos com generosidade, fossem eles grandes ou pequenos. Se as passagens médicas da história são precisas e têm verossimilhança, quem merece o credito e o dr. Jim Willerson. Quaisquer erros nas mesmas passagens são da estrita responsabilidade dos autores.
Durante o início da redação, Jihei Akita não poupou esforços na busca das locações adequadas para as cenas japonesas. E mostrou-se, também, mais do que disposto a discutir cm profundidade os costumes e a história de seu pais.
Na Tailândia, a sra. Watcharee Monviboon foi excelente guia para as maravilhas daquele país.
O romance trata, com considerável detalhe, de mulheres, particularmente sua maneira de sentir e pensar. Tanto Bebe Barden quanto Stacey Lee sempre se mostraram disponíveis para conversas sobre a natureza feminina. A sra. Barden foi de particular ajuda, também, quanto a idéias para a vida e a poesia de Benita Garcia.
Stacey Kiddo Lee fez muitas contribuições diretas para O jardim de Rama, porém foi seu altruísta apoio ao empreendimento como um todo que foi decisivo.
Durante o tempo em que o romance foi escrito, Stacey deu à luz seu quarto filho, Travis Clarke Lee. Por tudo, Stacey, muito obrigado.
O DIÁRIO DE NICOLE
1
29 DE DEZEMBRO DE 2200
Há duas noites, às 10:44h, hora de Greenwich na Terra, Simone Tiasso Wakefield ajudou o universo. Foi uma experiência inacreditável. Pensei que já sentira antes emoções fortes, porém nada em minha vida — nem a morte de minha mãe, nem a medalha de ouro nas Olimpíadas de Los Angeles, nem minhas 36 horas com o príncipe Henry, e nem mesmo o nascimento de Geneviève sob o olhar alerta de meu pai no hospital de Tours — foi tão intenso quanto minha alegria e alívio quando finalmente ouvi o primeiro choro de Simone.
Michael previra que o bebê chegaria no Dia de Natal. Com seu costumeiro jeito amoroso, ele nos dissera que Deus ia “dar-nos um sinal”, ao fazer com que nossa filha espacial nascesse no dia universalmente aceito como o do nascimento de Jesus. Richard riu-se da idéia, como acontece sempre com meu marido cada vez que o fervor religioso de Michael fica fora de controle. Mas depois que senti as primeiras contrações fortes na Véspera de Natal, até mesmo Richard começou a crer.
Tive um sono inquieto na noite antes do Natal. E logo antes de acordar tive um sonho profundo e vivido. Eu estava caminhando junto ao nosso lago em Beauvois, brincando com meu pato favorito, Dunois, e seus companheiros selvagens, quando ouvi uma voz que me chamava. Não conseguia identificar a voz, mas sabia sem dúvida que era uma voz de mulher. Ela me disse que meu parto seria extremamente difícil e que eu precisaria de todas as minhas forças para dar à luz minha segunda filha.
No próprio Dia de Natal, depois de trocarmos os singelos presentes que cada um de nós havia encomendado secretamente aos ramaianos, comecei a treinar Michael e Richard para toda uma gama de possíveis emergências. Creio que Simone teria efetivamente nascido no Dia de Natal se no plano consciente minha mente não estivesse tão cônscia de que nenhum dos dois homens estava sequer remotamente preparado para ajudar-me em caso de algum problema sério. É provável que minha força de vontade, e mais nada, tenha adiado o nascimento do bebê por aqueles dois últimos dias.
Uma das contingências discutidas no Natal foi a de o bebê estar com apresentação de nádegas. Há cerca de dois meses, quando ao bebê ainda por nascer restava alguma liberdade de movimentos dentro de meu útero, eu estava bastante certa de ele estar de cabeça para baixo. Porém, pareceu-me que ela havia invertido a posição na última semana antes de baixar para sua posição préparto. Eu estava apenas parcialmente correta. Ela havia conseguido entrar com a cabeça na frente no canal de parto; no entanto, estava com o rosto para cima, voltado para a minha barriga, e depois da primeira série forte de contrações, o alto da cabecinha dela viu-se incomodamente encalhado de encontro à minha pélvis.
Em um hospital na Terra é provável que o médico houvesse feito uma cesariana. Sem dúvida, o médico ficaria alerta a sinais de estresse do bebê e começaria bem cedo a usar todo o seu instrumental robótico para lutar para girar a cabeça de Simone antes de ela encalhar em situação tão desconfortável.
Mais para o fim a dor estava arrasadora. Entre uma e outra das fortes contrações que a empurravam contra minha ossatura inamovível, eu tentava gritar ordens a Michael e Richard. Meu marido foi praticamente inútil. Ele não sabia como administrar minha dor (ou “aquela porcaria”, como mais tarde veio a chamá-la), e muito menos ajudar com a episiotomia ou usar o fórceps improvisado que conseguíramos com os ramaianos. Michael, que Deus o abençoe, com suor jorrando da testa apesar da temperatura baixa da sala, lutou bravamente para seguir minhas instruções por vezes incoerentes. Ele usou o meu bisturi para me abrir ainda mais e então, depois de hesitar por um momento diante de todo aquele sangue, ele encontrou a cabeça de Simone com o fórceps.
De algum modo ele conseguiu, na terceira tentativa, tanto empurrá-la de volta para o caminho certo quanto girá-la para que pudesse nascer.
Ambos os homens gritaram quando a cabeça apareceu. Eu continuei a me concentrar na respiração correta, preocupada com a possibilidade de não conseguir ficar consciente. Apesar da dor intensa, eu também gritei quando minha contração forte seguinte disparou Simone para as mãos de Michael. Como pai, era tarefa de Richard cortar o cordão umbilical, e quando ele concluiu, Michael levantou Simone para que eu a visse. “E uma menina”, disse ele com lágrimas nos olhos. Ele a pousou delicadamente sobre meu estômago e eu me alcei ligeiramente para vê-la. Minha primeira impressão foi a de que ela era uma réplica exata de minha mãe.